11 - PROBLEMAS PATERNOS

Ainda naquela manhã, pensando no problema de Márcia, conversei com Celinha sobre o fato da superproteção. Ela sugeriu uma saída:

- Acho que devemos ir até a casa dela bater um papo com seus pais. Você quer vir conosco, Vítor?

- Eu...?

Fiquei surpreso com o convite.

- É, assim você também conhece o outro lado dos nossos alunos que é a casa paterna.

- Sim, vamos...

Segundo Celinha me explicou em relação às pessoas iguais a Márcia, o contato social começa dentro do próprio lar. Dependendo da maneira que o jovem com deficiência for criado, se os pais buscarem sempre derrubar os conceitos de "inferioridade", estarão, assim, colaborando para a formação da própria personalidade de seu filho. Talvez essa seria a raiz do problema comportamental de Márcia.

Celinha, Vânia e eu aproveitamos que Márcia estava no Centro e fomos até sua casa. Só encontramos a sua mãe que nos recebeu simpaticamente, o pai havia ido trabalhar.

Ao nos convidar a entrar, perguntou-nos:

- Mas a que devo a honra dessa visita?

E Vânia, educadamente, respondeu-lhe:

- Nada de especial. É que sempre gostamos de visitar as famílias de nossos alunos. Porém, antes de mais nada, quero apresentar o professor Vítor.

- Muito prazer, professor, a Márcia comenta muito do senhor.

- O prazer é todo meu...

- É, vocês devem ter muito trabalho...

Celinha tomou a palavra:

- Não, pelo contrário. Sempre é um prazer para nós essas visitas. Apesar de muitas vezes encontrarmos casos que nos entristecem.

- Não diga! - Exclamou a mãe, servindo um café e sentando-se para conversar. 

Elas, como psicólogas, começaram a contar algumas histórias no sentido de conscientizá-la. Vânia tomou a iniciativa e aproveitei para ouvir.

- Sabe, conhecemos uma família revoltada por ter um filho com deficiência. Isso se refletiu na criança, tornando-a rebelde e revoltada para o resto de sua vida.

E Celinha deu continuidade ao relato:

- Tem outro caso que a superproteção era tanta, que os pais nem deixavam o jovem ter personalidade própria. Quando fazíamos alguma pergunta, a sua mãe até nisso intrometia, sem ao menos deixá-lo responder. Ele sempre estava preso em seu próprio lar, só saindo de casa para ir ao Centro e vice-versa.

A mãe de Márcia ouvia tudo muito atenta. Celinha continuou o caso:

- Ele nunca tinha liberdade. Sabe o que aconteceu? Tornou-se um revoltado contra a própria família quando descobriu que o tempo passou, seus amigos foram todos felizes nas suas juventudes e ele, não.

Vânia pôs a xícara de café em cima da mesa de centro e emitiu a sua opinião sobre esse caso:

- O que essa família deveria ter tido, era a consciência de que, apesar do filho ter uma deficiência, ele era um jovem como outro qualquer e precisava ser tratado como tal. Hoje ele poderia ser um rapaz, ou melhor, um homem equilibrado e vivendo muito bem em sociedade, em vez de ser uma pessoa revoltada e despejando toda a culpa na própria deficiência.

Segundo li posteriormente, a falta de experiência dos pais pode fazer o filho se sentir um rejeitado dentro do próprio ambiente em que vive. Dependendo das atividades dos pais, a criança ou o jovem com alguma limitação poderá sentir-se inibida diante de seus genitores, não conseguindo assim, conversar com sua família e expor seus problemas e necessidades. Desse jeito, os pais muitas vezes pensam que estão agindo de maneira correta.

A palavra voltou à Celinha:

- A superproteção sempre foi muito negativa e ainda mais prejudicial na reabilitação. Os indivíduos com certas limitações têm que se conscientizar que são pessoas normais e ser encorajadas a viver como tal.

Nesse momento, para ver a reação da mãe de Márcia, Vânia disse-lhe:

- Mas podemos ver que esse tipo de problema não acontece aqui em sua casa. A Márcia sempre teve uma educação exemplar.

- Realmente, nós sempre demos uma boa educação e tratamos Márcia como os demais filhos. 

Isto que sua mãe acabara de nos dizer, embora nem sempre seja verdade, é muito importante. Se o jovem for tratado não com superproteção, porém com alguns cuidados especiais dependendo do seu tipo de limitação, ele certamente se sentirá ao mesmo nível das outras pessoas e de seus irmãos. Assim não desenvolverá o "complexo de inferioridade", deixando fluir naturalmente suas aptidões.

- Bem, temos que ir. Obrigada pelo café e esperamos que continue tratando sua filha como uma pessoa normal.

- Sim, pode deixar...

Sabíamos no entanto, que ela não agia com um comportamento normal em relação à Márcia, sempre superprotegida e impedida de ter mais liberdade. Porém, Vânia e Celinha, preferiram não forçar a barra por enquanto, fazendo aquele jogo psicológico. Acreditavam que a partir daquele momento, alguma coisa poderia mudar.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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