7 - NASCE UMA SOCIEDADE

  Tereza chegou à classe com uma novidade.

- Gente, fui convidada a participar de um concurso de teatro, preciso montar um grupo.

Sugeri à ela:

- Por que não tenta montar um com o pessoal aqui.

- Até que não seria uma má ideia. Alguém aqui se interessa em participar?

- Posso tentar fazer algo... - Ofereceu-se Isaura. 

Edson concordou em dançar, assim como Roberto confirmou sua participação. José pediu para ser comediante. Marcelo, novamente em depressão por causa de Roseli, não se manifestou. Porém a surpresa maior veio mesmo por parte de Márcia:

- Eu poderei tocar violão...

Pela primeira vez ela se ofereceu espontaneamente para participar de alguma atividade.

E Tereza lhe afirmou;

- Fico contente de você querer participar, Márcia. Agora precisamos escrever um texto encaixando cada um em seu papel e escolher um nome para o grupo.

- Na verdade será uma sociedade - disse eu.

José nesse momento, pensou alto:

- "Sociedade Unidos Por Um Ideal"...

- Taí, uma boa ideia. “Sociedade Unidos Por Um Ideal”. Gostei. Será um jeito de também mostrarmos o outro lado nosso, mostrar que também somos capazes. Vocês concordam? - Indagou Tereza, obtendo o apoio de todos.

* * *

No recreio, Márcia aproximou-se de Marcelo que conversava sobre futebol comigo, indagou-lhe:

- E aí, como foi ontem, Marcelo?

- Deu tudo errado, Márcia. O pai dela proibiu o namoro.

Ela se espantou;

- Mas como assim!?

- Acho que ele não quer que sua filha namore um "paralítico" assim como eu, droga!!!

- É por isso então que você está aí para baixo. Parece até mentira que exista este tipo de preconceito.

- Mas existe, Márcia. E você, quando vai cumprir nosso trato?

Ela abriu um sorriso:

- Será hoje... Quando ele passar no meu portão, à tarde, puxarei conversa.

- Tomara que você consiga, minha amiga. Desejo de coração...

- Boa sorte, Márcia! - Desejei, entrando na conversa.

-Obrigada, vocês realmente são dois grandes amigos.

Nesse momento, Tereza surgiu entrando na conversa:

- Posso falar com você, Marcelo?

- Sim, o que houve?

- Vou dar uma volta até o bebedouro. - Disse Márcia, saindo.

- É a respeito de Roseli... - Respondeu Tereza e me olhou sem jeito.

- Tudo bem, o Vítor está a par de toda a história. Pode falar.

- Encontrei-a ontem em um barzinho e como ela sabe que estudamos juntos, pediu-me que lhe trouxesse um recado. Ela precisa muito conversar com você.

- Não quero falar com Roseli! - Exclamou taxativo com certo ar de revolta.

- Pera aí, houve um mal-entendido entre vocês, segundo ela me disse e ela gostaria de se explicar.

- Não houve mal-entendido, Tereza. Ela deixou bem claro que pretendia cumprir a ordem do pai. Eu gostaria de não falar mais sobre isso, se você não se importa.

- Não, está tudo bem. Está dado o recado.

Ela me deu um sorriso e ia saindo, quando Marcelo chamou-a:

- Tereza...?

- Sim?

Virou-se para ele.

- A respeito do teatro, não me manifestei na classe, mas acho que poderei ajudar. Sem falar a ninguém, escrevo muito no silêncio de meu quarto. Posso escrever o roteiro, se você quiser, é claro...

- Lógico que quero, Marcelo. Seja bem-vindo a nossa Sociedade.

-Você me dá uma ajuda na gramática, Vítor?

- Claro, o que você precisar.

- Legal...

Hoje, acho que posso entender o que aconteceu com ele naquele momento. Marcelo sentiu uma necessidade de ser útil e mostrar superioridade. Seria uma grande maneira de provar a Roseli e seu pai que ele também era alguém, segundo sua intuição.

* * *

No dia seguinte, Márcia tinha uma coisa para contar ao Marcelo e a mim.

- Eu tentei ontem à tarde.

Empolguei-me em saber:

- E aí, como foi, conta!

- Me arrumei toda e fui para a varanda esperá-lo. Logo vi o rapaz vindo de longe, solitário, tinha ar de quem trabalhou o dia inteiro e só desejava chegar em casa e tomar um banho. Mas ao passar por mim, chamei-lhe:

  - Moço...?

- Ele respondeu? - Quis saber Marcelo.

- Respondeu "sim", parou e levantou a cabeça gentilmente. Aí pude perceber seus detalhes. Ele é lindo, tem corpo de atleta, cabelo curto e preto. Jeito de quem tem toda a disposição para a vida. Foi quando eu apenas disse: "Nada não, você parecia alguém conhecido, mas me enganei, desculpe-me". Ele falou tudo bem. E continuou seu trajeto.

- Então você não tentou...? - Observou Marcelo meio desanimado. 

E Márcia se autocondenou:

-Não. Droga, me faltou a coragem ou experiência para continuar. Sou mesmo uma anta.

- Não, Márcia, o importante é que você tentou. - Disse-lhe para acalmá-la. E Marcelo me ajudou:

- E outra, é muito difícil manter um diálogo com alguém que você só conhece de vista.

- Realmente, mais uma vez você tem razão. Fica prá próxima.

E nos deu um lindo sorriso!

Iniciaram-se os preparativos para a peça. Primeiro uma dúvida. O que escrever? E desse dia em diante minhas aulas se tornaram um verdadeiro estúdio.

- Podemos falar sobre a natureza. - Sugeriu Roberto, sendo desanimado por Márcia:

- Já deve haver outros grupos explorando esse tema.

- Que tal o amor? - Mais uma grande ideia de José.

- Também já deve ser temas de outros...

- Mas o amor nunca é demais, Isaura. Acho um bom tema. O que vocês acham? -Perguntou Tereza e todos concordaram. 

Marcelo dirigiu uma pergunta à ela:

- Posso escrever como se fosse um romance?

- À vontade. Procure já escrever encaixando cada um no seu papel conforme suas habilidades... Agora, além de dirigir, eu também gostaria de participar.

- Você é quem manda, diretora.

E todos riram.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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