- Tive uma conversa ontem com meus pais e eles me deixaram ir ao acampamento.
- Fico feliz com isso, Márcia... - Disse à ela, que não ficou sabendo que tivemos aquela conversa com a sua mãe. Porém, fiquei surpreso, pois não pensei que o resultado seria tão imediato.
- É, mas não é só isso, Vítor. O Lott passou em casa ontem. Ele falou com o pessoal e eles gostariam que fossemos todos aqui do Centro. Será um acampamento de um dia e iremos quinta-feira de manhãzinha.
- Então é só convidar o pessoal.
Todos concordaram em ir, inclusive alguns funcionários no sentido de orientá-los. Vânia gostou muito da iniciativa. Segundo ela, o acampamento poderia ser importante no processo de reabilitação deles. Um acampamento no mato, além de ser de difícil acesso, obriga-os à fazerem uma série de pequenos serviços, como, por exemplo, montar e desmontar barracas e preparar suas próprias refeições. E ainda permite que eles saiam da proteção ou até mesmo da superproteção paterna. Acredito mais: será uma nova forma deles se relacionarem com outros jovens e expor seus problemas e potencialidades. Por meio das conversas muitas coisas poderiam ser repensadas. Além da troca de ideias, emoções e experiências e uma forma de um conhecer o outro!
Na ida ocorreu tudo bem. O clima era de muita animação...
Logo após o almoço, uma moça, sentada em uma pedra, pediu:
- Márcia, toca violão para nós...
Dessa vez, ela não rejeitou de início como antigamente e com um sorriso no rosto perguntou:
- O que vocês querem ouvir?
- Pode ser MPB.
Entrei no papo:
- Mas com uma condição. Ela toca e vocês contam...
Todos concordaram. Márcia começou tocando "Sinal Fechado" de Paulinho da Viola. Marcelo e Roseli se abraçaram, assim como os outros casais.
- Mais uma, mais uma, mais uma...
Pediram todos. E muitas outras músicas vieram.
Quando deram uma pausa, Lott perguntou à Márcia:
- Está gostando?
- Muito... E você?
- Está bom. Mas uma pessoa que eu gostaria que tivesse aqui não veio.
- Posso saber quem é?
- Seu nome é Renata... Estou afim dela. Você acha que devo tentar?
- Acho que deve sim. Boa sorte...
No fundo, percebi que ao dizer aquilo, doeu dentro dela. Lott deu-lhe um beijo na testa.
- Você realmente é uma grande amiga, embora faça pouco tempo que a conheço. Agora vamos cantar.
- Estou cansada. Toca você, Lott. Quero ouvir um pouco.
- Já que você pediu, aqui vai...
Ele tocou uma música romântica. Eu que sabia dos sentimentos de Márcia por ele, notei cada vez mais o desânimo em seu rosto. Lott havia confessado, mesmo inocentemente, ter uma outra paixão. Márcia mais uma vez, preferiu ficar nos bastidores, sendo vencida pela timidez.
Saí para dar uma volta e me aproximei do Marcelo e da Roseli.
- E vocês, como vão?
- Bem, Vítor. Tomei uma decisão.
- Qual, Marcelo?
- Acho que vou conversar com o pai dela.
Roseli exclamou surpresa:
- Você ficou louco, Marcelo!?
- É preciso, Roseli. - Respondeu a ela, que retrucou-lhe:
- Não, eu não quero me separar de você. Pode acontecer dele não aceitar e até me mandar estudar fora daqui só para nos separar.
- Será que seu pai é capaz disso? - Perguntei à Roseli.
- Só é, Vítor! Sei do que ele é capaz.
- Mas é um risco que temos que correr. Não podemos ficar a vida toda namorando escondido.
- Tudo bem... O que você vai falar para ele? - Quis saber Roseli.
- Não sei. Pinta na hora. Depois pensamos nisso. Agora quero um beijo.
- Sabe que foi a melhor coisa que você falou até agora. - E começou a acariciá-lo.
- Acho que estou sobrando.
E saí de fininho.
A tarde chegou e com ela a canseira. Decidimos ir embora. Porém, uma surpresa nos esperava.
Quando chegamos no portão do colégio para nos separamos e cada um seguir o seu caminho rumo às suas casas, o pai de Roseli a esperava, flagrando-a juntamente com Marcelo. Todos viram quando ele foi taxativo:
- Roseli, entre no carro!
- Pai, eu posso explicar...
- Não quero explicação, entre no carro, já disse.
E saíram cantando pneus, sem ao menos dar tempo de nós tentarmos acalmá-lo...
Dei uma carona a Marcelo, que estava tenso.
- Droga, não queria que isso acontecesse, Vítor.
- Mas infelizmente aconteceu...
- Quer saber de uma coisa? Vou até lá. Roseli deve estar precisando de ajuda.
- Acho melhor não, Marcelo. Sua presença só irá piorar as coisas.
- É, realmente mais uma vez você tem razão.
Quando dei esse conselho a ele, para não ir, eu imaginava a raiva que o pai de Roseli estava sentindo. Ela havia afirmado a ele que não existia mais nada entre os dois. E no entanto, flagrou-os juntos. Esses senhores não aceitam essa situação, pois sempre desejam que suas filhas tenham namorados "fortes e sadios". Para eles, rapazes como Marcelo deveriam estar presos em instituições para não ficarem por aí roubando as filhas dos outros. Infelizmente, pensam assim.