12 - O ACAMPAMENTO

          No dia seguinte, Márcia estava muito feliz.

- Tive uma conversa ontem com meus pais e eles me deixaram ir ao acampamento.

- Fico feliz com isso, Márcia... - Disse à ela, que não ficou sabendo que tivemos aquela conversa com a sua mãe. Porém, fiquei surpreso, pois não pensei que o resultado seria tão imediato.

- É, mas não é só isso, Vítor. O Lott passou em casa ontem. Ele falou com o pessoal e eles gostariam que fossemos todos aqui do Centro. Será um acampamento de um dia e iremos quinta-feira de manhãzinha.

- Então é só convidar o pessoal.

Todos concordaram em ir, inclusive alguns funcionários no sentido de orientá-los. Vânia gostou muito da iniciativa. Segundo ela, o acampamento poderia ser importante no processo de reabilitação deles. Um acampamento no mato, além de ser de difícil acesso, obriga-os à fazerem uma série de pequenos serviços, como, por exemplo, montar e desmontar barracas e preparar suas próprias refeições. E ainda permite que eles saiam da proteção ou até mesmo da superproteção paterna. Acredito mais: será uma nova forma deles se relacionarem com outros jovens e expor seus problemas e potencialidades. Por meio das conversas muitas coisas poderiam ser repensadas. Além da troca de ideias, emoções e experiências e uma forma de um conhecer o outro!

Na ida ocorreu tudo bem. O clima era de muita animação...

Logo após o almoço, uma moça, sentada em uma pedra, pediu:

- Márcia, toca violão para nós...

Dessa vez, ela não rejeitou de início como antigamente e com um sorriso no rosto perguntou:

- O que vocês querem ouvir?

- Pode ser MPB.

Entrei no papo:

- Mas com uma condição. Ela toca e vocês contam...

Todos concordaram. Márcia começou tocando "Sinal Fechado" de Paulinho da Viola. Marcelo e Roseli se abraçaram, assim como os outros casais. 

- Mais uma, mais uma, mais uma...

Pediram todos. E muitas outras músicas vieram. 

Quando deram uma pausa, Lott perguntou à Márcia:

- Está gostando?

- Muito... E você?

- Está bom. Mas uma pessoa que eu gostaria que tivesse aqui não veio.

- Posso saber quem é?

- Seu nome é Renata... Estou afim dela. Você acha que devo tentar?

- Acho que deve sim. Boa sorte...

No fundo, percebi que ao dizer aquilo, doeu dentro dela. Lott deu-lhe um beijo na testa.

- Você realmente é uma grande amiga, embora faça pouco tempo que a conheço. Agora vamos cantar.

- Estou cansada. Toca você, Lott. Quero ouvir um pouco. 

- Já que você pediu, aqui vai...

Ele tocou uma música romântica. Eu que sabia dos sentimentos de Márcia por ele, notei cada vez mais o desânimo em seu rosto.  Lott havia confessado, mesmo inocentemente, ter uma outra paixão. Márcia mais uma vez, preferiu ficar nos bastidores, sendo vencida pela timidez.

Saí para dar uma volta e me aproximei do Marcelo e da Roseli.

- E vocês, como vão?

- Bem, Vítor. Tomei uma decisão.

- Qual, Marcelo?

- Acho que vou conversar com o pai dela.

Roseli exclamou surpresa:

- Você ficou louco, Marcelo!?

- É preciso, Roseli. - Respondeu a ela, que retrucou-lhe:

- Não, eu não quero me separar de você. Pode acontecer dele não aceitar e até me mandar estudar fora daqui só para nos separar.

- Será que seu pai é capaz disso? - Perguntei à Roseli.

- Só é, Vítor! Sei do que ele é capaz.

- Mas é um risco que temos que correr. Não podemos ficar a vida toda namorando escondido.

- Tudo bem... O que você vai falar para ele? - Quis saber Roseli.

- Não sei. Pinta na hora. Depois pensamos nisso. Agora quero um beijo.

- Sabe que foi a melhor coisa que você falou até agora. -  E começou a acariciá-lo.

- Acho que estou sobrando.

E saí de fininho.

A tarde chegou e com ela a canseira. Decidimos ir embora. Porém, uma surpresa nos esperava. 

Quando chegamos no portão do colégio para nos separamos e cada um seguir o seu caminho rumo às suas casas, o pai de Roseli a esperava, flagrando-a juntamente com Marcelo. Todos viram quando ele foi taxativo:

- Roseli, entre no carro!

- Pai, eu posso explicar...

- Não quero explicação, entre no carro, já disse.

E saíram cantando pneus, sem ao menos dar tempo de nós tentarmos acalmá-lo...


Dei uma carona a Marcelo, que estava tenso.

- Droga, não queria que isso acontecesse, Vítor.

- Mas infelizmente aconteceu...

- Quer saber de uma coisa? Vou até lá. Roseli deve estar precisando de ajuda.

- Acho melhor não, Marcelo. Sua presença só irá piorar as coisas.

- É, realmente mais uma vez você tem razão.

Quando dei esse conselho a ele, para não ir, eu imaginava a raiva que o pai de Roseli estava sentindo. Ela havia afirmado a ele que não existia mais nada entre os dois. E no entanto, flagrou-os juntos. Esses senhores não aceitam essa situação, pois sempre desejam que suas filhas tenham namorados "fortes e sadios". Para eles, rapazes como Marcelo deveriam estar presos em instituições para não ficarem por aí roubando as filhas dos outros. Infelizmente, pensam assim.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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