1 - MINHAS QUERIDAS MEMÓRIAS...

  Lembro-me como se fosse hoje aquele início dos anos 1990... Depois de tanto tempo no magistério, resolvi experimentar uma nova "aventura". Pensava que após tantos anos de profissão já conhecia tudo sobre minha área. 

Levantei-me cedo para ir conhecer a escola onde iria passar o próximo ano letivo.   Logo que estacionei o carro, pude notar aquela grande fachada revestida com pedregulhos cinza e uma varanda branca, com algumas samambaias que levavam até à porta principal. Ainda na fachada, estava escrito: CENTRO DE REABILITAÇÃO.

Ao entrar na recepção, notei tudo com detalhes. Era uma sala de paredes brancas como o teto, o vidro com uma cortina de bambu dando vista para a rua, uma porta entreaberta que adentrava a um longo corredor, um ambiente claro e florido. Havia uma escrivaninha ao centro, com uma máquina de escrever em cima e algumas poltronas.

             Não havia ninguém por ali. Resolvi esperar um pouco.

             - O senhor deseja alguma coisa?

            Um rapazinho pequeno apareceu por trás me dando um susto, interrompendo aquele profundo silêncio.

             - Sim, sou o professor Vítor, a diretora está me esperando.

             - Ah sim, é por aqui... O senhor pode me seguir...

    Por estar andando atrás dele, pude observá-lo. Tinha mais ou menos um metro e vinte de altura e quarenta e cinco quilos. Moreno de cabelos crespo; rosto redondo e cheio e aparentava meio gordinho devido ao seu tamanho. Suas pernas e braços eram mais curto que o convencional. Certamente, ele tinha nanismo, deficiência conhecida no popular por "anão".

Estávamos caminhando pelo corredor, quando passamos por uma jovem muito bonita, morena clara estatura mediana, cabelos lisos compridos e pretos, rosto oval, boca grande e muito bem maquiada.

Movimentei a cabeça para frente como quem diz um "bom dia", mas estranhei quando ela não teve nenhuma reação no sentido de retribuir. Ao nos afastarmos, ele me disse:

- Àquela é Izaura. Ela não enxerga.

- E você como se chama?

- Eu não me chamo, são os outros que me chamam de José. Pronto, chegamos.

José abriu a porta e entramos. Uma mulher, morena, meia-idade, bom porte, cabelos crespos, rosto com algumas espinhas e muito simpática, estava sentada atrás da mesa.

- Vânia, este é o professor Vítor. Ele gostaria de conversar com você.

- Ah sim... José, muito obrigada.

Levantou-se para me cumprimentar estendendo a mão direita.

- Muito prazer, professor. Estávamos mesmo à sua espera.  Sente-se...

Vânia ofereceu-me uma cadeira gentilmente.

- Se a cúpula me der licença, vou me retirar. - Disse José saindo.

- Ele é um barato, a alegria da escola, muito gozador. José não tem família e mora aqui no Centro.

-É, já percebi que ele gosta de fazer piadas. Mas, doutora Vânia, aqui estou para assumir meu cargo.

- Por favor, Vítor, tire a doutora. Aqui não é preciso muita cerimônia. Decidimos que quanto mais intimidade entre nós profissionais e clientes, como chamamos nossos alunos, mais facilita nosso trabalho e convívio.

Vânia, arrumando os papéis e objetos em cima de sua mesa continuou me explicando:

- Você já sabe que aqui trabalhamos no sentido de reabilitar e educar jovens considerados "especiais" por terem deficiências. 

- Sim, eu sei, e acho que vou me dar muito bem com eles.

- Acredito nisso.

Nesse momento entrou na sala uma moça:

- Com licença...

- Entre, Rosemeire...

Ela tinha cabelo louro liso e comprido, olhos azuis, nariz fino e pontudo, boca vermelha, baixa e magra. Usava uma blusa verde, saia jeans, botinha e meia cinza. Vânia logo me apresentou:

- Essa é Rosemeire, nossa professora da primeira à quarta série, ou seja, é ela quem alfabetiza nossas crianças. Esse é o Vítor, o novo professor de português do Centro. 

- Legal, fico contente, Vítor. Será muito bom trabalhar e tê-lo conosco.

- Estava explicando como são as coisas aqui. Você, como uma das nossas professoras, também pode falar um pouco. - Sugeriu Vânia. 

E Rosemeire começou:

- Devido o tipo de pessoas que lidamos aqui, o número de alunos na classe é bem menor comparado às escolas de ensino regular, para que se obtenha um rendimento maior de cada um. Muitas vezes será preciso até fazer um trabalho individual no sentido de ensinar. Nesses lugares é comum que uma professora tenha todas as séries ao mesmo tempo na mesma sala, pois cada aluno está em um nível. São jovens esforçados e correspondem às nossas espectativas.

- Quando aceitei vir trabalhar aqui com vocês, sabia o que vinha pela frente e o tipo de ensino. Acho que comigo não haverá nenhum problema.

- Sobretudo, temos que ter muito amor, carinho e dedicação para com eles. -Completou Vânia.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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