6 - JOSÉ VAI À LUTA

  Estava indo para a sala de aula, quando vi Marcelo no corredor, apoiando o cotovelo em sua cadeira, a mão na testa e os olhos fechados. Parecia-me muito abalado.

- O que houve, Marcelo?

Ele levantou a cabeça e me olhou:

- Não sei, cara. Liguei para a Roseli e ela não quer mais me ver.

- Mas aquele dia na despedida vocês estavam tão animados, tão apaixonados.

- Pois é, Vítor. Já liguei várias vezes para a casa dela, ela nunca me atende, ou manda dizer que não está.

- Vem, vamos para a sala depois acharemos uma saída para o seu caso.

- Não estou com cabeça...

- Mas vem... Se você não quiser, não precisa fazer nada.

Marcelo aceitou que eu o levasse para dentro. Na classe realmente ele não tinha nenhuma concentração.

Naquele dia, havia uma boa notícia. José tomou uma decisão:

- Sabe, Vítor, já conversei com a Vânia e, como vocês sempre dizem que tenho cabeça boa e como estou na idade, resolvi arrumar um serviço. Amanhã mesmo vou sair para procurar...

- Fico contente por você. Boa sorte...

-Obrigado. A Vânia queria me acompanhar, mas prefiro ir sozinho. Acho que já tenho que começar a me virar por mim mesmo!

Isto era muito importante, pois eles precisam ter acesso ao trabalho conforme suas capacidades, para que sentissem cidadãos úteis e equilibrados na sociedade.

No recreio eles foram para o pátio. Marcelo estava em um canto comigo, sem assunto, quando Márcia se aproximou de nós indagando-o:

- Está triste...

- Sim, estou... - E contou-lhe o seu problema.

- E você não vai fazer nada, além de ficar aí nesse canto?

-Fazer o que, Márcia?

Resolvi ficar mudo e só deixar os dois conversarem.

- Sei lá...Vai à luta. Procure-a, tente descobrir o real o motivo.

- Será que adianta alguma coisa?

- Se você não tentar, nunca irá saber. Ficar se martirizando não vale a pena... - Disse com muita firmeza. 

Marcelo levantou a cabeça e pediu:

- Márcia, posso fazer uma pergunta?

- Faça...

- Por que você nunca foi à luta? Você nunca amou ninguém? Se quiser, pode se abrir comigo.

Márcia olhou-me meia sem jeito, mas resolveu responder, pois tinha confiança em mim.

-É, tenho um amor. Trata-se de um rapaz de minha rua. Sempre que estou na varanda ele passa, me olha, fazendo brotar em mim um sorriso. E quando ele vai embora, fico triste de novo, me perdendo em fantasias românticas.

- Ele sabe?

- Não, nem imagina. Para dizer a verdade, nunca nem conversamos.

Marcelo se interessou pela sua história;

- E por que então você está me incentivando a lutar pelo meu amor, Márcia?

- Espero que você consiga ter a coragem que nunca tive.

Ele aproximou de sua cadeira e pegou em suas mãos:

- Vamos prometer uma coisa um para o outro. Nós dois iremos lutar pelos nossos amores.

- Não posso prometer-lhe isso, Marcelo.

- E por que não?

Márcia ficou quieta.

- E então, Márcia?

Ela respondeu num sorriso:

- Sim, vamos...

Enquanto voltávamos para classe, Marcelo me abordou:

- Vítor, posso lhe pedir um favorzinho?

- Sim, o que quiser.

- Será que, após a aula, poderia me dar uma carona?

Marcelo me pediu para que eu o deixasse no portão do colégio de Roseli. Foi o que fiz. Fiquei com um certo receio:

- Tem certeza que não quer que o espere?

- Não Vítor. Você já fez muito por mim, obrigado. Depois eu telefono para casa e meu pai me pega.

Saíam os alunos, quando surgiu Roseli de jeans e jaqueta, abraçada ao seu material. Marcelo rodou a sua cadeira até perto dela, que demonstrou surpresa ao vê-lo:

- Podemos conversar um pouco, Roseli?

- Só se for rapidinho, meus pais estão me esperando para o almoço.

Eles se afastaram.

Eu iria embora, mas resolvi aguardá-lo. Como diziam as outras pessoas do Centro, nessa área você se torna muito mais que um profissional, muitas vezes se envolvendo nos problemas deles, tornando-se amigo íntimo.

O papo lá longe continuava. Percebi que às vezes eles estavam calmos, em outros alteravam as vozes e gestos.

Até que ela começou a chorar e ele saiu.

Ao aproximar do carro, tirei a cabeça para fora e chamei-o:

- Marcelo?

- Você ainda está aí, Vítor...?

-Sim, vamos embora.

Durante o trajeto ele não se conteve e me descreveu o diálogo que ouve entre eles. Foi mais ou menos assim:

- Por que você não quer mais me ver?

- Não gosto mais de você, foi tudo uma ilusão...

- Sei que não é verdade, vejo em seus olhos, Roseli.

- É verdade - e começou a chorar. - Não estou sendo sincera com você. É meu pai...

- O que tem seu pai?

- Ele não quer mais que namoremos. É que você...

Marcelo tomou a frase.

- É que agora sou um paraplégico, não é? Ele não quer isso para sua filha, acertei?

- Sim, é isso...

- E você aceita isso com a maior naturalidade...?

Foi quando aumentou o seu choro e ela perdeu o controle:

- O que você quer que eu faça? Dependo dele, droga. Pai é pai!!!

Nesse momento ele saiu sem dizer nada. Foi quando o chamei.

Ao deixá-lo na porta de sua casa, disse-lhe:

- Marcelo, se você precisar de um amigo, conte comigo.

- Eu sei disso, Vítor. Obrigado.

* * *

No outro dia encontrei José no corredor.

- Conseguiu alguma coisa, José?

- Ainda não, Vítor. Nos lugares onde eu procurei já haviam contratado pessoas. Irei continuar procurando.

- É isso aí, não desista. Vá em frente...

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Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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