O DESAJEITADO

SINOPSE: Zequinha é um moço simples de uma pequena cidade de interior que queria arrumar uma namorada no dia de São João, mas era meio tímido e desajeitado com as palavras. Um amigo seu tenta lhe ajudar, porém nos momentos de conquistas, ele se atrapalha todo, criando situações engraçadas. Até que no fim ele descobre que o importante é sermos nós mesmos, com todos os nossos defeitos e qualidades. 


FESTA NO ARRAIÁ

  Era uma típica cidadezinha do interior, sem ruas asfaltadas, ou luzes artificiais por falta de energia elétrica. Os transportes eram feitos em cavalos e em carroças. Não existia água encanada e muito menos em torneiras. Era preciso buscá-la em um pequeno riacho ou retirá-la dos poços com baldes amarrados em cordas. Todos tinham que tomar banhos no mesmo riacho de água cristalina ou em bacias. Tudo era bem diferente e mais difícil em um lugar onde não havia chegado a tecnologia das grandes cidades. Às vezes era até possível ver vacas pastando, galinhas siscando e outros animais passeando calmamente pelas ruas.

Os moradores, todos trabalhadores rurais, viviam das roças que plantavam e colhiam. Levantavam-se cedo, antes do Sol se pôr. Pegavam suas marmitas – que nunca era esquentada na hora de comer, por isso eram chamados de boias-frias -, pegavam suas enxadas e lá iam eles para o campo. No começo da noite, já se preparavam para dormir, pois além de não terem televisão ou outro tipo de diversão que temos em nossas cidades, precisavam estar descansados para o próximo dia de trabalho.

As crianças davam asas às imaginações, brincando de cavalo-de-pau com pedaços de madeira, ou criando brinquedos e situações com outros objetos que encontravam, pois a vida no campo era humilde e seus pais não tinham dinheiro suficiente para comprar brinquedos em lojas. As meninas, por exemplo, tinham que brincar de bonecas feitas de sabugo de milho ou de restos de pano das costuras de suas mães.

Entre todo àquele cenário de simples lavradores, destacava-se um: Homem magro, de roupas remendadas, chapéu-de-palha, gostava de fumo-de-corda, usava um grande bigode e bem-humorado. Porém, tinha um defeito: Era muito desajeitado. Todos o chamavam de Zequinha!

Certo dia, estava acontecendo uma grande agitação no centro da cidade. Zequinha observava a tudo de longe, sempre muito curioso. De repente, apareceu um velho conhecido que cumprimentou-lhe:

- Tarde, Zequinha.

- Tarde, Robertinho.

- Posso saber por que você está tão espantado assim?

- Sabe o que é compadre? Eu queria saber por que toda essa gente está aqui hoje?

- Ué compadre... Você não sabe que hoje é dia de São João...?

- Ah é? Não estava sabendo, não.

- É Zequinha... E ainda tem mais. Logo mais à noite vai ter um bailão lá no arraiá da Curva Torta.

- Oba! É hoje que eu arrumo uma namorada.

Disse Zequinha dando pulos de alegrias. Mas o amigo acabou com seu ânimo:

- Como se você não tem coragem?

- Você vai ver, Robertinho.

Nesse momento, apareceu e sentou-se no banco da praça uma linda moça. Nos cabelos um rabo-de-cavalo e um belo vestido de renda.

Robertinho ao vê-la, sugeriu ao amigo:

- Olha lá que linda menina. Por que você não vai até lá e convida ela para o baile?

Ele respondeu sem jeito:

-  Eu não, Zequinha. Estou com vergonha...

- Ué Zequinha, você sempre diz ser o bom. Não ter medo de nada. Agora está com medo de uma moça???

- Não estou com medo!!! – Disse ele bravo.

- Então qual é o problema?

 Sabe o que é compadre – falou sem jeito -, há muito tempo eu não namoro, esqueci como que é que se faz...

- Se esse for o problema, eu te ajudo a lembrar, ué...

- Você faz isto por mim, Robertinho...? – Perguntou alegre.

- Lógico, amigos são pra essas coisas...

Robertinho chegou mais perto de Zequinha e disse ao seu ouvido:

- Olha, você chega lá, diz “oi”, começa a puxar conversa...

- Mas... mas... mas se eu errar, ou falar alguma besteira?

- Faz o seguinte. Você vai pensando: “Eu vou conseguir, eu vou conseguir”, que você vai ver dar tudo certo.

- Deixa comigo... 

Caminhou até a moça e disse envergonhado: 

- Oi...?

- Oi... 

Respondeu ela sem jeito. Zequinha deixou escapar:

- “Eu vou conseguir”.

- Conseguir o quê, moço?

- Sabe que eu também não sei? Pêra aí... Vou perguntar para o meu amigo. 

Zequinha correu até Robertinho, perguntando-lhe:

- Compadre, o que eu vou conseguir?

- Conquistar a moça, Zequinha!

- Ah, sim.. – Disse ele que correu até perto dela, virou-se e voltou: - E agora, Robertinho, o que eu faço?

- Você vai até lá, elogia o vestido dela, pergunta o seu nome sei lá...

- Mas o meu nome eu já sei...!

Robertinho aumentou a voz bravo:

- Não o seu, anta de chapéu de palha, o dela!!! 

– Já calmo: -   Tenta alguma coisa, enfim, o que vier a cabeça...

Zequinha caminhou até a moça:

- Sabe que você é muito bonita...?

- Obrigada... – Agradeceu a moça encabulada.

- Este seu vestido branco com machinhas vermelhas é muito bonito...?

- Verdade? – Ela sorriu alegre.

- Verdade! Lembra minha cabra quando ela está com vergonha.

- Engraçadinho!!! – Exclamou a moça de cara feia.

Zequinha correu até o amigo, dizendo-lhe alegre:

- Robertinho, Robertinho, ela disse que sou uma gracinha.

- Aproveita e diz uns versinhos para ela.

- Boa ideia, Robertinho. – Desanima-se: - Mas eu não sei nenhum

- Faz o seguinte Zequinha, chega lá, e com um ar romântico, recite:

“Desde a primeira vez que te vi

Meu coração por ti palpitou;

Nas correntes de seus braços,

Repousarei o meu amor!”

- Tudo bem, Robertinho, lá vou eu...

Ele chegou perto da moça e recitou:

“Desde a primeira vez que te vi

Meu coração por ti se palpou;

Nas correntes de seus braços,

Amarrarei a égua do meu avô!”

 A moça deu-lhe um tapa e exclamou brava:

- Atrevido!!!

Zequinha correu até o amigo apavorado: 

- Robertinho, ela me deu um tapa...

- É Zequinha, você está por fora mesmo... Olha, vamos fazer o seguinte. Eu vou lá e você fica olhando como eu vou fazer... Está certo?

- Está certo... Vá lá... 

Empurrou o amigo. Robertinho chegou perto da moça com um ar de romântico: 

- Que dia lindo. O azul do céu está belo. Os raios do Sol, estão mais brilhantes. Os pássaros cantam canções de amor. O ar puro, traz a noite e o luar, que nos convidam para amar!

- Que lindo. Parece até um poeta...!

- Para o dia se completar inteiramente belo, a moça poderia me dar a honra de ir comigo ao baile do arraiá...?

- Sim, cavalheiro...

E os dois saíram de braços dados. Zequinha pensou consigo: “Ah! Se é prá fazer isto, é fácil...”

Outra senhorita chegou à praça e sentou-se. Zequinha olhou para o banco e ao ver uma linda moreninha sozinha, pensou um “lá vou eu”, dirigindo-se até ela. Ao chegar perto, fez um ar de romântico e foi direto ao assunto:

- Aceita ir ao baile comigo hoje?

- Eu não, nem te conheço rapaz...

- Como não!? O dia está tão lindo! O céu está todo estrelado. As vacas pulam de galho em galho. Os pássaros estão alegremente pastando...

Neste momento ele desanimou, sentou-se no chão, colocou a cabeça entre as pernas e disse desacorçoado:

- Não adianta. Sou mesmo um desajeitado. Nunca vou conseguir nada...

A senhorita abaixou-se perto dele, colocando as mãos em seus ombros e falando com ternura:

- Não, você não é um desajeitado. Cada um de nós somos de um jeito. Uns são bons com certas coisas os outros com outras. O bonito é o sentimento que há dentro de cada um. Você apenas não se deu bem com as palavras. Mas tentou. Isto é que importa... Somos importantes e realmente sábios à medida que somos nós mesmos, com todos os nossos defeitos e qualidades, sem se preocupar o que os outros vão pensar ou achar de nós...

- A senhorita acha? – Ele perguntou triste.

- Acho... E pensando melhor, gostaria de ir com você ao baile...

Zequinha a olhou por alguns instantes, sem lhe dizer nada. A senhorita levantou e esticou a mão para ele:

- Vamos?

Zequinha levantou-se, pegou em sua mão, respondendo-lhe animado:

- Vamos, senhorita....

E juntos saíram de braços dados, caminhando em direção ao arraiá da Curva Torta e, quem sabe, mais tarde, rumo à uma linda história de amor...

FIM

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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