- O que houve, Marcelo?
Ele levantou a cabeça e me olhou:
- Não sei, cara. Liguei para a Roseli e ela não quer mais me ver.
- Mas aquele dia na despedida vocês estavam tão animados, tão apaixonados.
- Pois é, Vítor. Já liguei várias vezes para a casa dela, ela nunca me atende, ou manda dizer que não está.
- Vem, vamos para a sala depois acharemos uma saída para o seu caso.
- Não estou com cabeça...
- Mas vem... Se você não quiser, não precisa fazer nada.
Marcelo aceitou que eu o levasse para dentro. Na classe realmente ele não tinha nenhuma concentração.
Naquele dia, havia uma boa notícia. José tomou uma decisão:
- Sabe, Vítor, já conversei com a Vânia e, como vocês sempre dizem que tenho cabeça boa e como estou na idade, resolvi arrumar um serviço. Amanhã mesmo vou sair para procurar...
- Fico contente por você. Boa sorte...
-Obrigado. A Vânia queria me acompanhar, mas prefiro ir sozinho. Acho que já tenho que começar a me virar por mim mesmo!
Isto era muito importante, pois eles precisam ter acesso ao trabalho conforme suas capacidades, para que sentissem cidadãos úteis e equilibrados na sociedade.
No recreio eles foram para o pátio. Marcelo estava em um canto comigo, sem assunto, quando Márcia se aproximou de nós indagando-o:
- Está triste...
- Sim, estou... - E contou-lhe o seu problema.
- E você não vai fazer nada, além de ficar aí nesse canto?
-Fazer o que, Márcia?
Resolvi ficar mudo e só deixar os dois conversarem.
- Sei lá...Vai à luta. Procure-a, tente descobrir o real o motivo.
- Será que adianta alguma coisa?
- Se você não tentar, nunca irá saber. Ficar se martirizando não vale a pena... - Disse com muita firmeza.
Marcelo levantou a cabeça e pediu:
- Márcia, posso fazer uma pergunta?
- Faça...
- Por que você nunca foi à luta? Você nunca amou ninguém? Se quiser, pode se abrir comigo.
Márcia olhou-me meia sem jeito, mas resolveu responder, pois tinha confiança em mim.
-É, tenho um amor. Trata-se de um rapaz de minha rua. Sempre que estou na varanda ele passa, me olha, fazendo brotar em mim um sorriso. E quando ele vai embora, fico triste de novo, me perdendo em fantasias românticas.
- Ele sabe?
- Não, nem imagina. Para dizer a verdade, nunca nem conversamos.
Marcelo se interessou pela sua história;
- E por que então você está me incentivando a lutar pelo meu amor, Márcia?
- Espero que você consiga ter a coragem que nunca tive.
Ele aproximou de sua cadeira e pegou em suas mãos:
- Vamos prometer uma coisa um para o outro. Nós dois iremos lutar pelos nossos amores.
- Não posso prometer-lhe isso, Marcelo.
- E por que não?
Márcia ficou quieta.
- E então, Márcia?
Ela respondeu num sorriso:
- Sim, vamos...
Enquanto voltávamos para classe, Marcelo me abordou:
- Vítor, posso lhe pedir um favorzinho?
- Sim, o que quiser.
- Será que, após a aula, poderia me dar uma carona?
Marcelo me pediu para que eu o deixasse no portão do colégio de Roseli. Foi o que fiz. Fiquei com um certo receio:
- Tem certeza que não quer que o espere?
- Não Vítor. Você já fez muito por mim, obrigado. Depois eu telefono para casa e meu pai me pega.
Saíam os alunos, quando surgiu Roseli de jeans e jaqueta, abraçada ao seu material. Marcelo rodou a sua cadeira até perto dela, que demonstrou surpresa ao vê-lo:
- Podemos conversar um pouco, Roseli?
- Só se for rapidinho, meus pais estão me esperando para o almoço.
Eles se afastaram.
Eu iria embora, mas resolvi aguardá-lo. Como diziam as outras pessoas do Centro, nessa área você se torna muito mais que um profissional, muitas vezes se envolvendo nos problemas deles, tornando-se amigo íntimo.
O papo lá longe continuava. Percebi que às vezes eles estavam calmos, em outros alteravam as vozes e gestos.
Até que ela começou a chorar e ele saiu.
Ao aproximar do carro, tirei a cabeça para fora e chamei-o:
- Marcelo?
- Você ainda está aí, Vítor...?
-Sim, vamos embora.
Durante o trajeto ele não se conteve e me descreveu o diálogo que ouve entre eles. Foi mais ou menos assim:
- Por que você não quer mais me ver?
- Não gosto mais de você, foi tudo uma ilusão...
- Sei que não é verdade, vejo em seus olhos, Roseli.
- É verdade - e começou a chorar. - Não estou sendo sincera com você. É meu pai...
- O que tem seu pai?
- Ele não quer mais que namoremos. É que você...
Marcelo tomou a frase.
- É que agora sou um paraplégico, não é? Ele não quer isso para sua filha, acertei?
- Sim, é isso...
- E você aceita isso com a maior naturalidade...?
Foi quando aumentou o seu choro e ela perdeu o controle:
- O que você quer que eu faça? Dependo dele, droga. Pai é pai!!!
Nesse momento ele saiu sem dizer nada. Foi quando o chamei.
Ao deixá-lo na porta de sua casa, disse-lhe:
- Marcelo, se você precisar de um amigo, conte comigo.
- Eu sei disso, Vítor. Obrigado.
* * *
No outro dia encontrei José no corredor.
- Conseguiu alguma coisa, José?
- Ainda não, Vítor. Nos lugares onde eu procurei já haviam contratado pessoas. Irei continuar procurando.
- É isso aí, não desista. Vá em frente...