3 - NOVOS SENTIMENTOS

 Só que àquela moça começa despertar algo diferente em Henrique, voltando a ter aquele sonho outras vezes. Dominado cada vez mais por um sentimento até então desconhecido por ele! 

As horas de almoço em que convivem passam a ser esperadas com ansiedade por ele todos os dias, onde a familiaridade constitui um fenômeno importante no processo de atração entre as pessoas. Onde o simples fato de ser exposto frequentemente há uma pessoa, aumenta em Henrique o seu apreço por ela. Na convivência, as pessoas, à medida que vão se tornando mais familiares, tornam-se também mais previsíveis, o que lhe traz conforto. Só que àquelas horas de almoço parecem sempre um relâmpago, do modo que passam tão de pressa.

No trabalho, a imagem de Murielli começa a ser algo constante na mente do rapaz, como algo insistente pedindo para ser lembrada. Um sentimento até então nunca experimentado por ele. Sempre foi uma pessoa isolada, vivendo só para o estudo e sua profissão, se autolimitando a ter vida social e nunca tendo uma aproximação mais intima com qualquer pessoa do sexo oposto. 

"O que está acontecendo comigo? Por que estou me sentindo atraído por Murielli? O que devo fazer?". Perguntas que passam a ser constantes em sua mente.

* * *

Naquele fim de tarde, cai uma forte chuva pela cidade. Henrique chega à portaria da empresa e olha para o mal tempo. E agora, o que fará para chegar até o ponto de ônibus e ir para casa. 

- Está difícil hoje, não?  - Pergunta Murielli, chegando por trás.

- É, realmente...

- Venha, vamos até a garagem. Eu lhe dou uma carona.

- Não precisa se preocupar, Murielli. 

- Precisa sim, Henrique.

Já no estacionamento, dentro do fino carro da moça, Henrique pede:

- Você pode me deixar no ponto, que pego o ônibus para casa.

- Imagina que vou lhe deixar no meio da chuva. Diga-me onde você mora que vou lhe levar em casa.

- É um pouco longe - diz ele sem jeito, talvez até com um pouco de vergonha por morar em uma casa de periferia.

 - De carro nada é longe. Vamos, ensine-me o caminho, que nós chegamos até lá.

E vão pelo o caminho conversando como bons amigos.

Na porta de sua casa, ele a convida meio tímido:

- Você quer entrar um pouco, Murielli?

- Vai me desculpar, Henrique, mas hoje tenho aula de NBA, vou direto para à Universidade. Prometo voltar um dia para conhecer sua mãe. Um bom fim de semana...

- A casa está à disposição...

Ela parte, enquanto Henrique vê o carro se afastar. Pensamentos passam a dominar sua mente: "Droga, agora ela vai para Universidade. Vai se encontrar com outros rapazes, talvez com o namorado. Nem se quer eu tenho uma chance. Olha, quem sou eu diante dessa moça, um joão-ninguém". E, num sentimento de ciúmes, limitação e tristeza, entra em sua casa, onde sua mãe o espera para jantar.

* * *

Sábado à noite. Com o pensamento fixo na moça, Henrique vai se deitar. Vira de um lado para o outro e nada do sono aparecer. Pensa: "Aonde ela estará agora? Certamente numa daquelas festas bem animada, divertindo-se. Ou nos braços de um homem, namorado ou amante. Talvez até fazendo amor... Droga de vida!!!" E soca o travesseiro.

A sua imaginação começa a funcionar. De repente é como se ela estivesse ali ao seu lado, como se fosse sua esposa. Sonhar acordado é uma forma de fugir da realidade, mesmo sendo feliz por alguns instantes de ilusão. Mesmo que suas ilusões continuem depois de adormecido, pois são nos sonhos que realizamos o que estamos impossibilitados de atingir acordados, como nos inconscientes sonhos infantis. Sonhando, manifestamos os nossos desejos mais reprimidos, mesmo aqueles muitas vezes que não são identificados pelas pessoas. São desejos onde a realização não é concreta. Nosso inconsciente se utiliza de símbolos para realizar o anseio, mas de forma a aparecer que não foi transgredida nenhuma norma moral, sendo que a própria realização é algo simbólico. A liberação do inconsciente quando dormimos é de tal forma intensa que, apenas o fato de poder sonhar livre e secretamente com Murielli, já era algo satisfatório para Henrique.

PRÓXIMO CAPÍTILO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem