2 – É TARDE PARA VOLTAR

 Seis anos depois...

 Uma redação de jornal. Muitas mesas, computadores, pessoas escrevendo, muitos conversando ou atendendo ao telefone naquele ritmo frenético. Ao fundo, uma porta com a inscrição: “Editor Chefe”.

A mesma se abre e, lá de dentro, um homem de gravata grita:

- Lupi, venha aqui um pouco.

 A moça, mudada, cabelo mais cumprido, amadurecida e ainda magra, atravessa a redação, entrando na sala do editor.

- Sim, chefe?

- Está havendo uma passeata de bancários no centro da cidade. Quero que vá lá, junto com um repórter e faça as melhores fotos que já fez até hoje.

- Pode deixar, chefe.

- Quero uma foto geral para manchete!

 

 No centro de São Paulo, os bancários fazem uma grande passeata. Com faixas eles gritam em coro: “Aumento urgente. Bancário também é gente!” E assim, a passeata prossegue...

 Lupi, no meio do tumulto, fotografa a tudo, enquanto seu colega, com seu bloco e caneta, entrevista os bancários. Depois de um tempo, começa um quebra-pau entre os manifestantes e a polícia.

 

* * *

 

 Já no começo da noite, de volta à sala do editor-chefe, esse sentado em sua mesa, com as provas do jornal do dia seguinte em suas mãos, lê a manchete em voz alta:

- “Passeata de bancários, acaba em quebra-pau com a polícia”. Ótimo!!! Vocês dois fizeram um bom trabalho.

- Obrigada - agradece Lupi, de pé em frente à mesa.

- É só isso, chefe?  - Pergunta o repórter.

- Sim, é só.

- Então com a sua licença, vou terminar outra matéria - declara o repórter, retirando-se.

- Lupi, sente-se um pouco. O que está havendo com você? Anda tão mudada...

- Obrigada - agradece, sentando-se. - Estou cansada, chefe. Só cansada.

- Sei que o seu plantão é até a madrugada, mas vai para casa descansar. Amanhã o dia vai ser duro.

- Vou sim. Até amanhã...

- Até amanhã, Lupi...

 

* * *

 

 Lupi entra em seu apartamento. Jogando sua bolsa no sofá, chama seu marido:

- Nando, cheguei. - Vai até lá dentro, volta, pensando alto: - Ele não está.  Deve ter ido para o bar beber outra vez.

 Pega sua bolsa e vai para o seu quarto.

 

* * *

 

 Nando, marido de Lupi, está no bar bebendo com alguns amigos. Pela mesa muitas garrafas de cerveja vazias e um litro de “51”. Embriagado, ele diz aos companheiros:

- É sempre assim. Minha mulher nunca tem tempo para mim. Só liga para o serviço. Acho que ela gosta mais daquele jornal do que de mim. - Toma outro gole. - Quer vê? Vai lá vê se ela está em casa. Ela está lá, no mínimo puxando o saco do chefe naquele jornal. 

- Você não acha que já bebeu demais, Nando? - Pergunta alguém da mesa.

- É, você tem razão. – Levantando-se cambaleando, diz ao garçom: - Pendura mais essa para mim...

 Com dificuldade de caminhar, ele se vai. Um dos rapazes da mesa comenta com o outro:  

- Ele está feio, hein?

- Realmente. Só tenho dó da mulher dele.

- Quem é ela?

- É a Dona Lupi. Uma repórter fotográfica. Ela é o homem da casa. Trabalha para sustentar esse vagabundo aí!

 

* * *

 

 À meia luz, Lupi de baby-doll, dorme na cama do casal.  Abre a porta e entra Nando embriagado, dançando e cantando alto. Ao vê-la, para e diz:

- Ora, ora, ora. A princesa chegou cedo hoje.

 Ela acorda e tampando a mão com o rosto por causa da luz, olha para ele:

- Ah!, é você. Sim, cheguei. O chefe me liberou mais cedo hoje - diz, levantando-se para auxiliá-lo. - Vem, vou lhe ajudar, meu bem...

- Tire suas mãos de mim. - Agressivo, dá-lhe um tapa na cara. Ela cai ao chão com as mãos no rosto. - Eu posso me virar sozinho... 

- Você me bateu, Nando! - Exclama ela, baixinho, agora aumentando a voz. - Você me bateu, Nando! - Tira as mãos do rosto. Levanta-se, encara ele, dizendo gritando. - Você me bateu, Nando... Chega! Essa foi a gota d’água.  Poxa, sempre lhe tratei com carinho. Passava por cima de tudo. Tentava lhe compreender. E você sabe por que, Nando? Sabe por quê? Porque lhe amo. - Volta a gritar. - Sim, eu lhe amo, Nando. Mas agora chega.

 Ela pega uma grande capa no guarda-roupa, veste, dando um nó no cinto.

- Aonde você vai? - Indaga ele calmo.

- Para qualquer lugar, onde eu não lembre que você exista, está bom...!

 E sai, batendo a porta.

 Ela desce até a portaria do prédio, onde encosta numa coluna apoiando a nuca e começa a pensar: “Droga! Eu o amo de um tal jeito que não consigo sentir raiva dele. Mas assim não dá. Tenho que dar um jeito em minha vida”. De repente, um suspiro e sua mente volta ao passado. “Se naquele dia eu tivesse fugido com o Teco, hoje talvez estaria bem melhor. Teco... Aonde ele deve estar agora?” 

Nesse momento, o porteiro aproxima-se.

- Algum problema, Dona Lupi?

- Hein!? Ah, sim - tomando um susto. - Não tem problema, seu Luiz. Só vim tomar um pouco de ar puro. Mas acho que já vou subi. Boa noite...

- Boa noite, Dona Lupi.

 A moça vira-se de braços cruzados e dirige-se ao elevador caminhando lentamente.

 

* * *

 

No jornal, o editor-chefe chama Lupi até a sua sala.

- Sim, chefe... - Diz ela entrando e fechando a porta.

- Sente-se - pede o editor que, ao levantar a cabeça, nota que ela está com uma das faces do rosto roxa. - Nossa, o que foi isto no seu rosto?

- Nada não, chefe - responde sentando-se. - Ontem tomei um tombo lá em casa.

- Ah, sim. Mas vamos ao que interessa. - Pega um papel em cima da mesa. - Chegou um novo circo na cidade, chamado “Alegria, Alegria”. O seu dono, o senhor João Lima, pediu-nos que fizéssemos uma cobertura completa de sua chegada e estreia. Grana alta. Por isto, quero um bom serviço. - Entrega-lhe o papel. - Toma o endereço. O dono não estará lá, mas haverá um responsável para recebê-los.

- Pode deixar, chefe. Darei o melhor de mim nesse trabalho.

 

* * *

 

O circo está vazio, ainda é dia. Lupi e Júnior, o repórter, observam tudo em volta. Aproxima-se um funcionário, dizendo-lhe:

- O responsável já virá atendê-los.

- Sim, obrigado - agradece o repórter que, após a saída do funcionário, aponta. - Ali deve ser os bastidores. Vou até lá dar uma olhadinha.

 Lupi, distraída, fica olhando Júnior se afastar. Um rapaz barbudo, de óculos e jaqueta jeans, chega por traz:

- Pois não... - Ela vira-se, deixando o rapaz surpreso: - Lupi...!? 

- Teco...! - Exclama, tomando um choque.

- Como vai, minha amiga? - Estende-lhe a mão direita.

- Vou bem. E você? - Pega em sua mão.

- Agora melhor ainda.

Soltam as mãos. O repórter volta, cumprimentando Teco.

- Sou o Júnior, o repórter.

- Sou o Teco, responsável pelo “Alegria, Alegria”. Muito prazer. 

- O prazer é todo nosso. Podemos lhe fazer algumas perguntas? 

- Claro. Vamos até o escritório.

 Os dois saem caminhando, enquanto a fotógrafa, fora de si, fica parada. Seu companheiro de reportagem lhe chama:

- Você não vem, Lupi?

- Sim, é claro. - Responde, saindo do sonho e ajuntando-se a eles. 

 Na entrevista, muitas perguntas são realizadas, até que Júnior se dá por satisfeito.

- Bem, é só. Vamos voltar para a redação, Lupi?

- Se você não se importa Júnior, vou ficar mais um pouco. Quero fazer outras fotos.

- Tudo bem - concorda levantando-se. - Vou indo, porque tenho que montar o texto para edição de amanhã. Não demore com as fotos.

- Pode deixar. Antes do fechamento da edição elas estarão na mesa do editor.

- Eu lhe acompanho até lá fora - oferece Teco.

 

 Aproveitando a ausência deles, Lupi dirige-se até o picadeiro do circo. Lá, um mágico ensaia. No outro canto, estão os palhaços. No trapézio, os trapezistas. Outros funcionários preparam as coisas para o espetáculo de logo mais à noite.

 Teco, voltando, vai cumprimentando alguns, passando ordem para outros, até chegar nela, convidando-a a se sentarem na arquibancada vazia. Ela olha para o chão, enquanto ele observa a movimentação, quebrando o silêncio com a seguinte pergunta:

- Por que você não apareceu naquele dia?

- Fiquei com medo. Era muita loucura. Porém, não pensei que você fosse sozinho. Sei lá. Talvez se você ficasse, nós poderíamos ter encontrado outra saída...

- Era tarde demais para volta. Também para que eu iria ficar? Para ver o seu casamento com o Nando? Afinal, você casou-se?  Ela, disfarçadamente retira sua aliança, colocando-a no bolso, respondendo:

- Casamos, mas não durou muito tempo. Nossos temperamentos não combinaram. Voltei a estudar, fiz fotografia e estou aí. Sou uma repórter fotográfica. E você, o que fez? Por onde andou?

- Logo depois que fui embora de nossa cidade, entrei na companhia deste circo. O dono gostou muito de mim e me ensinou todo o serviço. Logo ele ficou doente e me confiou a direção do circo. Hoje ele só apresenta o espetáculo. Cuido de tudo e ainda faço o palhaço Hiena - dá uma risadinha - Eu, aquele cara tímido e bobo, agora sou um palhaço.

- Legal - sorri. – Bem, vou ter que ir agora. Tenho que entregar as fotos. Até logo, Hiena!

- Você volta?

- Talvez... Mas se eu voltar, pode esperar. Estarei na primeira fila.

- Vou esperar!

 

* * *

 

 Em casa, Lupi está sentada no sofá lendo um livro. Nando vem do quarto, pedindo-lhe:

- Lupi, você me arruma algum dinheiro...

- Pega ali na minha bolsa em cima da mesa.

Toca a campainha. Nando, pegando o dinheiro, diz:

- Pode deixar, eu atendo.

Abre a porta. É uma mulher e um garoto.

- Boa tarde, Nando. A Lupi está?

- Está sim, Zilda. Pode entrar. Só não repara que estou de saída.

- Tudo bem...

 Lupi recebe a amiga para uma conversa. O menino brinca com a revista em cima da mesa.

- Como vai a vida, Lupi?

- Vai indo daquele mesmo jeito. 

- E o serviço?

- Naquele mesmo ritmo. Por falar nisso.  - Olha para o garoto, pedindo-lhe: - Henrique, venha cá no colo da tia um pouco. - Ele vai num pulo. - Você quer ir ao circo hoje?

 

* * *

 

À noite no circo, Lupi e Henrique, brincando, sentam-se na primeira fila das cadeiras numeradas. Música tocando. A plateia está lotada, toda animada, vendedores de pipoca, amendoim, maçã-do-amor, dentre outros quitutes. Para a música, entrando o apresentador: 

- Respeitável público. A todos os nossos cordiais boa noite. A companhia circense “Alegria, Alegria” tem o grande prazer de estar mais uma vez nesta cidade, trazendo para o espetáculo uma noite no circo. E o espetáculo não pode parar. Abrindo nosso show, Giselli e seus cãozinhos amestrados...

 Muitos aplausos. Entra a domadora com seus animais, que fazem acrobacias. Ao saírem, o apresentador anuncia:

- No trapézio, os Bárbaros...

 Uma grande apresentação no trapézio. Muitos aplausos e assobios. 

- Agora, para a alegria da garotada, os palhaços Joaninho e Hiena.

 Lupi aplaudi sorrindo, sentindo uma coisa estranha dentro de si. Mas só entra em cena o palhaço Joaninho, abrindo os braços, ficando na ponta dos pés, cumprimentando:

- Boa noite...

- Boa noite - responde a plateia em coro.

 O palhaço olha para traz, sentindo a falta do companheiro. 

- O Hiena. O é, cadê ele? Olha aí, meninada, vamos chamar ele? Hiena?

- Hiena...? - Repete a plateia.

- Hiena...?

- Hiena...?

- Estou aqui - responde Hiena entrando espreguiçando.  - Rapaz, você não sabe que tem que trabalhar? - Pergunta bravo Joaninho.

- Eu estava descansando.

- Descansando do quê? Você só come e dorme na vida.

- Isso dá um trabalho... - Declara cinicamente.

 Todos riem. Joaninho dá-lhe um tapa. Hiena cai no chão e levanta-se chorando, esfregando os olhos.

- Vou contar para minha mãe que você me bateu.

- E você tem mãe, seu palhaço. Você é filho de chocadeira.

- É, de fato não tenho mãe - observa, parando de chorar.

- E namorada, você tem?

- Namorada??? - Entristece - Não...

- Como não? Precisamos dar um jeitinho nisto - observa Joaninho, gritando para a plateia: - Vamos arrumar uma namorada para ele, pessoal?

- Vamos - respondem em uma só voz.

 Teco, interpretando o palhaço Hiena, chega perto do ouvido de seu companheiro de cena, dizendo-lhe disfarçadamente:

- Hoje vai ser aquela moça sentada na primeira filha com o garotinho.

 Joaninho, entendendo o recado, diz alto a ele:

- Então Hiena, escolhe uma bela donzela, que eu lhe ajudarei conquistá-la.

 Ele dar uma volta disfarçadamente pelo picadeiro, parando de fronte a Lupi, apontando-a:

- Ela!!!

- Ela. Essa não pode, Hiena.

- Mas eu quero - e faz birra.

- Está bom. Para começar...

- Do começo?

- Lógico, seu burro, sua anta de chapéu atolado! - Exclama bravo, acalmando em seguida. - Bem, para começar, vai até lá e pergunte o seu nome.

- Mas o meu eu já sei.

- Não o seu, anta. O dela. - Empurrando Hiena - Vai lá...

O palhaço vai tropeçando.

- Cara senhorita de sorriso arreganhado, por gentileza, posso saber o seu nome?

- Lupi.

- É solteira ou casada?

- Solteira.

- Então está bom. Vou ali falar com meu amigo e volto já.

Você me espera?

- Espero.

 Hiena corre até Joaninho.

- Pronto. Agora, o que faço?

- Não faz, compra feito. - Todos riem. - Sei lá... Recita uma trovinha para ela.

- Ótima ideia. Mas qual?

- Que tal esta: Desde a primeira vez que te vi / Meu coração por ti se palpou / Nas correntes de teus braços / Reposei o meu amor!  - Ótimo. Vou até lá. - Dirige-se até Lupi. - Senhorita...?

- Sim...?

- Desde a primeira vez que te vi / Meu coração por ti se palpou / Nas correntes de teus braços / Amarrei a égua do meu avô! - Corre todo desengonçado até o amigo. - Joaninho, acho que dei o maior fora...

- Você não tem jeito mesmo, Hiena - observa, indo até Lupi. - Senhorita, queira perdoar a ignorância de meu amigo aqui. - Dirige-se a plateia: - Pena que não deu certo. Ela é uma moça tão bonita.

- Acho bom mesmo - diz Hiena, aproximando-se. - Não gosto dela mesmo.

- Não? Então de quem você gosta?

- De você - dá-lhe um beijo na testa e sai correndo.

- Ora, seu... - E saem correndo do picadeiro.

 Voltam para receberem os aplausos. Teco vai até Lupi, perguntando baixinho:

- A senhorita aceita jantar comigo depois do espetáculo?

- Bem que eu gostaria - olha para Henrique -, mas...

- Podemos deixá-lo em casa, primeiro.

 

* * *

 

- Gostou do palhaço Hiena? - Pergunta Teco durante o jantar.

- Muito... Você trabalha muito bem, Teco.

- Éramos para formarmos uma dupla de palhaços, se tivesse fugido comigo.

- É, éramos...

Um momento de silêncio, enquanto se alimentam.

- Lupi...? 

- Posso lhe fazer uma pergunta? - Pede, sem jeito.

- Ora, faça, Teco.

- Você está namorando alguém?

- Humm... Digamos que sim! - Responde a moça, fazendo um charminho.

- E eu o conheço?

- Digamos que sim! E você? Tem namorada?

- Não, depois de você não amei mais ninguém. O amor que senti, ou ainda sinto, por você, é uma coisa forte e única em minha vida. Você marcou demais! Por várias vezes pensei em procurá-la. Mas logo imaginei: “Não. É melhor não. Ela deve estar casada. Só iria atrapalhar a sua vida. E sofrer mais ainda!” Encontrei na vida circense, uma forma de fazer o sofrimento passar despercebido. O mundo do circo é fantástico; mas não era exatamente o que eu sonhava para mim. Queria mesmo, era um sítio, bem longe de tudo. Poder trabalhar na lavoura. Ter uma mulher, muito amorosa e alguns filhos. E essa mulher Lupi, eu gostaria que fosse você...  

- É, quem sabe um dia... - Observa meiga, deixando uma hipótese no ar.

 

* * *

 

No fim da noite, chegam em frente do prédio onde Lupi reside. Ficam por alguns instantes conversando dentro do carro. Até que ela decide:

- Bem, vou subir, Teco. - Sai do carro. - Tchau...

- Tchau...

 Ela caminha alguns passos rumo à portaria, vira-se, dizendo repentinamente:

- Teco, sabe aquela pessoa que falei que estava namorando?

- Sei, o que tem? - Pergunta de dentro do carro.

- É você...

Confessa ela, virando-se, entrando rapidamente no prédio.

Teco, sorrindo, dar partida no carro e parte feliz. 

 

 * * *

 

 Alegre, pisando nas nuvens, a moça entra em seu quarto sem fazer barulho. Nando dorme, enquanto ela começa a tirar a roupa, colocando o baby-doll.

- Hoje você demorou - diz Nando acordando de repente, espreguiçando.

- É, tive que fazer um serviço de última hora.

 Responde, deitando e se cobrindo. Instantes após, a voz de Teco vem a sua mente no momento que ele confessou: “Ter uma mulher muito amorosa e alguns filhos. E essa mulher Lupi, eu gostaria que fosse você...”. Nando vem por cima dela, começando a beijá-la.

- Hoje não, Nando. Estou com dor de cabeça. - Declara, em uma resposta padrão de todas as mulheres, afastando o marido. Vira-se, apaga o abajur, pegando logo no sono.

 

* * *

 

No jornal, o editor-chefe, em sua sala, conversa com Júnior, o repórter.

- Então a matéria sobre o circo podemos dar como terminada, chefe? 

- Terá a cobertura de encerramento. Mas isso é só para quando eles forem embora. A sua matéria e as fotos de Lupi ficaram ótimas. Hoje terei uma nova missão para vocês. Um político vai discursar em praça pública. Vocês vão dar uma cobertura jornalística.

- Ok, chefe.

- Por favor, você peça para Lupi dar um pulo até aqui. Preciso passar algumas instruções para ela, sim.

- Ela ainda não chegou. Deve ter perdido a hora.

 

* * *

 

 Em casa, Lupi ainda dorme. Acorda, liga o abajur, passa a mão no rosto, olha o despertador, dizendo a si mesmo:

- Nossa, meio-dia. Perdi a hora. Preciso correr para a redação.

 Nando está no sofá, embriagado, com um litro vazio na mão. Lupi, se arrumando-se com pressa, sai do quarto, mas ao vê-lo naquele estado, põe as mãos na cintura.

- Bebendo de novo, Nando?

- É, por que, não posso? E você, já vai puxar o saco do chefe de novo?

- Não, Nando. Não vou puxar o saco de meu chefe. - Muda o seu tom para brava. - Vou sim, trabalhar para sustentar esse seu maldito vício!!!

 E sai batendo a porta.

 

* * *

 

Em praça pública, em meio a muitas pessoas, um velho político discursa:

- Eu prometo. Iremos ter um mandato limpo. Iremos fazer de tudo para ajudar o povo. Construiremos pontes em benefício para o público...  

 Lupi vai fotografando, enquanto Júnior ouve o discurso atento e tomando nota. Em dado momento, encosta a cabeça num poste e começa a pensar:

 “Vida louca essa do jornalismo. Ontem eu estava num circo, entre alegrias e fantasias. Hoje estou aqui, entre um político raposa velha e o povo necessitado, ouvindo ladainhas! Afinal, o que é a minha vida? Minha cabeça anda mil. Uma carreira louca. Um marido ébrio, mas que amo muito. E agora o Teco... - Suspira. - Aí, Teco, por que não me sai da cabeça?”

- Tudo bem, Lupi? - Indaga Júnior, aproximando-se. 

- Ammm... - Toma um susto. - Ah, sim, tudo. Só estava descansando. 

 E volta a tirar fotos.

PRÓXIMA PARTE

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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