4 – O BAILE

  Como combinado, fomos ao baile. Encontramo-nos todos à porta do colégio para entrarmos juntos. A professora Rosemeire também nos acompanhou. Lá de fora já ouvíamos a música animada.

Ao entrarmos, uma coisa estranha ocorreu. Todos ali dentro pararam a agitação, nos olhando com curiosidade e em silêncio.

Houve até um ar de receio por parte da turma do Centro. Só que, como fui professor ali durante muitos anos, logo dominei a situação:

- Oi, pessoal! Esta é minha nova turma de alunos e os trouxe para fazer parte da festa de vocês.

- Sejam todos bem-vindo. Estávamos com saudade do senhor, professor... - Disse um de meus ex-alunos. 

E voltou tudo ao normal e ainda com mais animação. A turma do Centro demorou a se entrosar.

Edson vendo um grupo dançando passos iguais, não demorou muito a aprender e entrar na pista com eles. Achei interessante e comentei com Rosemeire:

- Como ele pode conseguir dançar, sem ouvir a música?

- Sensibilidade. Com a perda da audição, eles desenvolvem outras potencialidades, como, por exemplo, a atenção. Ele sente sensação através de movimentos. Dançar para ele é uma forma de se expressar com o corpo.

Tereza, a mais desinibida da turma, logo arranjou um rapazinho para dançar música lenta, sem qualquer dificuldade com a sua perna mecânica. Isaura também bateu papos com os rapazes, pois ela era muito bonita e atraente. José logo puxou papo com algumas moças e fez a alegria delas com o seu jeito cômico. Roberto, Celinha, Rosemeire, Marcelo e eu ficamos inicialmente em uma mesa no canto. Ao nosso lado, estava Márcia, em sua cadeira de rodas.

Muitos rapazes passavam e olhavam para Márcia, porém nenhum tentava puxar conversa com ela, que também fingia não vê-los sem corresponder àquelas paqueras. Isso, certamente era falta de experiência por parte dela de se relacionar com as pessoas em ambientes assim, pois nunca saía de casa para se divertir e para tudo que sua juventude poderia oferecer-lhe. Geralmente, quando uma pessoa não aceita a sua realidade de imediato por ser inibida, ter medo de viver, prefere ficar de lado olhando os casais em beijos, carinhos e danças. Muitas pessoas com deficiência, porém, como uma fuga, se autolimitam, como se tivessem um "complexo de inferioridade". Só que, a partir do momento em que passam a conviver normalmente em sociedade, isso geralmente é superado.

A noite continuava.  Rosemeire insistiu e levou Roberto para dançar. Atendendo a um pedido de Márcia, Celinha levou-a ao banheiro. Foi quando um fato legal aconteceu.

Uma jovem, morena, cabelo crespo e armado, rosto redondo, olhos claros, nariz pontudo, na boca pequena um batom vermelho, com macacãozinho azul, camisa de mangas compridas e meia-calça branca, muito bonita, aproximou-se de nossa mesa, dirigindo-se ao Marcelo:

- Oi!...

- Oi. - Respondeu ele.

- Sabia que eu estava morrendo de saudades de você?

- Eu também... - Marcelo afirmou em um tom meio desanimado.

- Vamos dar uma volta lá fora e bater um papo?

- Vai, fique à vontade, Marcelo.

Incentivei-o a ir, mesmo não sabendo quem era ela. Mas afinal, era uma gata...!

Ele olhou para a sua cadeira de rodas. A moça, entendendo, ofereceu-se num sorriso.

- Eu te ajudo.

E levou-o. Minutos depois, Celinha voltou, perguntando-me:

- Cadê o Marcelo?

- Saiu com uma menina para conversar. E a Márcia?

- Encontrou algumas amigas de sua rua e ficou papeando. Nossa, foi uma dificuldade no banheiro para entrar com ela. Havia escada e as portas eram pequenas, as chamadas "barreiras arquitetónicas". Bem, mas mudando de assunto, acho que você teve uma grande ideia, Vítor. Estão todos se divertindo.

Motivado pelas suas palavras, tomei um gole de minha cerveja e dei meu parecer:

- O que faltava para eles era um incentivo para integração social. É preciso criar caminhos para que eles prossigam por si mesmo.

Estava falando como se fosse um especialista no assunto. Porém, hoje chego à conclusão que há certas coisas que são mais fáceis de serem observadas por uma pessoa que está de fora, o que era meu caso, praticamente eu estava iniciando naquele “mundo”.

A hora foi passando e nos reunimos para ir embora. Marcelo ainda estava lá fora. Fui chamá-lo:

- Desculpe atrapalhar o papo de vocês, mas temos que ir.

-Tudo bem, professor. Antes quero pedir desculpas por não apresentá-la na mesa. Essa é Roseli, minha namorada.

- Muito prazer...

Cumprimentei-a num sorriso, demonstrando toda a minha alegria por aquele reencontro.

- O prazer é todo meu, professor Vítor. Sempre via o senhor no corredor na saída da aula no ano passado.

- Por favor, Roseli, tire o senhor. Bem, Marcelo, temos que ir.

E despediram-se num beijo.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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