Capítulo 16 - A CARIDADE E A AUTOESTIMA FEZ MULTIPLICAR O NÚMERO DE CRISTÃOS PELAS IGREJAS

    Pelas grandes cidades, o movimento “Cristãos Sem Bandeiras”, continuava a ajudar moradores de rua, alimentá-los e vesti-los, cuidar da saúde e serviços estéticos – como higienização de pele e cortes de cabelos – massagem relaxante e atividades culturais como apresentação de corais, de grafiteiros e rodas de capoeira, entre outras atrações. Enquanto os adultos se cuidavam, as crianças se divertiam em brinquedos infláveis, pintando o rosto ou fazendo escultura de balões, além de comer muita pipoca e algodão doce.

Houve um cuidado ainda maior com as crianças. Dar trocados poderia alimentar a vida de crianças nas calçadas e contribui para a degradação da infância, que, ao receberem o dinheiro, essas crianças tenderiam a se prender mais às ruas, onde estão expostas a riscos como drogas e violências. Isso atrapalhava o trabalho de quem desejava tirar as crianças das calçadas, porque acabavam ganhando mais dinheiro com as esmolas dadas nas ruas, podendo acomodar-se, sem estudar e crescendo acostumadas naquilo que seria o seu único modelo de vida.

Outros profissionais entravam voluntariamente, ajuntando-se aos cristãos das mais variadas denominações e pessoas de outros credos religiosos que ali atuavam. Em uma dessas ocasiões, um mulçumano revelou:

- O profeta nos pede que nenhum de nós durma enquanto alguém estiver com fome, mesmo não sendo nossos irmãos.

Profissionais como veterinários passaram a cuidar dos animais de estimação, muitas vezes as únicas companhias dessas pessoas solitárias. Médicos e enfermeiros cuidando de suas saúdes. Dentistas abriam seus consultórios voluntariamente uma ou duas vezes por mês para arrumar suas dentições. Professores e pedagogos transformavam as ruas em grandes salas de aulas para ensinar além do que eles já sabiam. Advogados os auxiliavam a regularizar suas documentações. Algumas escolas profissionalizantes ofereciam bolsas a eles para diversos cursos. Assistentes sociais os auxiliavam a voltar ou ingressar no mercado de trabalho e conseguirem moradias dignas.

Muitos restaurantes implantaram programas sociais, oferecendo marmitex aos mais necessitados.

Surgiram projetos que transformava terrenos públicos e particulares da periferia da megacidade, em hortas comunitárias. Lugares conhecidos pela vulnerabilidade e pela carência de suas comunidades, melhorando a precária situação dos habitantes através de projetos sustentáveis de agricultura urbana, baseados em processos de produção orgânica. O que beneficiava não só os agricultores urbanos em hortas comunitárias, mas também suas famílias, garantindo a subsistência. Pessoas que foram capacitadas em técnicas de produção de alimentos e receberam também instruções para buscar meios para a comercialização de seus produtos de alimentos saudáveis, prevenindo a desnutrição e a deficiência alimentar de crianças em regiões com vulnerabilidade social para lhes garantir a boa saúde.

Aos que tinham problemas psíquicos ou dependências químicas, psiquiatras e psicólogos voluntários os assistiam, os encaminhavam aos tratamentos necessários, reestabelecendo ou estabilizando suas saúdes mentais e, principalmente, suas autoestimas.

O pessoal do movimento também focou em ajudar os coletores de reciclagem e catadores nos diversos aterros sanitários pelo país. Trabalhadores em situação de fragilidade, sem registro formal e sem nenhum tipo de proteção trabalhista ou do poder público. Além das assistências pessoais, conseguiram para eles dezenas de cooperativas e convênios com prefeituras. Esses trabalhadores sempre foram essenciais no setor de logística reversa, ou seja, o de fluxo de produtos e embalagens na cadeia de produção, onde as empresas precisam cuidar do descarte de seus resíduos. E esse grupo que reconhecidamente presta um serviço de natureza pública, embora há toda uma negação da sua importância, que vem não só do Estado, mas da sociedade. Pessoas que até então sofriam preconceito, eram estigmatizados e excluídos. A informalidade gerava uma dificuldade de acesso a direitos trabalhistas, ao reconhecimento pela administração e condições de risco para a saúde.

E assim, esses ex-moradores de ruas, coletores de coletas seletivas, pessoas até então invisíveis à sociedade, passaram a desenvolver por si mesmo suas cidadanias. 

E melhor do que isso! Uma parte maciça converteu-se espiritualmente, passando a integrar as igrejas católicas e evangélicas. Lembravam o livro dos Atos dos Apóstolos 2, versículos 41 à 47, onde cerca de três mil fiéis que se reuniram em torno de Pedro após o Pentecostes: “41. De sorte que foram batizados os que de bom grado receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas, 42. E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, no partir do pão, e nas orações. 43. E em toda a alma havia temor, e muitas maravilhas e sinais se faziam pelos apóstolos. 44. E todos os que criam estavam juntos, e tinham tudo em comum. 45. E vendiam suas propriedades e bens, e repartiam com todos, segundo cada um havia de mister. 46. E, perseverando unânimes todos os dias no templo, e partindo o pão em casa, comiam juntos com alegria e singeleza de coração. 47. Louvando a Deus, e caindo na graça de todo o povo. E todos os dias acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar”.

Nesses relatos bíblicos sobre o cristianismo primitivo todos os fiéis usufruíam de seus bens em conjunto e haviam coletivizado a posse das coisas, não deixando dúvidas de que os primeiros cristãos se encontravam nos templos judaicos, reuniam-se, alimentando-se coletivamente.


Outros tantos voluntários passaram a visitar casas de repousos públicas e privadas, fazendo companhia e realizando atividades com os idosos, muitos órfãos de filhos vivos!

Lares de crianças carentes e abrigos de crianças para adoção também passou a ser invadido no bom sentido pelo movimento “Cristãos Sem Bandeiras”. E dessas visitas, um número significativo de crianças foram adotadas, ganhando lares de muito amor!


Todo aquele movimento começou a também influenciar dentro das igrejas, onde seus membros elevaram suas autoestimas cristãs, sentindo-se muito mais do que simples pessoas sentadas pelos bancos. Ao praticarem a caridade pelas suas próprias mãos, além das coletas que já ofertavam às igrejas, faziam-lhes sentir realmente praticando o cristianismo. “Bem-aventurados os misericordiosos, pois obterão misericórdia”, (Mateus 5, versículo 7). “Levem os fardos pesados uns dos outros e, assim, cumpram a lei de Cristo” (Gálatas 6, versículo 2). “Que vossa caridade não seja fingida. Aborrecei o mal, apegai-vos solidamente ao bem” (Romanos 12, versículo 9).

Exemplo, foi uma igreja que resolveu utilizar as doações arrecadadas para construir casas para os membros que não tinham moradia e para moradores de rua. Juntaram a eles pedreiros voluntários que trabalhavam aos fins de semana. Muitos daqueles fiéis finalmente tinham um lar. E o pastor local chegou a escrever esta mensagem em redes sociais: “As igrejas devem ficar mais atentas à necessidade do povo. Sejam elas materiais ou espirituais. Há igrejas em que a maioria dos membros não possui necessidades financeiras, mas sempre há os que precisam de ajuda espiritual e aqueles que precisam de ajuda material”.

Ouve uma denominação protestante, que ofereceu uma oferta especial de amor para os membros da igreja que se encontravam em situação de necessidade ou em dívida. Logo após o momento da entrega de dízimos e ofertas, o pastor surpreendeu a congregação ao chamar ao púlpito viúvas, mães e pais solteiros, entre outras pessoas a subirem para pegar um pouco do dinheiro ofertado, e o que eles achassem justo para suprirem suas necessidades pelos próximos dias. As famílias ajudadas pela Igreja também receberam aulas sobre gestão financeira para viverem com a paz de quem não tinha nenhuma dívida para quitar.

- O papel da igreja também é atender às necessidades das pessoas da casa - disse o pastor: - Venha para o altar, há algum dinheiro nessas cestas. Vocês peguem o que precisam para vocês e suas crianças comerem e beberem, além de pagar suas dívidas. Nós acreditamos que Deus nos supre toda semana com o que precisamos. Mas Deus me disse depois que nos reunimos para deixar as ofertas no altar. E então, àqueles que tinham necessidades conseguissem o que precisavam. Não podemos fazer tudo, mas nós podemos fazer alguma coisa. Eu amo a minha igreja. Isto é igreja, como no estilo do Livro de Atos.

Muitas igrejas iniciaram trabalhos sociais fantásticos, retomando o verdadeiro evangelho de se doar a favor do próximo, que cuida das pessoas. Igrejas começaram a usar parte das coletas dos fiéis para oferecer alimentos gratuitos para moradores de rua, criando Restaurantes onde os fiéis exerciam o trabalho voluntário e se dedicavam para cuidar dos sem tetos. Projetos cristãos começaram a cuidar de crianças abandonadas, oferecendo abrigo e alimentação para tirá-las da rua.

Outro pastor chegou a declarar:

- Jesus veio para se doar, e hoje em dia o que se vê são muitos líderes explorando a fé das pessoas em vez de pregar a verdadeira palavra de Deus. Muitas pessoas precisam ser amadas, pois vivem uma vida de total exclusão da sociedade e precisam ser tocadas pelo amor, pois esse é o evangelho. O dízimo deve ser investido em vidas, com amor, pois a única coisa imperecível e incorrosível é a vida que ganhamos e podemos levá-las aos céus.


Muitos dos desagrejados começaram a voltar aos templos, somando-se aos “Cristãos sem Bandeiras”, pessoas que mesmo sendo membros e sentindo comunhão com Deus em suas igrejas de escolhas, reuniam-se em prol do próximo. Sem deixarem a fé e a certeza de suas Salvações, praticavam a caridade e o amor verdadeiro interdominicional, muito acima da defesa meramente de doutrinas e dos nomes de placas nas fachadas. Um cristianismo retomando ao modelo, aos valores primitivos dos primeiros três séculos de sua história!!!


Depois de todas essas mudanças, lá do firmamento, Jesus Cristo olhou para baixo e disse ao Pai:

- Finalmente esses cabeçudos nos entenderam...


FIM


Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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