4 - A SOLIDÃO DE MURIELLI

 Naquela mesma noite, Murielli chega a um bar fino e discreto. Logo na entrada, vê uma velha amiga, uma colunável das manchetes sociais. Dirige-se até sua mesa e após os tradicionais cumprimentos, é convidada a sentar-se para um bate-papo. À certa altura, a amiga pergunta:

- Mas me diga Murielli, ainda sozinha?

- Pois é, Carmem. Ninguém aparece na minha vida para despertar o meu coração.

- Até parece que está faltando homem no mundo.

- Homem de caráter e leal para um compromisso sério, tá sim.

- É, hoje eles só aparecem com segundas intenções. Os chamados conquistadores da modernidade, onde cada conquista é um prêmio para o ego masculino...! Usam e descartam, para depois contar vantagens nas rodinhas de amigos.

- Homem é tudo cretino mesmo - deixa escapar Murielli, num desabafo, olhando para o infinito.

- De fato, minha amiga. Só que se você não se autoinvestir, nunca conseguirá arrumar nada de bom.

- Como assim Carmem, se autoinvestir?

- Ora, seja uma colunável igual a mim. Senão nunca vai arrumar um bom partido.

- Você está maluca!!!!

- É sério. Você é muito reservada. Frequente os lugares de sua área profissional, uma boa forma de ganhar destaque entre outros profissionais.  Esqueça um pouco o terninho ou o esporte chique. Use roupas adequadas ao evento que deseja ir, invista num novo guarda-roupa. Não é preciso ser bonita para ser uma colunável, mas bem tratada, digamos repaginada; Tenha um ponto forte, charme ou atitude, por exemplo. Você precisa integrar-se melhor a cada evento social, se estiver num show, numa missa ou numa palestra, sempre mantenha a concentração. Uma bem organizada agenda eletrônica de acontecimentos pode ajudar; converse com amigos, revele interesses, leia nos jornais as datas das festas que vão rolar, comunique-se. Santinhas bem comportadas não saem em colunas. Seja uma pessoa "popular", pois é importante ter simpatia e carisma.

Murielli dá uma risada e exclama:

- Ai, Carmem, você é tão maluca, mas gosto tanto de você!!!

- Posso até ser maluca, mas sei ser feliz. Vamos lá menina, esqueça as marcas do passado. Se abra para uma nova relação amorosa. Dê uma chance para você mesma...

* * *

No domingo à tarde, é hora de ir à Associação. Lá, com certeza, Henrique encontrará o fiel confidente Marcos Antônio para se desabafar. E assim foi...

- Marcão, estou com um problema...

- O que foi, Henrique?

- Bem, não vou fazer rodeios. Acho que estou apaixonado.

- Quem "acha" não tem certeza. Como é isso?

- Estou sentindo coisas estranhas dentro de mim - e lhe explica o seu conflito psíquico.

- E essa pessoa por quem você se apaixonou, é alguém legal?

- Muito. Ela é lá da empresa onde trabalho.

- É àquela relações internacionais, não é? 

- Sim, é? Como você sabe?

- Logo na primeira vez que você falou sobre ela, senti algo diferente.

- Nossa, como está sendo tudo muito difícil pra mim. Um misto de alegrias e tristezas.

- Acho que a primeira coisa a fazer, é definir bem esse sentimento dentro de você. Depois pensar no próximo passo.

- É vou fazer isto. Obrigado pelo conselho.

Quando o moço vai afastando em direção a outros membros da Associação, Marcos Antônio lhe chama:

- Henrique...?

- Sim?

- Cuidado para não se machucar...! 

* * *

Na manhã do próximo dia de trabalho, Henrique sente uma forte vontade de ir até a sala de Murielli visitá-la. Ao entrar, percebe um lindo buquê de flores em cima de sua mesa. Amigavelmente, comenta:

- Hum, ganhando flores...

- É, foi o João que me enviou.  Ele me convidou para jantar.

- E você aceitou? - Pergunta, mesmo temendo uma resposta positiva.

- Ainda não decidi. Irei pensar até o final da tarde.

Naquele momento o sentimento de inferioridade volta a invadi-lo, como se algo apontasse dentro de sua mente, como se ele nunca fosse ter condições de conquistar àquela moça. Examina suas diferenças de posições, classe, condições econômicas. Nem se quer, faz parte de seu círculo de amizade fora da empresa. Nunca era convidado para aquelas festas e reuniões sociais que sempre todos comentavam. Aliás, se fosse, nem se quer teria condições de se apresentar e frequentar àqueles ambientes.

Mas uma coisa é certa.  O sentimento por Murielli, torna-se cada vez mais forte; algo que nunca sentiu, até difícil de administrar dentro de si. E, ao mesmo tempo, é invadido por um ciúme e medo ocultamente dos rapazes que a cercam tentando conquistá-la.

E assim, sentindo-se tão limitado, Henrique vai vivendo aquele amor e seus conflitos secretamente, olhando-a à distância, suspirando quando conversa com ela, sendo excessivamente atencioso. Algo como um grande amor platônico, sentimento comum na vida de qualquer adolescente, quando vivem todos os sentimentos ao extremo, entregando-se aos pensamentos, criando fantasias. Só que o amor platônico também pode estar presente na vida dos adultos. Um amor que pode ser definido como aquele idealizado que se realiza somente dentro de nossa imaginação, sendo sublime, estando no mais alto grau de perfeição, desprovido de interesses físicos. O amor platônico é um sentimento vivido intensamente, sem a participação da pessoa amada para compartilhar. Onde é comum as pessoas que vivenciam a situação, não conseguirem diferenciar a realidade da fantasia. 

* * *

À noite, o travesseiro volta a ser o seu grande e único aliado. O suor do clima quente e os pensamentos negativos fazem-lhe rolar pela cama. “Onde será que ela está agora? Será que aceitou o convite do João? Como será que ela vai estar? Linda dentro de um maravilhoso vestido? Será que ele vai conquistar o coração dela? Será que eles vão a um motel fazer amor?”

Mas, para vencer novamente toda aquela negatividade, passa a dar vazão as suas fantasias. Novamente a sua amada está ali ao seu lado deitada, trocando carinhos. Conversam sobre o dia que passou e os planos para o seguinte. Henrique lhe conta seus planos mais secretos e tantas outras coisas que nunca disse nem ao seu melhor amigo. Murielli, meigamente, pede para dormir abraçada com ele. E assim, embalado por seus devaneios, o rapaz adormece...

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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