13 - A VOLTA AO TEATRO

  Eles tinham planejado uma nova peça para apresentar, mas os acontecimentos durante a semana não permitiram a realização dos ensaios. A solução foi continuar com o mesmo texto.

Muita animação e expectativas por parte de todos. Porém, Marcelo estava apreensivo:

- Roseli ainda não chegou...

Respondeu José:

- Deve ter se atrasado. Só isso...

- Essa semana liguei para casa dela e fui informado que estava viajando.

- Vai ver que é verdade. - Disse Isaura no sentido de acalmá-lo. 

Nesse momento, Tereza ordenou:

- Pessoal, vamos nos aprontar, que a próxima turma será a nossa.

Deixei-os nos bastidores e fui me sentar na plateia. Logo em seguida, o diretor da escola apresentou:

- Agora em nossa festa teremos um momento muito especial. Irá subir ao palco um grupo que aprendi a respeitar e admirar. E é com muito prazer que chamo a Sociedade Unidos por um Ideal.

Foram muito aplaudidos. O sucesso da peça foi igual ou até maior que a primeira apresentação. Tereza, mais uma vez, disse algumas palavras no final:

- Em primeiro lugar, gostaríamos de agradecer a mais essa oportunidade.  Como todos sabem, estamos chegando ao final do ano. Na próxima semana iremos realizar a nossa festa de Natal lá no Centro. Em retribuição ao carinho de vocês, queremos convidá-los à participar. E mais uma vez, obrigada!

Um rapaz subiu ao palco, tomando a palavra:

- Nós é que temos que agradecer a participação de vocês. Ficamos contente com o convite e podem ter certeza que iremos. Agora, vamos ter um pequeno baile e queremos contar com a presença de vocês, pois a noite está apenas começando.

No momento que todos se preparavam para dançar, retirando as cadeiras da quadra, Rosemeire e Roberto se aproximaram da gente.

- Se vocês nos dão licença, temos uma festa para ir.

- Tudo bem. Divirtam-se... - Desejou Vânia.

Edson foi logo para a pista dançar. Eu o admirava só de olhar, ele pegava o passo rapidinho. José, pela primeira vez, saiu para um canto com uma menina para conversar. Mesmo sendo um papo sério, de vez em quando notávamos que ela dava risada. Ele e suas eternas piadas...

Tereza foi conversar com um rapaz que a paquerava. Outro rapazinho se aproximou de nossa mesa e dirigiu a palavra à Isaura:

- Você aceita dançar comigo?

- Quem é? - Perguntou ela sem saber. 

E Marcelo respondeu:

- É um rapaz e está falando com você.

Vânia foi até o seu ouvido:

- Ele é um gato. Se eu fosse você, aceitaria.

- Sim, aceito... - Disse num sorriso. 

O rapaz pegou em sua mão, conduzindo-a até a pista.


Lott procurou Márcia em nossa mesa e disse:

- Márcia, tenho algo a lhe contar.

- Então conta. 

- Àquela pessoa que lhe falei no acampamento, veio. Ela aceitou dançar a próxima música comigo. Estou tão feliz...

- Fico feliz por você, Lott. Quero que saiba que lhe considero um grande amigo.

- Obrigado. Deixa-me ir até lá. Com licença...

Lott saiu. Celinha, percebendo algo diferente em seu rosto, perguntou-lhe:

- Posso saber o que houve, Márcia?

- Sim, descobri algo.

Ela olhou para todos nós na mesa e confessou-nos:

- Descobri que acabei de sair de uma grande fantasia. Antes de conhecer o Lott, morria de amores por ele. Depois que passamos a conviver, percebi o grande amigo que é e tudo aquilo não passou de uma ilusão.

Márcia, talvez, sustentava essa ilusão por não ter tido um contato maior com outras pessoas. Depois, quando ela passou a ter maior autonomia e mais diversões, começou a conhecer muitas pessoas interessantes e, quem sabe, com o tempo encontrará o seu verdadeiro amor...  Porém, naquela noite, ela ainda tinha algo a dizer:

- Agora vou realizar o meu grande sonho.

- Você nunca nos disse que tinha um grande sonho. - Lembrou Celinha.

- Mas tenho. Vou estudar violão.

Em seguida, convidei Marcelo para ir tomar uma cervejinha.

- Roseli não veio.

- Vai ver que ela teve algum problema ou realmente viajou.

-  Não, Vítor. Sei o que houve. Só que pode deixar, vou à luta!

- É isso aí, Marcelo. Lute pelo o que você quer. Mas vá com cuidado, tá?

- Pode deixar, eu me cuido.

A surpresa maior daquela noite, não aconteceu ali. Só na segunda-feira é que ficamos sabendo pela boca de Rosemeire:

- Sábado, na festa, o Roberto e eu confessamos que gostamos um do outro, e resolvemos namorar. É um sentimento que começou na época daqueles bailinhos, quando dançávamos juntos. Isso deve ter nascido com a nossa convivência.

Aquilo que ela acabara de dizer, tinha fundamento. A convivência é a maior maneira de inclusão social para as pessoas com deficiência. A partir do momento que ambos - sociedade e pessoas com deficiência - passaram a caminhar naturalmente juntos, muitos mitos serão quebrados.  Acredito também que outra forma de conhecimento, é ter e/ou manter essas pessoas em nosso círculo de amizade. Tratando-os como os demais amigos, descobrimos inúmeras qualidades, potencialidades e com isso sumirá espontaneamente as diferenças provocadas pelas limitações. Será um mundo completando o outro.

Vânia perguntou-lhe: 

- Será que dará certo, Rosemeire?

Nesse momento, ela deitou a cabeça no ombro de Roberto e nos respondeu:

- Não me importa a sua limitação. O lindo está em seu interior e as coisas belas dentro de sua alma. Temos uma boa relação e sentimos bem um ao lado do outro. Sei que a sociedade irá impor certos tipos de obstáculos e preconceitos que enfrentaremos juntos. Quem sabe isto servirá de exemplo para outras pessoas passarem a ver essas pessoas de outra maneira.

Nós, emocionados por suas francas palavras, aplaudimos.

PRÓXIMO CAPÍTULO


Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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