Seis anos depois...
Uma redação de
jornal. Muitas mesas, computadores, pessoas escrevendo, muitos conversando ou
atendendo ao telefone naquele ritmo frenético. Ao fundo, uma porta com a
inscrição: “Editor Chefe”.
A mesma se abre e, lá de dentro, um homem de gravata
grita:
- Lupi, venha aqui um pouco.
A moça,
mudada, cabelo mais cumprido, amadurecida e ainda magra, atravessa a redação,
entrando na sala do editor.
- Sim, chefe?
- Está havendo uma passeata de bancários no centro da
cidade. Quero que vá lá, junto com um repórter e faça as melhores fotos que já
fez até hoje.
- Pode deixar, chefe.
- Quero uma foto geral para manchete!
No centro de
São Paulo, os bancários fazem uma grande passeata. Com faixas eles gritam em
coro: “Aumento urgente. Bancário também é gente!” E assim, a passeata
prossegue...
Lupi, no meio
do tumulto, fotografa a tudo, enquanto seu colega, com seu bloco e caneta,
entrevista os bancários. Depois de um tempo, começa um quebra-pau entre os
manifestantes e a polícia.
* * *
Já no começo
da noite, de volta à sala do editor-chefe, esse sentado em sua mesa, com as
provas do jornal do dia seguinte em suas mãos, lê a manchete em voz alta:
- “Passeata de bancários, acaba em quebra-pau com a
polícia”. Ótimo!!! Vocês dois fizeram um bom trabalho.
- Obrigada - agradece Lupi, de pé em frente à mesa.
- É só isso, chefe?
- Pergunta o repórter.
- Sim, é só.
- Então com a sua licença, vou terminar outra matéria
- declara o repórter, retirando-se.
- Lupi, sente-se um pouco. O que está havendo com
você? Anda tão mudada...
- Obrigada - agradece, sentando-se. - Estou cansada,
chefe. Só cansada.
- Sei que o seu plantão é até a madrugada, mas vai
para casa descansar. Amanhã o dia vai ser duro.
- Vou sim. Até amanhã...
- Até amanhã, Lupi...
* * *
Lupi entra em
seu apartamento. Jogando sua bolsa no sofá, chama seu marido:
- Nando, cheguei. - Vai até lá dentro, volta,
pensando alto: - Ele não está. Deve ter
ido para o bar beber outra vez.
Pega sua bolsa
e vai para o seu quarto.
* * *
Nando, marido
de Lupi, está no bar bebendo com alguns amigos. Pela mesa muitas garrafas de
cerveja vazias e um litro de “51”. Embriagado, ele diz aos companheiros:
- É sempre assim. Minha mulher nunca tem tempo para
mim. Só liga para o serviço. Acho que ela gosta mais daquele jornal do que de
mim. - Toma outro gole. - Quer vê? Vai lá vê se ela está em casa. Ela está lá,
no mínimo puxando o saco do chefe naquele jornal.
- Você não acha que já bebeu demais, Nando? -
Pergunta alguém da mesa.
- É, você tem razão. – Levantando-se cambaleando, diz
ao garçom: - Pendura mais essa para mim...
Com
dificuldade de caminhar, ele se vai. Um dos rapazes da mesa comenta com o
outro:
- Ele está feio, hein?
- Realmente. Só tenho dó da mulher dele.
- Quem é ela?
- É a Dona Lupi. Uma repórter fotográfica. Ela é o
homem da casa. Trabalha para sustentar esse vagabundo aí!
* * *
À meia luz,
Lupi de baby-doll, dorme na cama do casal. Abre a porta e entra Nando embriagado,
dançando e cantando alto. Ao vê-la, para e diz:
- Ora, ora, ora. A princesa chegou cedo hoje.
Ela acorda e
tampando a mão com o rosto por causa da luz, olha para ele:
- Ah!, é você. Sim, cheguei. O chefe me liberou mais
cedo hoje - diz, levantando-se para auxiliá-lo. - Vem, vou lhe ajudar, meu
bem...
- Tire suas mãos de mim. - Agressivo, dá-lhe um tapa
na cara. Ela cai ao chão com as mãos no rosto. - Eu posso me virar
sozinho...
- Você me bateu, Nando! - Exclama ela, baixinho,
agora aumentando a voz. - Você me bateu, Nando! - Tira as mãos do rosto.
Levanta-se, encara ele, dizendo gritando. - Você me bateu, Nando... Chega! Essa
foi a gota d’água. Poxa, sempre lhe
tratei com carinho. Passava por cima de tudo. Tentava lhe compreender. E você
sabe por que, Nando? Sabe por quê? Porque lhe amo. - Volta a gritar. - Sim, eu
lhe amo, Nando. Mas agora chega.
Ela pega uma
grande capa no guarda-roupa, veste, dando um nó no cinto.
- Aonde você vai? - Indaga ele calmo.
- Para qualquer lugar, onde eu não lembre que você
exista, está bom...!
E sai, batendo
a porta.
Ela desce até
a portaria do prédio, onde encosta numa coluna apoiando a nuca e começa a
pensar: “Droga! Eu o amo de um tal jeito que não consigo sentir raiva dele. Mas
assim não dá. Tenho que dar um jeito em minha vida”. De repente, um suspiro e
sua mente volta ao passado. “Se naquele dia eu tivesse fugido com o Teco, hoje
talvez estaria bem melhor. Teco... Aonde ele deve estar agora?”
Nesse momento, o porteiro aproxima-se.
- Algum problema, Dona Lupi?
- Hein!? Ah, sim - tomando um susto. - Não tem problema,
seu Luiz. Só vim tomar um pouco de ar puro. Mas acho que já vou subi. Boa
noite...
- Boa noite, Dona Lupi.
A moça vira-se
de braços cruzados e dirige-se ao elevador caminhando lentamente.
* * *
No jornal, o editor-chefe chama Lupi até a sua sala.
- Sim, chefe... - Diz ela entrando e fechando a
porta.
- Sente-se - pede o editor que, ao levantar a cabeça,
nota que ela está com uma das faces do rosto roxa. - Nossa, o que foi isto no
seu rosto?
- Nada não, chefe - responde sentando-se. - Ontem
tomei um tombo lá em casa.
- Ah, sim. Mas vamos ao que interessa. - Pega um
papel em cima da mesa. - Chegou um novo circo na cidade, chamado “Alegria,
Alegria”. O seu dono, o senhor João Lima, pediu-nos que fizéssemos uma
cobertura completa de sua chegada e estreia. Grana alta. Por isto, quero um bom
serviço. - Entrega-lhe o papel. - Toma o endereço. O dono não estará lá, mas
haverá um responsável para recebê-los.
- Pode deixar, chefe. Darei o melhor de mim nesse
trabalho.
* * *
O circo está vazio, ainda é dia. Lupi e Júnior, o
repórter, observam tudo em volta. Aproxima-se um funcionário, dizendo-lhe:
- O responsável já virá atendê-los.
- Sim, obrigado - agradece o repórter que, após a
saída do funcionário, aponta. - Ali deve ser os bastidores. Vou até lá dar uma
olhadinha.
Lupi,
distraída, fica olhando Júnior se afastar. Um rapaz barbudo, de óculos e
jaqueta jeans, chega por traz:
- Pois não... - Ela vira-se, deixando o rapaz
surpreso: - Lupi...!?
- Teco...! - Exclama, tomando um choque.
- Como vai, minha amiga? - Estende-lhe a mão direita.
- Vou bem. E você? - Pega em sua mão.
- Agora melhor ainda.
Soltam as mãos. O repórter volta, cumprimentando
Teco.
- Sou o Júnior, o repórter.
- Sou o Teco, responsável pelo “Alegria, Alegria”.
Muito prazer.
- O prazer é todo nosso. Podemos lhe fazer algumas
perguntas?
- Claro. Vamos até o escritório.
Os dois saem
caminhando, enquanto a fotógrafa, fora de si, fica parada. Seu companheiro de
reportagem lhe chama:
- Você não vem, Lupi?
- Sim, é claro. - Responde, saindo do sonho e
ajuntando-se a eles.
Na entrevista,
muitas perguntas são realizadas, até que Júnior se dá por satisfeito.
- Bem, é só. Vamos voltar para a redação, Lupi?
- Se você não se importa Júnior, vou ficar mais um
pouco. Quero fazer outras fotos.
- Tudo bem - concorda levantando-se. - Vou indo,
porque tenho que montar o texto para edição de amanhã. Não demore com as fotos.
- Pode deixar. Antes do fechamento da edição elas
estarão na mesa do editor.
- Eu lhe acompanho até lá fora - oferece Teco.
Aproveitando a
ausência deles, Lupi dirige-se até o picadeiro do circo. Lá, um mágico ensaia.
No outro canto, estão os palhaços. No trapézio, os trapezistas. Outros
funcionários preparam as coisas para o espetáculo de logo mais à noite.
Teco,
voltando, vai cumprimentando alguns, passando ordem para outros, até chegar
nela, convidando-a a se sentarem na arquibancada vazia. Ela olha para o chão,
enquanto ele observa a movimentação, quebrando o silêncio com a seguinte
pergunta:
- Por que você não apareceu naquele dia?
- Fiquei com medo. Era muita loucura. Porém, não
pensei que você fosse sozinho. Sei lá. Talvez se você ficasse, nós poderíamos
ter encontrado outra saída...
- Era tarde demais para volta. Também para que eu
iria ficar? Para ver o seu casamento com o Nando? Afinal, você casou-se? Ela, disfarçadamente retira sua aliança,
colocando-a no bolso, respondendo:
- Casamos, mas não durou muito tempo. Nossos
temperamentos não combinaram. Voltei a estudar, fiz fotografia e estou aí. Sou
uma repórter fotográfica. E você, o que fez? Por onde andou?
- Logo depois que fui embora de nossa cidade, entrei
na companhia deste circo. O dono gostou muito de mim e me ensinou todo o
serviço. Logo ele ficou doente e me confiou a direção do circo. Hoje ele só
apresenta o espetáculo. Cuido de tudo e ainda faço o palhaço Hiena - dá uma
risadinha - Eu, aquele cara tímido e bobo, agora sou um palhaço.
- Legal - sorri. – Bem, vou ter que ir agora. Tenho
que entregar as fotos. Até logo, Hiena!
- Você volta?
- Talvez... Mas se eu voltar, pode esperar. Estarei
na primeira fila.
- Vou esperar!
* * *
Em casa, Lupi
está sentada no sofá lendo um livro. Nando vem do quarto, pedindo-lhe:
- Lupi, você me arruma algum dinheiro...
- Pega ali na minha bolsa em cima da mesa.
Toca a campainha. Nando, pegando o dinheiro, diz:
- Pode deixar, eu atendo.
Abre a porta. É uma mulher e um garoto.
- Boa tarde, Nando. A Lupi está?
- Está sim, Zilda. Pode entrar. Só não repara que
estou de saída.
- Tudo bem...
Lupi recebe a
amiga para uma conversa. O menino brinca com a revista em cima da mesa.
- Como vai a vida, Lupi?
- Vai indo daquele mesmo jeito.
- E o serviço?
- Naquele mesmo ritmo. Por falar nisso. - Olha para o garoto, pedindo-lhe: -
Henrique, venha cá no colo da tia um pouco. - Ele vai num pulo. - Você quer ir
ao circo hoje?
* * *
À noite no circo, Lupi e Henrique, brincando,
sentam-se na primeira fila das cadeiras numeradas. Música tocando. A plateia
está lotada, toda animada, vendedores de pipoca, amendoim, maçã-do-amor, dentre
outros quitutes. Para a música, entrando o apresentador:
- Respeitável público. A todos os nossos cordiais boa
noite. A companhia circense “Alegria, Alegria” tem o grande prazer de estar
mais uma vez nesta cidade, trazendo para o espetáculo uma noite no circo. E o
espetáculo não pode parar. Abrindo nosso show, Giselli e seus cãozinhos
amestrados...
Muitos
aplausos. Entra a domadora com seus animais, que fazem acrobacias. Ao saírem, o
apresentador anuncia:
- No trapézio, os Bárbaros...
Uma grande
apresentação no trapézio. Muitos aplausos e assobios.
- Agora, para a alegria da garotada, os palhaços
Joaninho e Hiena.
Lupi aplaudi
sorrindo, sentindo uma coisa estranha dentro de si. Mas só entra em cena o
palhaço Joaninho, abrindo os braços, ficando na ponta dos pés, cumprimentando:
- Boa noite...
- Boa noite - responde a plateia em coro.
O palhaço olha
para traz, sentindo a falta do companheiro.
- O Hiena. O é, cadê ele? Olha aí, meninada, vamos
chamar ele? Hiena?
- Hiena...? - Repete a plateia.
- Hiena...?
- Hiena...?
- Estou aqui - responde Hiena entrando
espreguiçando. - Rapaz, você não sabe
que tem que trabalhar? - Pergunta bravo Joaninho.
- Eu estava descansando.
- Descansando do quê? Você só come e dorme na vida.
- Isso dá um trabalho... - Declara cinicamente.
Todos riem.
Joaninho dá-lhe um tapa. Hiena cai no chão e levanta-se chorando, esfregando os
olhos.
- Vou contar para minha mãe que você me bateu.
- E você tem mãe, seu palhaço. Você é filho de
chocadeira.
- É, de fato não tenho mãe - observa, parando de
chorar.
- E namorada, você tem?
- Namorada??? - Entristece - Não...
- Como não? Precisamos dar um jeitinho nisto -
observa Joaninho, gritando para a plateia: - Vamos arrumar uma namorada para
ele, pessoal?
- Vamos - respondem em uma só voz.
Teco,
interpretando o palhaço Hiena, chega perto do ouvido de seu companheiro de
cena, dizendo-lhe disfarçadamente:
- Hoje vai ser aquela moça sentada na primeira filha
com o garotinho.
Joaninho,
entendendo o recado, diz alto a ele:
- Então Hiena, escolhe uma bela donzela, que eu lhe
ajudarei conquistá-la.
Ele dar uma
volta disfarçadamente pelo picadeiro, parando de fronte a Lupi, apontando-a:
- Ela!!!
- Ela. Essa não pode, Hiena.
- Mas eu quero - e faz birra.
- Está bom. Para começar...
- Do começo?
- Lógico, seu burro, sua anta de chapéu atolado! -
Exclama bravo, acalmando em seguida. - Bem, para começar, vai até lá e pergunte
o seu nome.
- Mas o meu eu já sei.
- Não o seu, anta. O dela. - Empurrando Hiena - Vai
lá...
O palhaço vai tropeçando.
- Cara senhorita de sorriso arreganhado, por
gentileza, posso saber o seu nome?
- Lupi.
- É solteira ou casada?
- Solteira.
- Então está bom. Vou ali falar com meu amigo e volto
já.
Você me espera?
- Espero.
Hiena corre
até Joaninho.
- Pronto. Agora, o que faço?
- Não faz, compra feito. - Todos riem. - Sei lá...
Recita uma trovinha para ela.
- Ótima ideia. Mas qual?
- Que tal esta: Desde a primeira vez que te vi / Meu
coração por ti se palpou / Nas correntes de teus braços / Reposei o meu
amor! - Ótimo. Vou até lá. - Dirige-se
até Lupi. - Senhorita...?
- Sim...?
- Desde a primeira vez que te vi / Meu coração por ti
se palpou / Nas correntes de teus braços / Amarrei a égua do meu avô! - Corre
todo desengonçado até o amigo. - Joaninho, acho que dei o maior fora...
- Você não tem jeito mesmo, Hiena - observa, indo até
Lupi. - Senhorita, queira perdoar a ignorância de meu amigo aqui. - Dirige-se a
plateia: - Pena que não deu certo. Ela é uma moça tão bonita.
- Acho bom mesmo - diz Hiena, aproximando-se. - Não
gosto dela mesmo.
- Não? Então de quem você gosta?
- De você - dá-lhe um beijo na testa e sai correndo.
- Ora, seu... - E saem correndo do picadeiro.
Voltam para
receberem os aplausos. Teco vai até Lupi, perguntando baixinho:
- A senhorita aceita jantar comigo depois do
espetáculo?
- Bem que eu gostaria - olha para Henrique -, mas...
- Podemos deixá-lo em casa, primeiro.
* * *
- Gostou do palhaço Hiena? - Pergunta Teco durante o
jantar.
- Muito... Você trabalha muito bem, Teco.
- Éramos para formarmos uma dupla de palhaços, se
tivesse fugido comigo.
- É, éramos...
Um momento de silêncio, enquanto se alimentam.
- Lupi...?
- Posso lhe fazer uma pergunta? - Pede, sem jeito.
- Ora, faça, Teco.
- Você está namorando alguém?
- Humm... Digamos que sim! - Responde a moça, fazendo
um charminho.
- E eu o conheço?
- Digamos que sim! E você? Tem namorada?
- Não, depois de você não amei mais ninguém. O amor
que senti, ou ainda sinto, por você, é uma coisa forte e única em minha vida.
Você marcou demais! Por várias vezes pensei em procurá-la. Mas logo imaginei:
“Não. É melhor não. Ela deve estar casada. Só iria atrapalhar a sua vida. E
sofrer mais ainda!” Encontrei na vida circense, uma forma de fazer o sofrimento
passar despercebido. O mundo do circo é fantástico; mas não era exatamente o
que eu sonhava para mim. Queria mesmo, era um sítio, bem longe de tudo. Poder
trabalhar na lavoura. Ter uma mulher, muito amorosa e alguns filhos. E essa
mulher Lupi, eu gostaria que fosse você...
- É, quem sabe um dia... - Observa meiga, deixando
uma hipótese no ar.
* * *
No fim da noite, chegam em frente do prédio onde Lupi
reside. Ficam por alguns instantes conversando dentro do carro. Até que ela
decide:
- Bem, vou subir, Teco. - Sai do carro. - Tchau...
- Tchau...
Ela caminha
alguns passos rumo à portaria, vira-se, dizendo repentinamente:
- Teco, sabe aquela pessoa que falei que estava
namorando?
- Sei, o que tem? - Pergunta de dentro do carro.
- É você...
Confessa ela, virando-se, entrando rapidamente no
prédio.
Teco, sorrindo, dar partida no carro e parte feliz.
* * *
Alegre,
pisando nas nuvens, a moça entra em seu quarto sem fazer barulho. Nando dorme,
enquanto ela começa a tirar a roupa, colocando o baby-doll.
- Hoje você demorou - diz Nando acordando de repente,
espreguiçando.
- É, tive que fazer um serviço de última hora.
Responde,
deitando e se cobrindo. Instantes após, a voz de Teco vem a sua mente no
momento que ele confessou: “Ter uma mulher muito amorosa e alguns filhos. E
essa mulher Lupi, eu gostaria que fosse você...”. Nando vem por cima dela,
começando a beijá-la.
- Hoje não, Nando. Estou com dor de cabeça. -
Declara, em uma resposta padrão de todas as mulheres, afastando o marido.
Vira-se, apaga o abajur, pegando logo no sono.
* * *
No jornal, o editor-chefe, em sua sala, conversa com
Júnior, o repórter.
- Então a matéria sobre o circo podemos dar como
terminada, chefe?
- Terá a cobertura de encerramento. Mas isso é só
para quando eles forem embora. A sua matéria e as fotos de Lupi ficaram ótimas.
Hoje terei uma nova missão para vocês. Um político vai discursar em praça
pública. Vocês vão dar uma cobertura jornalística.
- Ok, chefe.
- Por favor, você peça para Lupi dar um pulo até
aqui. Preciso passar algumas instruções para ela, sim.
- Ela ainda não chegou. Deve ter perdido a hora.
* * *
Em casa, Lupi
ainda dorme. Acorda, liga o abajur, passa a mão no rosto, olha o despertador,
dizendo a si mesmo:
- Nossa, meio-dia. Perdi a hora. Preciso correr para
a redação.
Nando está no
sofá, embriagado, com um litro vazio na mão. Lupi, se arrumando-se com pressa,
sai do quarto, mas ao vê-lo naquele estado, põe as mãos na cintura.
- Bebendo de novo, Nando?
- É, por que, não posso? E você, já vai puxar o saco
do chefe de novo?
- Não, Nando. Não vou puxar o saco de meu chefe. -
Muda o seu tom para brava. - Vou sim, trabalhar para sustentar esse seu maldito
vício!!!
E sai batendo
a porta.
* * *
Em praça pública, em meio a muitas pessoas, um velho
político discursa:
- Eu prometo. Iremos ter um mandato limpo. Iremos
fazer de tudo para ajudar o povo. Construiremos pontes em benefício para o
público...
Lupi vai
fotografando, enquanto Júnior ouve o discurso atento e tomando nota. Em dado
momento, encosta a cabeça num poste e começa a pensar:
“Vida louca
essa do jornalismo. Ontem eu estava num circo, entre alegrias e fantasias. Hoje
estou aqui, entre um político raposa velha e o povo necessitado, ouvindo
ladainhas! Afinal, o que é a minha vida? Minha cabeça anda mil. Uma carreira
louca. Um marido ébrio, mas que amo muito. E agora o Teco... - Suspira. - Aí,
Teco, por que não me sai da cabeça?”
- Tudo bem, Lupi? - Indaga Júnior, aproximando-se.
- Ammm... - Toma um susto. - Ah, sim, tudo. Só estava
descansando.
E volta a
tirar fotos.