1 - O JOVEM ARISTÓTELES
- Nosso filho, ainda vai ser um
grande homem...!
E
para não mudar esse pensamento esperançoso de seus pais, ele dedicava todo o
seu tempo disponível aos livros. Só saia de casa para ir à escola. Suas
diversões eram as enciclopédias, muita leitura, os telejornais e documentários.
Todos esperavam dele, um futuro sucessor do saudoso Rui Barbosa.
Aparentemente,
Aristóteles era uma figura muito simpática. Alto e magro. Cabelo curtinho e
castanho, assim como seus olhos arredondados. Nariz pequeno, onde apoiava-se os
seus óculos. Boca de tamanho médio. Falando baixo e pousado, vestia somente
roupas sociais.
De
maneira firme, tinha sempre opiniões formadas sobre os mais variados assuntos,
pois tratava-se de uma pessoa muito bem-informada. Não gostava muito de discutir,
mesmo sabendo que havia conteúdo e fundamento em seus pontos de vistas. Introvertido,
não tinha muito o hábito de emitir suas ideias, principalmente sem ser
solicitado, isso porque parte das pessoas que o rodiava, não acompanhavam o seu
raciocínio. Tratava-se de uma pessoa alegre, tranquila, entusiasmada e, acima
de tudo, otimista! Acreditava em um futuro melhor para todos.
Apreciava
artes: Gostava de pintura, quadros surrealistas (que desafiassem a sua imaginação),
lia muitas obras nacionais, ouvia música clássica e, sobretudo, MPB (Música
Popular Brasileira). Gostava de Caetano Veloso e tudo que era nosso, pois, como
Aristóteles sempre frisava, "o brasileiro precisa aprender a ser
brasileiro!"
Os
dias foram passando e já no terceiro bimestre, ele havia fechado as notas
escolares. Passava horas em frente ao seu computador, tendo inclusive, acesso à
Internet.
Já
Eliane, a sua irmã, não era uma grande aluna. Para dizer a verdade, nem se
quer, era dedicada como o irmão. Apesar dele se dedicar tempo para ajudá-la nos
deveres escolares, dando-lhe aulas particulares, Eliane não se ligava muito nos
estudos.
-
Eu quero mais‚ é curtir a vida!
Dizia
ela, que com as amigas frequentavam clubes, festinhas e os passeios juvenis. De
estrutura baixa, tinha apenas quatorze anos de idade. Cabelo comprido, ondulado
e castanho claro como seus olhos. Rosto arredondado, boca e nariz pequenos.
Vestia sempre as roupas da moda, bem à vontade.
Sempre
sorrindo, era extrovertida e falava as coisas que viessem a cabeça. Apesar de
otimista, não pensava em seu futuro e muito menos no país, pois para ela o
importante era viver o presente com muita música de pop internacional,
colecionando fotos e reportagens sobre as pessoas que admirava, dentre as
coisas típicas de uma adolescente na sua faixa de idade. E assim gostava de
irritar o seu irmão:
-
Você vai ficar louco, meu... Não sai para se divertir, não faz outra coisa
senão estudar. Não sai com amigos, não tem uma garota, não curte a sua juventude.
De que adianta saber muito, se você não usa a sabedoria para viver melhor...?
-
Não perturba, Eliane. Se gosto de meu pequeno mundo, o problema é meu. Deixe-me
curtir a vida do meu jeito, tá!?
-
Você é um quadrado, Aristóteles...
Dizia a sua irmã, pegando em seu pé.
* *
*
Era
uma rua organizada e calma, num bairro afastado do centro. Como ficava perto de
um distrito industrial e estava na hora do almoço, por ali passavam várias
moças; umas saindo e outras já voltando para o trabalho. Observando-as,
Aristóteles distraiu-se.
De
repente, apareceu uma moça que lhe chamou a atenção. Usava um conjunto, blusa e
calça de lã cor de vinho e branco e botas pretas. Cabelo ondulado até os
ombros. Rosto redondo, olhos escuros e amendoados, nariz pontudo. Tinha algumas
espinhas na face. Seu porte era médio; nem alta nem baixa, nem gorda nem magra.
Para dizer a verdade, um corpo feminino que provocava o interesse de qualquer
rapaz. Trazia um lindo sorriso nos lábios vermelhos, ao parar e perguntar a
Aristóteles:
-
O coletivo já passou?
-
Ainda não...
Respondeu
ele, que retribuindo aquele sorriso, não poderia deixar de ter notado o resto
do seu corpo, despertando-lhe à atenção.
A moça partiu, ele ficou com aquela imagem em sua mente. Foi estudar, mas não esquecia daquela linda figura feminina a insistir em seu subconsciente. "Bem que eu queria ter um diálogo maior com ela. Como, se não tenho jeito para isso...?"
-
A senhora pode adiantar o almoço?
-
Você vai sair, filho?
- Não mãe, é que quero começar a me preparar
para a prova mais cedo.
Ao
almoçar, uma força maior puxou-o para sombra daquela árvore.
"Já
sei como vou começar a conversar com ela. É só dizer um `oi' e puxar
assunto!" - Pensou ele, esperando ansioso. Distraiu-se e não viu quando a
musa esperada, aproximou-se por trás, fazendo-lhe a mesma pergunta:
-
O coletivo já passou? Aristóteles tomou um susto.
-
Eu lhe assustei, desculpe; não era minha intenção.
-
Tudo bem, você não tem culpa. Agora não tenho uma boa notícia para lhe dar. O
seu ônibus acabou de passar.
-
Droga, vou ter que esperar uns quinze minutos.
Ela
encostou na árvore e abriu a pequena bolsa, tirando uma barra de chocolate
branco.
-
Você aceita um pedaço?
-
Obrigado, bom apetite.
-
Pega, é muito para eu comer sozinha.
Ele
pegou e deu uma mordidinha. Tomou coragem e perguntou:
-
Como é o seu nome?
-
Suzy... E o seu?
-
Aristóteles...
-
Bonito nome.
-
É um pouco complicado. Pode me chamar de Ari, que fica mais fácil.
-
Tudo bem Ari. Vou indo, senão também perco o próximo coletivo. Fique com Deus.
Ao passar a mão na cabeça dele, deixou o seu gostoso perfume e foi embora, ficando a sua silhueta nas recentes lembranças do jovem intelectual.
* *
*
Enfim
a segunda-feira. Logo depois do almoço, teve uma grande ideia. Foi para a
sombra da árvore com uma rosa vermelha. Ao ver a tão esperada se aproximar,
esticando a mão, sentindo-se personagem dos antigos romances da fase do
Romantismo na literatura brasileira, disse-lhe:
-
Eu trouxe para você. Para a menina que um dia me ofereceu um chocolate para
adoçar minha boca, ofereço uma rosa para adoçar sua alma.
-
Que bonito. Você parece um poeta... Obrigada!
-
Quem sabe um dia eu seja um. E a minha primeira poesia, quero que seja para
alguém chamada Suzy.
-
Não mereço tanto, Ari.
-
Você quer ir ao cinema comigo?
-
No cinema, à noite?
-
Você quem sabe. Vê um dia e uma hora melhor...
-
Então vou pensar. Tchau...
Suzy,
foi-se e Aristóteles pensou consigo:
"Como consegui falar tudo isso? Sempre fui tímido!"
* *
*
-
Ari, aceito ir ao cinema hoje à noite.
-
Pra mim está tudo bem.
- Então venho aqui às sete e meia, combinado?
Aristóteles
entrou com tudo em sua casa e foi direto para o quarto de sua irmã.
-
Eliane, você não sabe da maior... Convidei uma menina para ir ao cinema e ela
aceitou.
-
Você está se sentindo bem, mano???
-
Não brinca, Eliane. E agora o que faço? Nunca saí com uma garota antes...
-
É simples. Começa pela roupa que você deve usar. Não vai querer ir ao cinema
com uma garota usando roupa social, vai?
-
É, talvez não fique bem...
-
Eu lhe ajudo na hora de se vestir. Agora, o passeio vai ficar só no cinema?
-
Como assim?
- Depois você pode convidá-la para ir a uma lanchonete tomar um refrigerante, comer um lanche, sei lá. Mesmo porque, dentro do cinema, vocês não poderão conversar à vontade.
* *
*
Suzy, chegou
toda de branco, com meias-de-seda, o que ele não deixou de notar.
- Demorei?
- Nem um pouco. Vamos...?
- De moto!? Adoro moto!
Chegaram ao cinema. Ele faz questão de
pagar as entradas. O filme era uma aventura sobre um tesouro perdido. Antes de
terminar, Aristóteles já havia descoberto onde estava o tesouro tão procurado,
comentando baixinho a sua descoberta com sua amiga, quem o admira:
- Nossa Ari, você é inteligente. Como
você sabe que vai estar lá?
- É simples, Suzy. Todo filme é
praticamente igual. Se eles estão procurando desse lado da montanha, o tesouro
deve estar no lado oposto.
Ao
terminar o filme, a profecia do jovem gênio se concretizou. Começaram a sair do
cinema de vagar, em meio a tanta gente.
-
Vamos Ari.
-
Você não quer ir a uma lanchonete tomar um refrigerante e comer um lanche?
-
É uma boa ideia. Se não for muito incômodo para você...
- Imagina, será um prazer se você quiser me acompanhar...
-
Fale um pouco de você, Ari, para nos conhecermos melhor.
-
Não tenho muito para falar sobre mim. Desde pequeno, não faço outra coisa,
senão estudar. Passo todo o meu tempo em cima dos livros. Meus pais exigem de
mim uma educação de primeira. Querem que eu seja um sucessor do saudoso Rui
Barbosa. Sou o primeiro aluno da escola, onde chamam-me de pequeno gênio.
-
Então é por isso que você me trata com tanta delicadeza?
-
É, faz parte de minha formação. E você o que tem para me contar?
-
Também não tenho muito para declarar. Moro com meus pais, trabalho como
secretária em uma autoescola. Porém, não aguento mais esse serviço. Queria
mesmo, era trabalhar para o governo, ou ser polícia feminina.
-
Você estuda?
-
Estudo estou no segundo ano do ensino médio. - Suzy tomou um gole de seu
refrigerante e perguntou-lhe: - Diga-me um negócio, quantos anos você tem?
-
Dezessete... Sei que é deselegante perguntar a idade de uma moça, mas e você.
-
Dezoito. Nossa, você‚ tão novo para já ter esta cabeça.
-
Isso, graças a minha dedicação aos estudos, modesta parte.
-
Parabéns. E namorada, você tem?
-
Nunca tive. Não saio de casa nunca. Nem se quer tenho amizades aqui nesta
cidade.
Mesmo
sem ele perguntar, Suzy foi se confessando:
-
Estou gostando de um rapaz do meu serviço. Não sei se vamos nos dar bem, mas
vou tentar!
-
Boa sorte...
Aristóteles desejou mesmo sem querer. Algo estranho aconteceu em seu íntimo. Não sabia o porquê, mas ao escutá-la falando de outro, sentiu um pouco de ciúmes.
-
Para aí cara. Vamos ter um bate-papo...
-
Se os amigos nos derem licença, gostaríamos de prosseguir a nossa caminhada.
-
Nossa, ele é educado.
Disse
um dos membros do grupo que pegou nos braços de Suzy, dizendo à ela:
-
E você gatinha, que tal nos divertirmos um pouco?
-
Tire suas mãos de mim, seu rato.
-
É, tire as mãos dela, por favor.
Pede
Aristóteles, tentando ajudar a amiga.
-
Cale a boca, seu panaca!!!
O
vândalo que segurava a garota, deu-lhe um soco, derrubando-o ao chão. Puxou-a
da moto, começando a arrancar suas roupas, visando abusar de seu corpo.
Aristóteles levantou-se, tentando impedir, mas foi golpeado por uma paulada que
veio por de traz, atingindo-o na nuca, desmaiando.
A
moça já estava seminua, quando um tiro vindo do escuro, atingiu o líder deles na
cabeça o matando. Os demais correram. Suzy foi socorrer o amigo, que ao
acordar, teve a surpresa de vê-la só de peças íntimas. Mas não havia tempo para
apreciar, pois uma viatura da polícia aproximava-se.
-
Parem aí, garotos. Vocês estão presos.
Gritou
um dos policiais. Suzy correu, pegou a moto, fazendo-a funcionar.
-
Rápido Ari, monta...
Aristóteles montou na garupa e ela acelerou, saindo com tudo, passando por um velhinho japonês, baixinho, meio corcunda, de roupa modesta e óculos.
* *
*
-
Não precisa, Ari. Já vou entrar.
-
Você não me disse que dirigia moto?
-
É, acabei de tirar carteira de motorista há pouco tempo. E agora, tudo que
aconteceu? Quem será que atirou? Pera aí... - Suzy notou alguma coisa. - Minha
bolsa, deve ter ficado lá. Temos que buscá-la.
-
Não podemos, certamente, está cheio de policiais no local. Pode ser perigoso.
-
Mas vão me culpar daquele assassinato. Ainda mais agora que fugimos de uma voz
de prisão.
-
Vamos provar o contrário. Àquele senhor japonês deve ter assistido a tudo.
Amanhã vou procurá-lo.
-
Você vai fazer isto por mim...?
Pergunta
ela, com ternura.
-
Pode deixar. Entramos juntos nessa e juntos sairemos.
Nesse
momento, passaram duas velhinhas que, ao verem Suzy só com aquelas peças
íntimas, dizem uma para outra:
-
Esses jovens não têm vergonha mesmo. Até no meio da rua fazem sacanagem.
Suzy,
ao ouvir isso, disse a Aristóteles:
-
Ainda mais essa...!
E juntos riram.
Aristóteles
procurou o velho japonês, mas não conseguiu muita coisa. Ao retornar ao
esconderijo de sua amiga, as novidades não eram animadoras.
-
Suzy, procurei aquele senhor que viu tudo o que aconteceu...
-
Falou com ele? Vai nos ajudar? Ele viu quem atirou?
Suzy
perguntou ansiosa em busca de uma esperança.
-
Calma... Não foi possível encontrá-lo. O homem do bar em frente, disse-me que
ele é pintor de quadros e está expondo em São Paulo. Depois de lá, ninguém sabe
para onde ele vai.
-
Agora estou perdida. Os jornais já estão divulgando minhas iniciais e afirmam
que se eu não me entregar, vão publicar uma foto. É melhor me entregar e tentar
provar a verdade.
-
Nem pensar, Suzy. Eles precisam de um "bode-expiatório" para culpá-lo
do assassinato. Como fugimos, irão usar isso como argumento para descarregar a
culpa em você.
-
E o que irei fazer??? Não posso passar o resto de minha vida escondida.
-
Vou à São Paulo procurá-lo e tentar trazê-lo para provar a sua inocência. Fui
eu quem te coloquei nesta, vou tirá-la. Enquanto isto, você pode ficar
escondida no meu quarto. Minha irmã já sabe de tudo e vai nos ajudar te
esconder.
-
E seus pais vão deixar você viajar?
- Direi que será um trabalho escolar.
* *
*
-
Obrigada, Ari. Também trouxe o meu...
-
Suzy!!! O que você está fazendo aqui?
O
rapaz se surpreendeu com ela.
-
Não poderia deixá-lo vir sozinho. Além disso, sempre quis conhecer São Paulo.
Estou cansada da rotina de minha vida.
-
Mas nós não estamos indo a passeio.
-
Podemos dar um jeitinho nisso, não podemos?
"Mulheres,
são todas iguais..."
Pensou Aristóteles.
* *
*
-
E agora pequeno gênio... Aonde vamos?
-
Temos que chegar até a Galeria marcada aqui no cartão que o dono daquele bar me
deu. Podemos perguntar para aquela policial feminina ali no Balcão de
Informações.
Assim
que foi explicado o itinerário que deveriam tomar, pegaram o metrô.
-
Nós vamos passear por debaixo da terra, Ari?
-
Iremos, Suzy. Cortaremos a cidade inteira por baixo! Isto é um grande invento
do homem, que se dedicasse mais a criar alternativas como esta para facilitar e
salvar vidas, em vez de fabricar armas, o mundo seria bem melhor.
Suzy gostou da filosofia do amigo... Ela começava achar um barato aquele passeio.
-
Estou morrendo de fome...
Confessou
a moça já na calçada.
-
Vamos procurar uma lanchonete....
Após
a refeição, saíram caminhando pelas ruas paulistanas. Olharam as vitrines, os
arranha-céus, os carros, as pessoas sem conhecer umas as outras, caminhando em
passos acelerados, pois a velha capital não poderia parar.
-
Como aqui tudo é belo, Ari. Dá até para esquecer aquela rotina chata em que
vivemos.
-
É, realmente aqui tudo tornar-se até um fascínio. Na minha opinião, ninguém
melhor até hoje descreveu São Paulo, do que Caetano.
-
Caetano?
-
É, Caetano Veloso. Você não o conhece?
-
Já ouvir falar dele, mas não curto muito MPB. Gosto mais de músicas
internacionais.
-
Ele fez isto em uma linda canção chamada "Sampa". Um dia ainda lhe
mostrarei a letra e explicarei ela a você. É uma verdadeira poesia de amor e
espanto pela cidade.
-
Combinado.
-
Está anoitecendo, acho melhor procurarmos um hotel.
Num
pequeno e bonito hotel alugaram dois quartos. A noite passou e amanheceu com a
vontade de descobrir ainda mais as novidades da Paulicéia Desvalada de Mário de
Andrade. No café da manhã se encontraram.
-
Eu sempre ouvir falar em shopping-center. Podemos ir conhecer um?
-
E por que não, Suzy?
-
Ari, você é demais - deu um beijinho em sua bochecha. - Amo ser sua amiga. Dá
licença, que vou me arrumar.
Ele
nada disse, mesmo porque Suzy o considerava apenas como um amigo. Não havia
tempo para uma confissão, pois era mais importante agora, provar a sua
inocência. Seus sentimentos precisavam continuar platônicos.
O
shopping-center, foi outro fascínio à primeira vista. Muitas pessoas fazendo
compras; objetos nas vitrines iluminadas; as lojas de roupas, discos,
perfumarias, cada um com uma decoração diferente; um chafariz ao centro; o
aroma das plantas ornamentais; o teto de vidro, trazendo a luz do Sol para o
ambiente, dando melhor luminosidade, cores e alegria. Ali realmente havia de
tudo.
Entraram
na lanchonete, pedindo o cardápio. Veio o garçom e perguntou:
-
O jovem casal de pombos já escolheu?
Fizeram
os pedidos, comeram, conversaram, riram, pagaram e saíram da lanchonete.
Andando novamente pelo shopping, Suzy fez uma observação:
-
O garçom pensou que éramos namorados.
-
Também percebi, Suzy.
-
Podemos fingir...
-
Como assim?
Suzy
pegou em sua mão:
-
Vamos, meu bem?
-
Vamos.
Os dois brincaram de namorados passeando de bem com a vida.
Após
o jantar, os dois partiram para a Galeria de Artes, na intenção de encontrar e
conversar com o japonês.
Visando
não dá nenhuma pista, entraram e passaram a apreciar as obras, pois realmente
ele pintava muito bem. Seus quadros retratavam pessoas e natureza morta. Havia
pinturas extraídas do sítio no interior, onde ele morava, conforme explicava
algumas placas que acompanhavam as obras.
-
Ali está ele...
Suzy
não demorou a reconhecê-lo. Havia muitas pessoas e fotógrafos de jornais em
volta dele, pois o velho oriental era a estrela maior daquela festa.
-
Ele deve estar muito ocupado. Vamos esperar acalmar o ambiente.
Uma
coisa eles nem imaginavam. Justamente naquele dia, a imprensa começou a
publicar a foto de Suzy, uma vez em que havia vencido o prazo para que ela se apresentar.
E foi por isso que um dos seguranças reconheceu-a:
-
Ei, menina, espere aí...
Aristóteles
logo deduziu o que estava acontecendo:
-
Ele deve ter te reconhecido. Rápido, vamos fugir.
Ao
correrem o pessoal da Galeria sem saber o que estava acontecendo, olharam
espantados. Ao passarem pelo velho japonês, ele segurou o segurança,
deixando-os fugir.
Mais
tarde, na rua, conversaram:
-
E agora, não podemos mais voltar lá, droga!
-
Realmente, Suzy. Só que tenho uma boa
memória decorativa.
-
O que adianta isto agora? Como iremos falar com ele?
-
Só o que temos a fazer é ligar. Decorei o número do telefone da Galeria.
-
Aristóteles, você é demais...
Abraça-o,
dando-lhe um beijo na testa.
-
Bem, temos que telefonar...
Já era tarde. A exposição havia terminado; era o seu último dia e ninguém pôde informar o rumo que o pintor tomou. Restou apenas, voltar para o hotel e recomeçar tudo da estaca zero.
-
Deve ter um jeito de provarmos a sua inocência.
-
Não vai dar. A nossa única esperança sumiu. Minha foto está em todos os
jornais, agora em todos os lugares onde aparecer, vou ser reconhecida. Está
tudo acabado...
Suzy,
tomada pelo desânimo, sentou-se na cama, abaixou a cabeça apoiando nas palmas
das mãos e começou a chorar. Aristóteles foi confortá-la.
-
Calma... Nem tudo está perdido. Há sempre uma saída, há sempre uma luz no fim
do túnel.
-
Estou com medo. Nunca passei por isto antes. E se eu for condenada e ir para a
cadeia...?
-
Isso nunca acontecerá... Pode confiar em mim, Suzy.
-
Mas o que você vai fazer?
-
Não sei ainda. Tenho que pensar. Mas o melhor agora é descansar.
-
Ari, posso lhe fazer um pedido meio estranho?
-
O que você quiser, Suzy.
Ela
pediu com muita delicadeza:
-
Passa essa noite aqui comigo...
Aristóteles
se engasgou:
-
Como!?
-
Estou com muito medo, não quero ficar sozinha... Por favor!
-
Está bem...
Suzy
foi para o banheiro trocar-se. Enquanto isso, ele pegou a roupa de cama no
armário e se arrumou em um sofá que havia no quarto. Ela saiu do banheiro só de
camisola, apagou a luz principal deixando apenas o abajur ligado, deitou e se
cobriu.
-
Este sofá deve ser desajeitado. A cama é grande. Venha se deitar comigo.
Aristóteles
pensou um pouco e foi. Ao se deitar, perguntou-lhe:
-
Você confia em mim?
-
Confio, já lhe disse que o considero como meu irmão mais velho.
Aquilo
o decepcionou. Mas, Aristóteles não poderia perder aquela confiança; ainda mais
no momento em que ela mais precisava dele.
Momentos
depois, Suzy dormia calma, enquanto ele observava aquele rosto feminino que
mexia com os seus desejos. Até que veio o sono e adormeceu.
Pela
manhã, Suzy o balançou:
-
Acorda seu preguiçoso. O dia já começou.
-
Ham...? O que foi?
Despertou.
-
Bom dia, meu gênio. O que iremos fazer hoje?
-
Acho que só nos resta voltar para casa.
Respondeu
Ari, bocejando.
-
Não podemos. E se eu for reconhecida pelo caminho?
-
Daremos um jeito nisso, minha parceira de investigação.
-
Mas primeiro vou tomar meu banho.
Suzy se levantou e foi para o banheiro.
* *
*
-
Aristóteles, você ficou maluco!?
-
É preciso, Suzy, para a nossa proteção...
Ele
começou a transformá-la. Primeiro cortou seu cabelo bem curtinho. Depois trocou
suas roupas por jeans bem surrado, fazendo dela uma verdadeira hippie e, por
fim, pôs o grande óculos escuro em seu rosto.
-
Como estou, Ari?
-
Ridícula.
Juntos
riram.
-
Acho que já podemos ir embora.
-
Eu queria fazer um último passeio pela cidade!
-
Agora quem está maluca é você, Suzy!!!
-
Por favor, Ari...
Ele
não resistiu ao seu jeito meigo.
-
Realmente, não estou com um pingo de vontade de voltar para aquela chata
rotina. Está bem... Só que agora sou eu quem escolho o lugar. Li no jornal
sobre um certo Memorial da América Latina e gostaria de conhecê-lo. Quer vir comigo?
-
Vamos... Depois do almoço?
-
É, melhor para nós aproveitarmos o tempo.
Veio
o almoço e um inesperado problema. Suzy não estava com um bom estar.
-
Você vai ter que ir sozinho, Ari. Não vou poder sair hoje.
-
O que houve? Está se sentindo mal? Quer ir ao médico?
-
Nada de grave, coisas de mulher. Pode ir que é melhor eu ficar só.
Ele entendeu e foi...
O
restaurante era cercado por um lago artificial. No espaço livre em cada canto
havia um conjunto de pessoas de diferentes nacionalidades se apresentando. Uma
enorme ponte circular, ligava as duas partes do Memorial. Bem ao centro, uma
enorme estátua em forma de uma mão aberta como se sangrasse. O Memorial da
América Latina foi criado para pôr em prática medidas para superar fronteiras
com outros países que nos rodeiam e despertar, no público brasileiro, a
consciência de quanto é urgente e importante a aproximação do Brasil à demais
pátrias latinas da América.
Aristóteles,
apesar de novo, já era uma pessoa de cultura, fascinou-se facilmente com tudo
aquilo. Passava pelo Centro de Estudo
Latino Americano - um grande museu de roupas e artesanatos antigos e atuais de
cada país latino-americano -, quando uma guarda lhe chamou:
-
Ei, garoto, você já foi ver a exposição dos artistas plásticos?
-
Não Senhor. Aonde está sendo realizada?
-
Ali no auditório. Vá lá, você tem jeito de quem gosta de artes, irá
apreciar...!
Ele
agradeceu e se dirigiu ao local indicado. Realmente eram obras muito bonitas,
de vários gêneros e artistas. O jovem gênio olhava com muita atenção, quando
reconheceu algumas pinturas. Logo foi até o vigia.
-
Por favor, poderia me informar onde está o autor daquelas telas?
-
Ele foi comer um lanche, mas logo deve estar por aí. Espere um pouquinho.
-
Sim, obrigado.
Minutos
depois o pintor voltou. Como Aristóteles esperava, era o velho japonês.
-
Boa tarde, meu senhor. Lembra-se de mim?
Ele
o olhou por alguns instantes e logo se lembrou, falando com sotaque oriental:
-
Ah, sim, o rapazinho da moto, né?
-
Isto, preciso conversar com o senhor...
-
E tua amiga, como vai?
-
Está em sérios problemas. Estão lhe culpando pelo assassinato. O senhor tem que
nos ajudar.
-
Não posso fazer nada por ela.
-
Por favor, o senhor é a nossa única esperança.
-
O problema é só um: Disputa pelo poder! Use sua inteligência e prove isto você
mesmo. Não espere por outro se você pode resolver seus problemas.
-
Desculpe, mas não o compreendo em sua filosofia...
-
Reflita, que compreenderá. Tome, só abra isto no momento em que achar mais
necessário.
O
velho oriental lhe entregou um canudo de papel. Os organizadores chamaram o
japonês para uma reunião.
- Se o jovenzinho me der licença, tenho que ir. Lembre-se. Você é capaz!
* *
*
Uma
luz acendeu dentro de sua cabeça. Já sabia quem era o assassino. Restava agora
ter certeza e provar.
Chegou
ao hotel, indo direto para o quarto de Suzy:
-
Trouxe um presente para mim?
Perguntou
ela, reparando o canudo em suas mãos.
-
Não, isto é uma encomenda de meu pai. Está tudo bem com você?
-
Já, podemos ir.
Aristóteles
não contou que havia encontrado o velho. Mas já tinha um plano.
Na viagem, Suzy não foi reconhecida em nenhuma parte ou por qualquer pessoa.
-
Vem comigo, Suzy, vamos dar um passeio.
-
Pensei que iríamos para casa?
-
Temos que resolver uma situação antes.
Tomaram
um táxi e foram até um local, onde ela logo reconheceu.
-
Aqui é o lugar onde tudo aconteceu. O que estamos fazendo aqui?
-
Você já vai ver, Suzy...
Logo
viram o mesmo grupo de vândalos se aproximando.
-
Ei, rapazes...?
Gritou
Aristóteles. O novo líder deles o reconheceu:
-
Esse é o cara que estava com aquela garota na moto na noite que ela matou o
nosso líder. Vamos pegá-lo e fazer confessar onde ela está para nos vingar.
Aristóteles
segurou no braço de Suzy, dizendo-lhes:
-
Calma, é ela quem vocês procuram - empurrando-a até eles. - Está aqui, é toda
de vocês. Façam bom proveito.
-
Ari, você está louco...
Gritou
Suzy desesperada.
-
Você matou, tem que pagar pelo seu crime.
Disse
Aristóteles, ironicamente.
Os
vândalos começaram a agarrá-la. Nesse momento, uma viatura da polícia militar
apareceu e parou, descendo um policial armado.
-
Todos parados garotos. O que está acontecendo aqui?
Aristóteles
aproximou-se:
-
Se o senhor me permite, posso explicar. Este grupo de jovens está tentando me
matar - foi até Suzy e retirou dela o óculos escuro -, só porque reconheci essa
jovem assassina tão procurada na última semana pela polícia. E se o senhor
reparar, ela está com a mochila, visando fugir para outro local distante.
Suzy,
não entendendo nada, desmaiou. O policial decidiu:
- Quer saber de uma coisa, estão todos presos...
-
Então a senhorita é a Suzy? Você nos deu muito trabalho nesses dias, sabe?
Agora me diga, por que você matou àquele rapaz?
Aristóteles
se levantou e foi à mesa:
-
Se o senhor me permite, sou o rapaz que estava com ela naquela noite e fugimos
juntos na moto. E posso afirmar que ela não matou ninguém.
O
delegado riu e indagou-lhe:
-
Então quem foi, meu jovem?
- Ele!!!
Aristóteles
apontou firme e diretamente para o líder dos vândalos.
-
Acho bom você ter uma boa explicação para isto, senão você vai estar enrolado
por falsa acusação, meu amigo...
E
o jovem gênio passou a desvendar toda a trama:
-
Naquela noite, nós voltávamos do cinema, quando fomos atacados por este grupo.
O líder quis praticar sexo forçado com minha amiga. Um deles me golpeou por
traz para eu não ver quando ele, que cobiçava o posto de líder, aproveitou para
assassiná-lo, subindo ao poder do grupo.
-
Então por que vocês fugiram quando chegaram os policiais?
-
Tivemos medo de levar a culpa, o que realmente aconteceu.
Respondeu
Suzy, interrompendo a conversa e retomando confiança no amigo.
-
Toda essa história é muito bonita, mas eu quero provas...
-
Pois não...
Aristóteles
lhe entregou o canudo de papel, explicando-lhe:
-
Na ocasião, um velho pintor oriental assistiu a tudo e hoje, em São Paulo, ele
me entregou isso e pediu para só usar no momento certo.
Um
investigador aproximou-se do delegado que abriu o canudo, onde havia várias
pinturas em sequência.
-
Ele conseguiu mais uma vez.
Disse
o delegado que ordenou ao investigador:
-
Rápido, tire esses vândalos daqui e os joguem na sela!
-
O que significa essas pinturas, doutor?
Perguntou
Suzy, tendo a resposta:
-
Esse japonês chama-se Rhonda. Ele é um policial aposentado que foi muito bom
profissional. Não se conforma de ter sido afastado, e desde então, resolve
casos por conta própria e depois retrata-os em seus quadros. Temos que
acreditar, pois ele sempre fez o seu trabalho acima de qualquer suspeita. Bem,
agora só nos resta pedir desculpas e elogiar a sua inteligência rapaz. Você foi
realmente incrível em seu plano e pela sua autoconfiança. Parabéns!
-
Obrigado doutor. Só fiz isso mesmo, por causa de minha amiga aqui...
Aristóteles e Suzy se olharam com um sorriso nos lábios.
-
Por que você não me disse que havia encontrado o Rhonda?
-
Preferir agir em segredo, pois você poderia não concordar. Era um plano
arriscado, que poderia dar certo ou não.
-
E com isso, você me usou como cobaia?
-
Era preciso. O Rhonda me ensinou que temos condições de criarmos soluções para
quase todos os nossos problemas sem depender de outros e acima de tudo, devemos
confiar em nós mesmos. Ele deu o enigma. Restou-me apenas desvendar e provar.
-
Como você sabia que aquela viatura da polícia iria passar por lá naquele justo
momento.
-
Isto é rotina deles, fazer patrulhamento por ali todos os dias.
-
E aquele canudo? Como você sabia que continha as provas?
- Intuição, Suzy. O velho me transmitiu tanta confiança na conversa, que ao me entregar o canudo, deduzi que aquilo tinha algo a ver com o caso.
- Ari, realmente você é um gênio.
Obrigada...
-
Não precisa agradecer nada.
-
Sim, precisa... E acho que...
Suzy,
sem completar o que ia dizer, delicadamente, abraçou-o, dando-lhe um profundo e
demorado beijo na boca. Foi o primeiro beijo na vida de Aristóteles. E daquele,
originou-se muitos outros entre eles.