O pessoal da
festa está alegre, alguns conversando com copos nas mãos; outros no meio da sala,
dançando. Em um canto só, olhando a tudo e a todos, está Teco, um companheiro
de escola de Lupi, que, conversando com algumas amigas, dá uma olhadinha e diz:
- Me dão uma licencinha.
Vai até Teco,
observando:
- Está sozinho?
- É, pensando um pouco...
- Pensando em
que, no meio de uma festa como esta?
- Em nada - responde ele, fazendo gesto com os
ombros.
- Venha, vamos dançar - sugere Lupi, pegando em sua
mão.
- Espera aí, Lupi. E o seu namorado?
- Ele não está aqui agora. Venha, não tem nenhum
perigo.
Teco coloca o seu copo na mesa ao lado e vão dançar.
No meio da música, Lupi observa:
- Você dança
muito bem...
- Que nada. Essa é a minha primeira vez.
- O que!? Você nunca dançou? - Fica surpresa a moça.
- Não, nunca...
Neste momento
aparece na porta da sala, um rapaz de jaqueta de couro. Para, olha a tudo e a
todos, fazendo uma cara feia ao olhar Lupi dançando com Teco.
- Essa não. O Nando chegou! - Exclama a moça sem
jeito.
“Acho que vou dançar é agora”, pensa Teco.
Nando vai em direção a eles. Lupi tenta impedir o
pior.
- Espera aí, Nando. Eu posso explicar.
- Sai daqui, sua assanhada - ordena Nando, empurrando
a moça para um canto. Pega Teco pelo colarinho. - Quem você pensa que é para se
meter com minha garota, seu rato? - Indaga, dando-lhe um soco.
Teco cai.
Começa a gritaria. Ele levanta-se e tenta reagir, apanhando ainda mais.
* * *
Teco chega em
sua casa, vendo o seu pai lendo jornal na sala e sua mãe assistindo telenovela
na televisão.
- Oi pai, oi mãe - cumprimenta desanimado e todo
machucado.
- O que foi isto, filho? - Indaga sua mãe preocupada.
- Nada não, mãe - responde quase chorando. - Não se
preocupe...
Em seu quarto,
vai até a penteadeira e se olha no espelho, exclamando:
- Droga!!! Droga!!! Droga!!!
Sai de frente
do espelho. Tira a jaqueta. Pula em cima de sua cama, aperta o seu rosto contra
o travesseiro e começa a chorar, dizendo a si mesmo:
- Droga!!! Será que ela não sabe? Será que ela não
imagina? - Soca o travesseiro. - Droga!!! Droga!!! Droga!!!
* * *
No outro dia,
na escola toca o sino. Os alunos começam a sair das salas conversando pelo
corredor. Teco sai da sua, olhando para frente e caminhando rápido. Lupi vem
correndo lá de trás entre os alunos, gritando:
- Teco... Teco... Teco...
Ele para, vira-se para esperá-la chegar:
- Ufá! Teco, posso falar com você?
- O que você quer, Lupi? Que o Nando me dê outra
surra?
- Ele nem está aqui hoje.
- Como também ele não estava lá na festa, não é? -
Comenta áspero.
- Afinal, posso ou não posso falar com você?
Teco, pensando
um pouco, amolece:
- Sim, é claro. Vamos.
Chegam ao
pátio da escola, aonde Teco vai logo se sentando num banco de cimento.
- Senta, Lupi.
- Obrigada, Teco. Mas prefiro ficar de pé.
- Afinal, o que você quer?
- Quero lhe pedir desculpas.
- Essa não... Você me traz até aqui só para dizer
isto!? - O que você esperava que eu lhe
dissesse? Que fiquei contente por você
ter apanhado por minha culpa?
- Não, não. Não é nada disso, Lupi...
Ela senta-se
ao seu lado, dizendo com delicadeza:
- Não fique bravo comigo, Teco. Desculpe-me, vai...
- Tudo bem, Lupi.
- Legal. Bem, deixe-me ir. - Dá-lhe um beijo na
testa. - Tchau, Teco...
Sua amiga se
vai. Teco, contente, também parte sorrindo.
Feliz com a vida, entra na cantina da escola e vai logo dizendo ao
garçom no balcão:
- Aí, tio. Solta uma coca-cola.
- Teco - um moço sentado em uma mesa lá no fundo o
chama.
- Fala Almir? - Responde, pegando o refrigerante,
indo até o rapaz, estendendo a mão direita. - Como vai?
- Eu vou indo...
- É? Pois eu vou voltando...!
Os dois riem da brincadeira. Teco senta-se,
perguntando-lhe:
- E aí, bicho, como vão as mulheres?
- Beleza. Estou namorando uma menina ótima, chamada
Ana. Moça de família. Você vai conhecer - confessa, tomando um gole de seu
refrigerante. - E por falar nisto, e você?
- Ainda estou naquela mesma.
- Você ainda a ama platonicamente?
- Cada vez mais...
- E ela sabe?
- Não... Eu acho que não.
- E por que você não conta, bicho?
- Sei lá, cara. Tenho medo. Ela e eu somos muito amigos.
E se não der certo? Pelo menos eu gostaria de ter a sua amizade.
- Corta essa cara. É tudo ou nada. Vai lá, conta
tudo.
- Ela pode dizer não... - Observa Teco com medo.
- Do mesmo jeito que pode dizer sim!
- É, você tem razão. Vou à luta - declara, terminando
de tomar o seu refrigerante, levantando-se e dando um tapinha no ombro do
amigo. - Valeu cara. Brigadão!
- Falou, Teco...
* * *
Ele sai do bar
e caminha pelas ruas alegre, carregando o seu material escolar. Caminha entre
pessoas, atravessa ruas e avenidas, chegando em frente de sua casa. Abre o
portão, a porta da sala, entrando em sua residência. Na sala, joga o seu
material na poltrona e grita:
- Mãe, cheguei...
- Tudo bem, filho? - Pergunta sua mãe lá de dentro.
- Tudo, mãe - responde, sentando-se no sofá, pegando
o telefone e discando alguns números. Após alguns instantes, diz à pessoa do
outro lado da linha:
- Alô, Lupi, aqui é o Teco. Como vai?
- Oi, Teco. Tudo bem. Mas o que houve para você está
me ligando a esta hora? - Indaga, curiosa.
- Eu preciso falar com você, Lupi.
- Pode falar...
- Não, pelo telefone não. Pode ser amanhã às onze
horas lá na praça?
- É tão importante assim?
- Sim, muito...
- Então tudo bem. Amanhã às onze. Até lá.
- Até lá... - Desligam os telefones. Contente, Teco
diz a si mesmo: - É amanhã. É tudo ou nada. - Levanta-se, pega o seu material e
vai para o seu quarto, alegre e esperançoso.
* * *
No dia
seguinte, na praça, Teco está sentado no banco com as mãos no queixo, com
cotovelos apoiados nos joelhos, um pouco tenso, olhando para baixo. Duas pernas
aparecem diante dele, fazendo-o levantar a cabeça.
- Oi, Teco...
- Oi, Lupi. Que bem que você veio. Por favor,
sente-se.
A moça senta-se ao seu lado, perguntando num sorriso:
- O que você tem de tão importante para me dizer?
“E agora, o
que eu digo?”, pensa o rapaz, perguntando-lhe:
- Você está com pressa?
- Não, por quê?
- Então vamos com calma.
- Você é quem sabe. - Concorda a moça. Passam um
tempo calados, até que ela quebra o silêncio com uma pergunta inesperada:
- Teco, e as namoradas?
- Eu não tenho namorada! - Responde num susto, mas
devolvendo a pergunta, mesmo com medo da resposta:
- E você?
- O Nando e eu resolvemos nos casar no final deste
ano...
Aquilo caiu
como um balde de água fria em Teco. Porém, refazendo-se rapidamente do choque,
pensou: “Não importa. Vou declarar assim mesmo”...
- Lupi...?
- Fala logo, Teco. Você já está me deixando
nervosa...
- Há algumas coisas que eu gostaria de lhe dizer, mas
antes de começar, por favor, não diga nada. Apenas me ouça. Será muito difícil
dizer tudo isso. Mas vamos lá...
- Está certo. Eu vou ficar quieta. Pode falar.
- Isto já faz seis anos, desde que entramos nesta
escola. Durante esses seis anos, sofri, passando os dias pensando em você. Tive
esperanças, pois nós os românticos sempre sonhamos com o impossível. Sei que
quando isso começou, eu era uma criança tola; mas hoje, amadurecido, vejo que é
verdade, pois se fosso falso, não duraria sei anos. Como já disse, tive grandes
esperanças; não seis se foram em vão, mas as tive! O tempo passou, houve outros
amores repentinos, outras paixões momentâneas, só que nem uma foi como o amor
que tenho por você! Todas as estradas de meu coração me levavam até o seu
nome. Sempre sonhei com um amor
diferente para nós... Iria usar do romantismo para lhe fazer feliz! Sendo
dengoso, como gostaria de ver a Lua, envolvido pelos seus braços, entre beijos
e carinhos. Sei que faço algumas molecagens pelas ruas. É o único jeito que
encontrei para esquecer o sofrimento, mas irei mudar. Se você disser “não”,
tudo bem. Vou ficar triste, mas a vida nunca é do jeito que queremos.
Infelizmente, não somos nós os autores do destino. Não vou chorar, deixando o
tempo fazer isso por mim. Pensando bem, sem você a vida não terá mais sentido.
Irei seguir o meu caminho, mas deixarei o meu novo endereço, acaso mude de
ideia. Espero que tudo isto que lhe disse, não mude a nossa amizade. Ou se
mudar, que seja para melhor! Por favor, dê-me uma chance de provar tudo isso
que lhe disse. Não precisa me dar uma resposta agora. Eu lhe dou um tempo, mas
me dê uma resposta um dia. Você descobrirá muitas qualidades em mim. Será muito
importante, se disser “sim”! Um dia, você me disse que eu era um amigo que você
poderia confiar com certeza. Então, por que não provar isso agora, confiando no
meu amor?
Lupi passa
alguns momentos pensativa, dizendo-lhe com jeito:
- Bem Teco... Tudo o que você disse é lindo e até
emocionante. Só que como eu já falei, estou com o meu casamento marcado para o
fim deste ano. Você vai encontrar alguém que vai lhe fazer feliz.
- Será, Lupi? - Indaga, tomado por uma grande
decepção.
- Vai sim, você vai ver... Bem, vou ter que ir agora.
Desculpa Teco, se não posso corresponder aos seus sentimentos.
Ao chegarem ao
portão da casa de Lupi, ela vira-se para ele, dizendo-lhe:
- Vou ter que entrar. - Estende a mão direita. - Tudo
de bom, Teco...
- A nossa amizade não vai mudar, não é? - Indaga,
segurando a sua mão.
- Não, Teco. Agora ela vai ficar ainda mais forte!
- Fico contente por isto. Sua amizade já é bom
demais. Mas se algum dia você mudar de ideia, me procure...
- Pode deixar - responde ela, num sorriso educado.
* * *
Teco volta à cantina de sua escola para tomar um
refrigerante.
Ao ser servido no balcão, pergunta ao garçom:
- O Almir está por aí hoje?
- Está sim. Lá no fundo, numa mesa.
Agradece e vai
até lá.
- Fala bicho... - Cumprimenta Almir ao vê-lo
chegando.
- Falei com ela hoje - declara Teco, logo de saída,
sentando-se.
- Ah!!? - Surpreende o amigo.
- Verdade... Falei tudinho!
- E aí?
- E aí? Aí que ela vai se casar com o Nando no fim
deste ano. Mesmo assim, fiz a confissão. Em certo momento, ela me disse que eu
iria achar alguém que me fará feliz. É, quem sabe...?
- Você tem esperanças?
- Essa é a última que morre, meu caro amigo. As
coisas mudam, não mudam?
- Sim, Teco, as coisas mudam.
Após alguns
instantes de silêncio, uma tristeza repentina toma conta de Teco. Tem uma
ideia. Vai até o balcão, pede uma ficha telefônica para o garçom, dirige-se
para o orelhão e telefona para a residência de Lupi. Ao atender, ele é curto e
grosso em sua indagação:
- Lupi, como você pode estar contente, sabendo que
tem alguém sofrendo por causa de você?
- Quem disse que estou contente? - Pergunta a moça
com ternura.
* * *
No dia seguinte, no portão da escola, Lupi, com o seu
material, está saindo com as amigas, quando é abordada por Teco.
- Lupi, preciso conversar com você.
- Não vai dar, Teco.
- E por que não?
- Porque... porque... porque... - Gagueja ela,
olhando as amigas.
- Tudo bem, Lupi - dizem as moças, retirando-se.
- Vamos, diga. Por que não?
- Você sabe, Teco. Sou noiva...
- E eu com isto? Só quero falar com você. Não vou lhe
arrancar pedaço não. Só um papo, nada mais.
- Mas aqui? Alguém pode nos ver.
- Deixei minha moto lá na rua de traz. Se você
quiser, podemos ir até o lago.
- Então vamos, vai...
O lago é o
lugar de lazer daquela cidade. Muitas árvores e gramados em seu redor. Embora
muito frequentado aos finais de semanas, nos demais dias é quase deserto. Teco
e Lupi chegam de moto, estacionam e sentam-se na grama. O rapaz começa a olhar
fixo a água, sendo interrompido pela pergunta:
- O que foi Teco, que você tem de tão importante para
me trazer até aqui?
- Eu amo você...
A moça se levanta e fica de costa para ele,
observando:
- Já falamos sobre isto, droga.
Teco
levanta-se, vira-se em sua direção, segura-a pelos ombros, olhando dentro de
seus olhos, continuando sua confissão:
- Será que você não entende? Eu lhe amo acima de
tudo. Só penso em você, a única razão de meu viver. Preciso ter você...
Lupi, não
aguentando a fascinação daquele momento, abraça-o, deita a cabeça no ombro do
rapaz, chorando e dizendo:
- Droga!!! Por que a vida é assim? Por que é tão
difícil se viver?
- O que você está querendo dizer com isto, Lupi?
Levantando a sua cabeça, olha nos olhos dele, revela:
- Teco, descobri que estou lhe amando.
- Então, Lupi. Por que não ficamos juntos, se amamos
um ao outro? - Pergunta ele, abraçando-a forte.
- Entenda, Teco... O Nando. Minha família. O
casamento. Não dá, é tarde demais...
- Não, Lupi. Não é tarde. Ainda há tempo de...
- De o quê, Teco?
Segurando forte o rosto dela com as duas mãos, ele
propõe:
- Vamos fugir!!!
- Você está louco!? - Protesta soltando dele. - Fugir
para onde? Com que dinheiro?
- Não precisamos de nada disso. Vamos conhecer o
mundo juntos. Viver aventuras. Ver o Sol nascer no litoral. Tomar leite fresco
no interior. Conhecer o desconhecido.
- E viver do quê?
- Posso arranjar um serviço e lhe sustentar. Está
certo, no início vai ser uma barra; mas depois será uma maravilha. E então?
- Sei lá, Teco. É uma loucura. Mas pode dar certo.
- Então amanhã às onze horas lhe espero na praça.
Nossa fuga começará de lá.
* * *
Em casa, o avô
de Teco, está em seu quarto, sentado na cama, lendo um livro. Batem à porta.
- Pode entrar.
- Dá licença, vô? - Pede o rapaz, entrando.
- Pode entrar, filho. O que foi, Teco?
- Preciso falar com o senhor. É muito
importante. - Confessa, sentando-se na
cama.
- Pode dizer, sou todos ouvidos - diz o velho,
retirando seus óculos.
- Sabe o que é, vô? Lembra-se daquela garota que lhe
falei ontem?
- Sim, a Lupi? Lembro-me.
- Nós resolvemos fugir - revela, respirando fundo.
- Tem certeza que é isto que vocês querem?
- Sim, vô. Temos!!!
- E quando será essa fuga?
- Amanhã...
- Espera um pouco. – Levanta-se, vai até o seu
guarda-roupa, abre, pega algumas notas de dinheiro no bolso de um paletó,
voltando para cama, oferecendo ao neto. - Toma. Fiz algumas economias. Quero
que fique com isto, e seja muito feliz com ela...
Teco abraça o seu avô chorando.
- Obrigado, vô. Sabia que poderia contar com o
senhor!
* * *
Onze horas,
Teco está no banco da praça. Ao seu lado, a mala. Olha várias vezes o relógio e
a rua e nada de Lupi aparecer. Dá um tempo. Levanta-se, dando alguns passos
esticando as pernas. Olha novamente para o relógio e diz consigo:
- Meio-dia...
Senta-se. Passa mais algum tempo. Confere as horas e
pensa alto:
- Uma hora. - Levanta-se, pegando a mala. - É, ela
não vem. Já é tarde demais para voltar. Meus pais já devem ter encontrado a
minha carta de despedida. Eu vou só. Infelizmente, só!
E sai caminhando
lentamente...