5 - UMA NOVA TURMA

   Nunca pensei que aquele baile poderia mudar as cabeças de meus alunos. Na segunda-feira, quando entrei na classe, eles tinham algo a me contar.

- Vítor, estamos com vontade de fazer uma festa aqui na escola. - Disse-me Roberto. 

Então incentivei-lhes:

- Eu acho uma boa ideia.

- Será que a Vânia vai deixar? - Questionou José.

- Tomara que não! - Marcelo negativo como sempre. 

Isaura dirigiu-lhe a palavra:

- Poxa, você é negativo heim, cara?

- Posso chamá-la aqui para vocês conversarem... - Sugeri.

Vânia veio e bateu um papo com eles:

- O Vítor me contou que vocês se divertiram muito no baile de sábado. Fiquei muito contente...

Tereza tomou a palavra:

- Verdade, Vânia. Agora gostaríamos de saber se você nos permite em fazer um aqui no Centro.

- E por que não? Como já disse, a escola é de vocês, alunos.

- Então vamos organizar para o próximo sábado?

- Quando vocês quiserem... - Afirmou Vânia, que, após a conversa saiu para os seus afazeres.

Tereza com um jeito meigo, me disse:

- Nós precisamos de um favorzinho seu, Vítor!

Logo imaginei:

- Já sei...Vocês querem que eu convide o pessoal da outra escola... Acertei?

- Acertou... - Responderam em couro.

- E você, Marcelo, pode ligar e convidar sua namorada.

- É, vou pensar no seu caso, Vítor...

* * *

Apesar do jeito sempre animado e disposto de minha turma (me habituei a chamá-los assim), nem tudo era um mar de rosas em suas vidas. Vejam o que me contou Isaura durante a semana:

- Sabe, Vítor, no início de minha vida houve muita discriminação. Logo quando cheguei na idade de ser alfabetizada, meus pais decidiram que eu iria estudar em uma escola comum. Os pais de outros alunos protestaram, dizendo: ''Onde já se viu meu filho estudando ao lado de uma cega". Mas lutamos, inclusive eu mesma, pois tinha que provar a eles que não era aquela coisa estranha que imaginavam e, sim, capaz de muita coisa.

- Não diga. Nunca pensei que poderia haver barreiras desse tipo. - Disse, impressionado com aquilo que ela me contou. 

Ela me deu sua própria opinião:

- Infelizmente, Vítor, nós, pessoas com deficiência, sempre somos vistos primeiramente pelo que não podemos fazer. Com isso, a sociedade põe barreiras limitando-nos e quase nunca permitindo que desenvolvamos as nossas potencialidades. Eles viam primeiro a minha fisionomia e, quando descobriram minha personalidade, surpreenderam-se.

Realmente são pessoas potencialmente dotadas como eles. Isaura venceu no estudo e havia chegado até ali graças a determinação que possuía. E se ela, como os outros, chegou até ali, tinha condições de ir muito mais adiante. Bastava apenas acreditar em si mesma e lutar com otimismo.

* * *

Voltando ao velho assunto, chegou o sábado. O baile foi bem organizado. Tereza, a mais habituada, cuidou da discotecagem. Edson animava o pessoal na pista de dança. Márcia trouxe as meninas de sua rua. Isaura estava com o resto da turma.

Vânia, Celinha, Rosemeire, alguns funcionários do Centro e eu ficamos em uma mesa no canto para não atrapalhar, pois a noite era deles.

Até Marcelo estava animado.

- Posso saber por que tanta disposição?

- Telefonei para ela, Vítor, e ela me disse que vem.

- Legal...

Estava feliz por ele. Pude perceber que Marcelo estava novamente esperançoso com algo. O fato de ele estar interessado em alguém, que seja uma antiga namorada, despertava nele a vontade de viver e vencer. Isto poderia ser considerado o primeiro ponto positivo em sua reabilitação. Marcelo confessou-me que já fazia algum tempo que eles namoravam. Porém, logo após o acidente, ele não teve mais coragem de procurá-la, temendo sua reação ao vê-lo naquele estado. Mas, quando se reencontraram no baile, percebeu que era um medo só de sua imaginação, pois continuava tudo bem entre eles.

Vi quando ela se aproximou por trás, mas nada disse, não estragando a surpresa.

- Oi, Marcelo...

Ele virou o rosto num sorriso:

- Oi Roseli, que bom que você veio!

- Vamos dar uma volta?

- Vamos...

- Nos dá licença, Vítor...?

- Fiquem à vontade, garotos!

Quando eles estavam se afastando, pensei comigo mesmo: "Seja feliz, Marcelo"...

- Eles estão contentes. - Comentou Celinha e Rosemeire completou:

- Estão se relacionando muito bem com outros jovens.

- É muito importante uma boa relação com as demais pessoas, uma melhor integração social. - Explicou Vânia e então acentuei, referindo-me a minha velha turma:

- Fiquei contente que o pessoal veio.

- Acho que vou aproveitar essa música romântica que está tocando e procurar o Roberto para dançar. - Disse Rosemeire saindo da mesa. Ela era uma jovem professora dedicada à profissão... Tinha uma amizade muito grande com Roberto, que era alguns anos mais jovem que ela.

Saí da mesa para dar uma volta. Havia um grupo de jovens rindo com muitas piadas de José. Marcelo e Roseli estavam trocando carinhos e beijos. De repente, um senhor se aproximou deles e pude ouvir quando disse a Marcelo:

- Esse é meu pai, ele veio me buscar!

- Vamos embora, filha...

Tinha um ar de bravo.

- Sim, vamos... Me liga tá, gato? Tchau...

E passou a mão na cabeça de Marcelo, indo embora com seu pai. Ele me viu e percebeu que ouvi tudo.

- Sujeito esquisito, Vítor.

- E, ele deve ter ficado bravo por ela ter abusado da hora. Mas e aí, o que você me diz?

- Estou tão feliz.... Descobri uma nova razão de viver. Acho que isto devo a você... Obrigado, cara.

- Não, Marcelo, você deve isso a si mesmo. É preciso viver.... Agora, que tal nós dois tomarmos uma cerveja para comemorar...

- Vamos lá... - Concordou num sorriso.

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Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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