PARTE UM: CONVERSA DE CANTINA

 



Tudo corre como sempre na cantina da escola. Carlos, o garçom tem algo de diferente. É um paralisado cerebral, o que não o impede de desempenhar suas atividades normalmente. Está varrendo a cantina, quando chega uma turma muito legal.

Ao se organizarem ao redor da mesa, João, um rapaz com deficiência física que usa muletas, pede a Carlos:

– Garçom, por favor, traga um refrigerante litro para nós…

– É pessoal, daqui a pouco vamos fazer mais uma palestra nesta escola – comenta Alex, usuário de cadeira de rodas, um cadeirante.

Carlos, aproximando-se, servindo a bebida, pergunta:

– Então são vocês que irão fazer uma palestra aqui hoje, falando sobre deficiências?

– Exato, Vamos falar de um assunto que parece meio chato. Mas não é – responde Aninha, uma moça com tem deficiência visual, que usa bengala e está com o seu cão-guia.

Maria, que também tem deficiência física com os membros superiores amputados, complementa:


– Quando a plateia presta atenção, vai se interessando, além de aprender uma coisa cada vez mais discutida entre nós.

– Aliás, nesse mundo quanto mais aprendemos, melhor será o nosso conhecimento e a maneira de se relacionar com outras pessoas – comenta Carlos, retirando-se.

Neste momento, chega Jonas, que gesticula com as mãos por ser um jovem com deficiência auditiva.

– Ele está pedindo desculpas pelo atraso – explica Alex, gesticulando para ele, dizendo: – Não tem problema. Ainda é cedo. Senta aí com a gente.

Enquanto tomam um gole da bebida, Aninha quebra o silêncio, fazendo a seguinte observação:

– De certo modo, falar de deficiência não é difícil. Certamente, todos já viram uma criança ou pessoa com deficiência.


Graças ao conceito de Educação Inclusiva, estamos vendo cada vez mais crianças com deficiência em nossas escolas e com isso podemos aprender com a diversidade. / Imagem Google

– É verdade – concorda Maria. Nós pessoas com deficiência usamos cadeiras de rodas, muletas, não enxergamos, não escutamos, temos alguma deformidade em nosso corpo… Às vezes, temos só algum desses problemas; outras vezes mais de um, as chamadas múltiplas deficiências.

– Se não tiver alguma criança ou jovem assim nesta escola, pelo menos, o pessoal daqui já viu nas ruas ou lugares de lazer – comenta Aninha.

Jonas gesticula e Alex traduz:

– O nosso amigo aqui está dizendo que até pode ser que eles tenham um amigo com algum tipo de limitação.

Carlos, ao se aproximar para trazer um copo para Jonas, entra na conversa:

– Permitam-me uma curiosidade. No geral, quantas pessoas com deficiências há no Brasil?

– Só para que se tenha uma ideia, estima-se que em nosso país existam cerca de 46 milhões de pessoas têm alguma deficiência – responde Aninha, continuando: – Ou seja, 14% da nossa população. Mas se levarmos em conta os familiares, profissionais e outras pessoas que estão convivendo com eles, 25%, um quarto de nossa população está direta ou indiretamente envolvida com a temática!

João complementa:

– Porém, cada vez mais, estamos rompendo barreiras, estando presente no dia-a-dia até mesmo nas brincadeiras com nossos amigos sem deficiências. Somos pessoas que não precisam de pena ou mesmo piedade. Precisamos sim, sermos vistos como iguais a todos, que mesmo tendo algum tipo de deficiência, são normais e capazes, possuem os mesmos direitos e obrigações. Se perdemos com dificuldades de um lado, por outro, desenvolvemos habilidades em outras áreas…

Carlos, interessando-se cada vez mais pelo assunto, entra de vez na conversa:

– E olha que fazemos coisas de abrilhantar aos olhos de muitos!!!

– Muitos de nós somos conhecidos como pessoas com deficiência. Isso porque, mesmo sendo iguais a todos, algumas vezes precisamos passar por cuidados especiais com profissionais especializados para atingir sua independência e fazer todas as coisas como qualquer outra pessoa – afirma Maria.

– Algumas vezes nós só precisaremos de alguns treinamentos especiais – complementa Alex: – Por exemplo, aquelas que não enxergam assim como a Aninha, aprendem a leitura em Braille, que é um sistema onde as letras são impressas através de seis pontos em relevo numa folha de papel especial, permitindo a leitura com as pontas dos dedos. Interessante, não é!? Outras pessoas, por possuírem limitações intelectuais, não chegam a ser alfabetizadas. Mas elas desenvolvem atividades que não exigem ler ou escrever, como artesanato, pintura, participam de grupos musicais, teatrais, de eventos esportivos, por exemplo. Só vendo mesmo para acreditar como é legal! Por essas e por outras, é que devemos parar de sermos vistos primeiramente pelas coisas que não podemos fazer.

E Maria continua:

– São crianças e jovens que brincam, estudam, trabalham, estão sempre super alegres, cantando de bem com a vida e até brigam quando acham que é preciso. Tudo isso à parte, elas sempre nos oferecem uma amizade sincera!


Às vezes pessoas com deficiência precisam de terapias complementares em Centros de Reabilitação / Imagem Google

Aninha lembra:

– Há ainda outro lado importante para ajudar as pessoas com deficiência a ter uma vida normal: a reabilitação! Reabilitar é um conjunto de terapias, fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, psicologia, dentre outras, que auxiliam as pessoas com algum tipo de deficiência desde modo de andar, atividades da vida diária, até o modo melhor para se comunicar e superar suas dificuldades. Algumas usam aparelhos ortopédicos, como muletas canadenses, aparelhos nas pernas, cadeiras de rodas e outros menos comuns.

Alex não se contém em fazer o seguinte comentário:

– Só que infelizmente, a sociedade ainda tem uma visão errada sobre esses acessórios. Uma pessoa de cadeira de rodas, por exemplo, ainda é vista como sem liberdade de locomover-se. Ora, se uma cadeira de rodas, ou qualquer outro aparelho ortopédico, existe para eliminar ou diminuir as dificuldades e permitir que caminhem por si mesmas, então por que essa visão???

– É claro que, às vezes, aparecem as chamadas barreiras arquitetônicas, como escadas, portas e corredores estreitos por onde é difícil se passar com cadeiras de rodas e muletas – completa João. – Com uma ajudazinha da lei, ou nossa em casos especiais, tudo pode ser superado.

Outra curiosidade é despertada em Carlos:

– É moda hoje se ouvi falar em inclusão social. O que significa esse termo?

E Alex lhe relata:

– Bem, historicamente, pessoas iguais a nós ficaram por muito tempo escondidas do convívio social. Até que nos anos 70 e 80 nasceu o conceito de integração social. Surgiram por exemplo, entidades, centros de reabilitação, clubes sociais especiais, associações desportivas, todas dedicadas às pessoas com deficiências. A intenção principal delas, era preparar essas pessoas para ingressar e conviver em sociedade com todos.

– Só que há pouco tempo um novo conceito surgiu: a inclusão social. Antes éramos habilitados ou reabilitados para fazer todas as coisas que fazemos e, através da integração social, passávamos a conviver em sociedade. Agora, na inclusão social, as iniciativas são da própria comunidade – continua Maria.  É a comunidade que está se preparando, criando caminhos e permitindo que as pessoas com deficiências venham conviver com todos.

João também explica:

– Por este motivo, cada vez mais estamos vendo crianças e pessoas com deficiência nos lazeres e em todos os lugares da vida diária. E devemos estar preparados para essa convivência, aceitando as diferenças e a individualidade de cada pessoa, uma vez que o conceito de inclusão mantém este lema: Todas as pessoas têm o mesmo valor.

– As pessoas com deficiência devem viver com dignidade e integrados na comunidade – observa Aninha. A cidadania não depende tanto do que uma pessoa é capaz de fazer fisicamente quando das decisões que ela pode tomar. Independência é um processo onde cada um de nós poderá ajudar a moldar uma sociedade participativa, aberta a todos, onde poderemos todos juntos caminhar de mãos dadas!!!

– Eu como uma pessoa com paralisia cerebral, conheço tudo que os amigos disseram e acho super positivo essa união – conta Carlos. Mas também sei que é preciso que a sociedade tenha uma visão positiva de nós.

– Exato – concorda Maria. – E isso começa pelo modo de nos comportar e as palavras que devem usar quando se referir a nós. É comum se ouvir as pessoas usando palavras como aleijado, coitadinho, bobinho, ceguinho, mongolóide, e tantas outras por aí. Mas são termos errados, além de magoar muitos de nós. Afinal, você gostaria de ser tratado por um nome diminutivo ou pejorativo?

– Certamente que não… – responde Carlos.

Aninha faz a sua observação:

– Também é comum ouvirmos a palavra excepcional, referindo-se a pessoas com deficiência intelectual ou Síndrome de Down. Mas se olharmos no dicionário, veremos que ela refere-se a uma coisa que sai fora do normal, ou seja, um fenômeno. E nossos amigos não são nada disso. Mesmo com algum tipo de deficiência ou limitação, são pessoas iguais a nós, com os mesmos direitos e deveres. Então, o modo correto de nos referirmos a essas pessoas são: pessoas com deficiências.

– Em nossas palestras dizemos isso à plateia – relata João. – Se alguém que você conhece, ou que esteja perto de você, referir-se a nossos amigos de modo errado, não tenha vergonha de ensinar-lhe o modo correto. E quando você estiver com alguma dessas crianças ou pessoas com deficiência, trate-a apenas pelo seu nome. Assim, você estará ganhando ou preservando uma nova e sincera amizade!!!

Jonas olha para o relógio e lembra o grupo do compromisso. Alex concorda:

– É mesmo pessoal, estamos esquecendo da palestra. Vamos lá enfrentar a galera…!

Pagam a conta e caminham para outra dependência da escola.


Propostas de atividades:

1) Baseado na história acima, você pode fazer uma redação ou relato sobre pessoas com deficiência que conhece em sua comunidade, família, roda de amigos.

2) Elabore uma lista com as principais dúvidas e curiosidades que você tenha com relação às pessoas com deficiência. Depois, junto com o professor, procurem respostas e tirem as dúvidas.

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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