10 - A REALIDADE DE JOSÉ

  O grupo estava com uma nova apresentação. Tinham que encontrar um novo texto. Vânia sugeriu-lhes:

- Por que não falam um pouco de vocês mesmos?

E Tereza concordou:

- É uma boa ideia. Vou conversar com Marcelo, para ver se ele pode escrever o texto.

No Centro a rotina era sempre a mesma. Só que aquele dia, muita coisa diferente aconteceu. Isaura veio me pedir umas aulas a mais.

- Vítor, estou me preparando para o vestibular. Será que você poderia me dar umas explicações de Português.

- Sim... Você já escolheu o curso que vai prestar?

- Gosto muito de poesia. Acho que vou prestar Letras. Quem sabe, um dia posso ser uma professora igual a você...

- Certamente que será, Isaura. Estarei torcendo por você.

Nesse momento, Edson apareceu alegre. Seu grupo de dança havia recebido um convite. Uma companhia de dança queria que eles fossem numa turnê pelo país no próximo ano. E eles aceitaram o convite.

E por falar em convite, Rosemeire também tinha um para fazer a Roberto.

- Sábado tenho uma festa para ir e gostaria que você fosse comigo.

- Por que eu, Rosemeire?

- Ah!, sei lá, Roberto. Gosto tanto de sua amizade que me deu vontade de convidá-lo.

- Mas sábado temos que apresentar a peça no colégio. Eu faço parte dela.

- Eu também vou assistir. Podemos ir em seguida.

- Tudo bem, vamos. Agradeço o convite...

- Imagina... Fico contente, Roberto! - E lhe deu um beijo na testa.

Quando ela saiu para cuidar de sua turma, José se aproximou de onde estávamos.

- Chateado, cara? - Percebeu Roberto.

- É, um pouco, não se preocupe com isso, não.

- Qual é, José!? Se abra conosco, somos seus amigos e gostaríamos de ajudá-lo.

E então ele se abriu:

- É a respeito do serviço. Ninguém onde fiz ficha me chamou. Não adianta, eles não vão me dar emprego. Querem pessoas fortes e perfeitas para garantir uma boa produção.

- É, realmente é triste, José...

- Mas é verdade, Vítor, Na minha opinião, cada cidadão deveria ter o direito a um lugar na sociedade, onde pudesse trabalhar sentindo-se útil e feliz.

- Isto já existe em nossa Constituição. - Lembrou Roberto.

- Isso é só papel, teoria. Na prática a coisa é muito diferente, a realidade é outra. Seria importante que a sociedade tivesse uma visão positiva sobre nós, as pessoas com deficiência. - Após esse desabafo, José deu um tempo e continuou. - Não sei se vocês sabem, mas na NASA, mos Estados Unidos, já existem programas profissionais especiais para pessoas com nanismo, assim como eu. Tem até um setor todo dirigido por eles. No Brasil a coisa é diferente. Aqui, os anões no circo são palhaços e, na televisão, todos se divertem com eles...

Há fundamento naquilo que José acabava de falar. Muitas pessoas com deficiência, como também quem tem nanismo, aproveitavam-se disso, podendo até ser uma forma de sobreviver, pois muitos não encontravam um maior apoio na sociedade e o lugar que lhes é de direito por também serem pessoas normais, apenas com algumas limitações mais acentuadas. Isso, naquela época, era fruto da desinformação ou por não quererem encontrar o seu próprio valor, o que não era o caso de José.

- Ânimo, meu amigo, as coisas vão melhorar... - Falei para levantar o seu astral.

- É, temos que acreditar nisto. Vamos falar de coisas boas. Que tal uma partida de dama?

Fiz o desafio:

- Quem perder joga comigo.

- Sim, aceito. E que vença o melhor! - Brincou José voltando a sorrir, embora disfarçadamente.

PROXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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