- Pode entrar...
Abrindo, entra
Lupi, encostando no batente, dizendo-lhe:
- Teco, preciso falar com você...
- O que houve?
- Aqui não. Podemos sair?
Minutos
depois, em frente ao portão do circo, Teco, já trocado, pergunta:
- Aonde você quer ir, Lupi?
- Sei lá, vamos caminhar por aí...
- Se você quer, vamos.
E saem caminhando pelas ruas da cidade. Após algum
tempo, ele rompe o silêncio, movido pela curiosidade:
- O que houve, Lupi?
- Estou com alguns problemas, mas não quero falar
neles. O chamei para sair comigo porque - o abraça, deita-se no ombro dele,
começa a chorar -, porque estava me sentindo tão sozinha.
E continua a chorar. Teco, afaga o seu cabelo,
dizendo:
- Calma, Lupi. Agora estou aqui. Tudo vai passar.
Você quer comer alguma coisa?
- Sim, quero - confessa, enxugando as lágrimas.
- Então vamos.
* * *
Em um
barzinho, à meia luz, com uma música romântica de fundo, sentados em uma
mesinha, Teco observa quieto Lupi comer o seu lanche.
- Que foi, Teco?
- Eu sabia que isto um dia iria acontecer.
- Isto o quê?
- Encontrar você outra vez. Valeu esperar...
- Teco - toma um gole do refrigerante -, posso lhe
fazer uma pergunta?
- Faça, Lupi. Quantas você quiser.
- Você realmente não teve outro amor, só eu?
- Sinceramente, tive pequenas aventuras. Porém, amar
mesmo, foi só você. Para falar a verdade, já tentei me enganar tentando
encontrar outro alguém. Mas agora vejo que como você não há ninguém. E
você?
- Eu!? Eu... Eu... - Ele vai aproximando de seu
rosto. - Que foi, Teco? - A beija e ela parece gostar, mas depois a moça diz: -
Você não deveria ter feito isso...
- E por que não? - Ela fica quieta.
- Eu lhe amo, Lupi. E sinto o mesmo de sua parte!
- Como você pode afirmar uma coisa assim?
- Vejo em seus olhos.
- Então você está vendo demais...
- Por que negar, Lupi?
E, abaixando a
cabeça, ela responde sem jeito:
- Tenho meus motivos.
- Deixa-os de lado.
E lhe dá outro
beijo. Ela, não resistindo, abraça-o, deixando o sentimento acontecer.
* * *
Na tarde do
dia seguinte, Lupi está trabalhando no laboratório fotográfico do jornal,
quando entra a secretária.
- Lupi, chegou este envelope para você.
- Obrigada.
Agradece pegando e abrindo o envelope, lendo
mentalmente:
Lupi!
“Quero
lhe ver novamente.
Segurar
a sua mão.
Tocar
o seu rosto.
Sentir
o tempo parar.
Quero
respirar contigo.
Como
se fosse apenas um
Não
de vez em quando
Mas
sempre.”
Amo você!
TECO
Nesse exato momento, toca o telefone, ela atende sem
tirar os olhos do cartão.
- Alô, Lupi falando...
- Gostou?
- Muito, Teco. Você realmente sabe como emocionar uma
mulher.
- Quero sair com você hoje. Tenho algo importante
para lhe dizer. Pode ser?
- Ok, Teco.
* * *
Em seu
apartamento, Lupi está no quarto, arrumando-se para sair. Entra Nando, chegando
da rua, como sempre, embriagado.
- Lupi, aonde você vai?
- Sair.
- Na certa trabalhar, puxar o saco do chefe...
- Não, Nando. Eu não vou trabalhar e, muito menos, puxar
o saco do chefe. Vou é me divertir um pouco. Está bom...
- É sempre assim. A gente casa, dá um nome a uma
mulher, um lar e conforto. Ela não tem um pingo de respeito pela gente, saindo
com outro.
Lupi, não aguentando, estoura num desabafo:
- Chega, Nando! Você já falou demais. Todos esses
anos, apesar de tudo, de nossas brigas, desse seu maldito vício de beber.
Apesar de tudo, tenho tido a maior paciência do mundo, aturando-lhe. Você
sempre chegando embriagado, brigando comigo. E a boba aqui está lhe tratando
todos esses anos, com paciência, carinho e respeito. É sim, Nando... Apesar de
tudo, ainda sinto amor por você. - Coloca as mãos no rosto. Chora um pouco,
tira e continua desabafando. - Sempre lhe respeitei e nunca sai com outro. Mas
quer saber de uma coisa? - Pega a sua bolsa em cima da cama e confessa
chorando: - É a coisa que mais tenho vontade de fazer agora...
E sai batendo a porta.
* * *
Lupi, ainda
abalada, chega ao portão do circo. Teco, que a espera, pega em suas mãos.
- Que bom que você veio.
Vai lhe dar um beijo na boca, mas ela vira-se,
pegando no rosto.
- Você quer falar comigo, Teco?
- Quero. Mas antes vamos entrar. Vou lhe apresentar o
pessoal do circo.
E os dois
entram em direção ao picadeiro, onde Teco lhe apresenta a todos que já estão a
sua espera.
- Lupi, este é o Seu Jário, domador de leões.
- Como vai, Seu Jário? - Cumprimenta num sorriso.
- Muito bem, Lupi. Prazer.
- Estes são os Irmãos Bárbaros, do trapézio.
- Como vão?
Eles balançam a cabeça respondendo ao cumprimento.
- Este é o Eloy, do número de equilíbrio. Estas são
as moças do circo. A Rita, a menina que trabalha com os elefantes e a Giselli,
a amestradora dos cachorros. E aqui o meu parceiro, o palhaço Joaninho.
- Como vai, Joaninho? Já o vi contracenando com o
Teco.
- Tudo bem, Lupi...
- Bem, essa é parte da turma do nosso circo - conclui
Teco. - Se você nos der licença, Teco,
nós vamos cuidar dos nossos afazeres - pede Seu Jário.
- Fiquem à vontade, pessoal.
E todos saem, ficando apenas o casal.
- Pessoal muito bom você tem aqui.
- É verdade. Tínhamos também uma bailarina, mas ela
teve que nos deixar para se casar. - Abraça-a. - Posso lhe dar um beijo?
Ela não
responde nada. Beija-a, olha dentro de seus olhos e diz baixinho:
- Eu lhe amo...
Lupi o abraça forte, beija desesperadamente,
confessando:
- Eu também lhe amo...!
Teco leva a
moça até o seu treiller, onde há apenas uma cama, uma mini geladeira, uma pia
com armário embutido e, num canto, uma escrivaninha. Ele puxa uma cadeira,
oferecendo à ela.
- Sente-se, Lupi.
- Simpático o seu treiller - observa, colocando a
bolsa em cima da escrivaninha.
- É, este é o meu templo de solidão - declara,
servindo um café, sentando-se na cama. - Quantas e quantas vezes me deitei
nesta cama para pensar em minha amada. Só que isto acabou. Agora você está
aqui. E eu quero amá-la.
Lupi
levanta-se da cadeira, sentando-se na cama, abraçando-o, dizendo em um sorriso
malicioso:
- Para isto, estou aqui.
Os dois se
beijam, deitando-se na cama. Ele começa afagar seu cabelo, acariciar seu corpo.
Começam a dar risadas. Peças de roupas íntimas são jogadas para o alto,
enquanto o quadro na parede do palhaço Hiena, mudo, assiste a tudo.
* * *
Os dias
passam. Na redação do jornal, ela é novamente chamada à sala do editor-chefe
para mais um trabalho.
- Lupi, quero que você e um repórter, o qual ainda
não escolhi, vão reportar a partida do circo “Alegria, Alegria”.
- O senhor está brincando!? - Exclama, sem saber o
que fazer, caindo sentada na cadeira.
- É sim. O circo faz seu último espetáculo hoje. É
uma pena. Ele nos deu um bom lucro em matéria de publicidade.
* * *
A moça sai
caminhando pelas ruas, com sua máquina e a bolsa. Ao avistar um orelhão
público, para, tira de seu bolso da frente da calça uma ficha, vai até ele.
Coloca a ficha, disca e espera um pouco.
- Alô, Teco?
- Alô, é você, Lupi?
- É verdade que vocês irão partir?
- Sim, infelizmente teremos que ir - responde em voz
baixa e mansa.
- E tudo que houve entre nós?
- Foi muito bom. Mas...
Ele não
consegue completar, começando a chorar e desligando.
Lupi também começa a chorar.
* * *
Naquela noite,
Lupi não é capaz de ir até o circo para cumprir o seu dever de fotógrafa.
Na manhã
seguinte, com uma grande dor no coração, Teco assiste parado todo o pessoal
desmontar o circo para a partida. De repente, alguém o chega por trás,
perguntando-lhe:
- Será que o circo ainda está precisando de uma
bailarina?
Ele vira-se devagar, contemplando Lupi com uma mala
na mão.
Abrindo um sorriso, responde-lhe:
- Acho que não precisa mais...
* * *
Já estalados em uma nova cidade, o show tem que
continuar. No picadeiro, o conjunto do circo apresenta-se. As moças cantam,
enquanto Teco e Lupi assistem, pela fresta da cortina. Por trás, abraça Lupi
pelos quadris, encostando o queixo em seu ombro. Ela coloca suas mãos em cima
das deles.
- Afinal, como ficou o seu emprego e sua vida?
- Não importa - vira-se e beija-o. - O que interessa
é que nós agora estamos juntos!
Acaba o
número.
- Eu lhe amo, Teco...
- Você ainda canta bem, como nos tempos de escola?
- Devo cantar. Por quê?
- Você vai ver. - Larga ela, vai até o conjunto, pega
o microfone e anuncia:
- Plateia amiga, agora nossa mais nova funcionária do
circo irá cantar para nós uma música bem romântica. Com vocês, a senhorita
Lupi...
A plateia
aplaudi. Lupi, atrás do picadeiro, é incentivada pelos artistas. Até que entra,
pega o microfone e começa a cantar uma antiga canção com muita emoção. Ao
terminar a música, confessa publicamente:
- A melhor coisa do mundo, é estarmos ao lado da
pessoa amada...
Aplaudida,
corre em direção aos bastidores, onde indaga o seu companheiro:
- Teco, por que você fez isto?
- Porque queria revê-la cantar.
- Você é louco?
- Não, mas vamos nos arrumar, que o espetáculo vai
começar.
* * *
Os dias vão passando naquela vida circense. Até que
na manhã de um domingo, resolvem fazer um pic-nic à beira de um riacho, ali
perto de onde o circo está instalado. Na grama sentados, Lupi e Teco observam o
pessoal do circo correndo, brincando, jogando bola, rindo e nadando.
- São poucos os momentos de lazer que a vida circense
nos proporciona - comenta Teco.
O palhaço Joaninho aproxima-se:
- Teco, teremos matinê hoje?
- Hoje não, Joaninho...
- Mas hoje é domingo? - Observa Lupi.
- Por isto mesmo. Merecemos um descanso.
Seu Jário aparece apavorado, gritando:
- Teco, Teco, os leões escaparam e foram rumo a
cidade.
- Como isso aconteceu?
- Não sei. Quando ouvi os rugidos, eles já tinham
escapados.
- Essa não - lamenta o moço, levantando-se rápido.
A polícia
local é mobilizada. Tempos depois, uma cena triste de se ver. Um policial da
PM, com uma espingarda nas mãos. No chão, dois leões mortos com muito sangue em
volta. Um grande público ao redor. Teco e Seu Jário olham, enquanto o policial
diz:
- Infelizmente tivemos que fazer isso. Não tínhamos
outra saída...
- Eles feriram alguém? - Pergunta Teco.
- Graças a Deus, não - responde o policial.
- O que será de mim agora, sem os meus leões? -
Lamenta Seu Jário.
- O número dos leões terá que acabar. Certamente, a
nossa licença para isto será cassada. Mas nós iremos encontrar outra atividade
para o senhor.
- Não, Teco... A minha vida foi inteira dedicada aos
leões. Agora que tudo se acabou, acho que já é hora de parar com essa loucura
que é a vida circense. De cidade em cidade, dia após dia, entra e sai ano. Já é
hora de voltar a minha terra natal e aposentar-me. O circo, Teco, é o picadeiro
de uma ilusão!!!
* * *
A vida tem que
continuar. Todos os funcionários estão montando o circo em outra cidade, sendo
observados por Teco. Um funcionário aproxima-se dele, perguntando-lhe:
- Teco, quer que eu vá com o carro fazer propaganda
pela cidade?
- Se você quiser, mas acho que não precisa. Em cidade
pequena as notícias correm rápido...
* * *
Na noite de
estreia, no camarim, Teco pinta-se diante da penteadeira. Entra Joaninho.
- Como está lá fora?
- Fraco, Teco. Têm umas vinte pessoas. O que você
acha? Devemos cancelar?
- Não, é assim mesmo. O povo das pequenas cidades,
quando o espetáculo começa, eles entram de uma vez.
O apresentador
entra ao picadeiro com o chapéu na mão e microfone na outra:
- Respeitável público. A todos, os nossos cordiais
boa noite. A companhia circense “Alegria, Alegria”, tem o grande prazer de
estar mais uma vez nesta cidade, trazendo para todos o espetáculo uma noite no
circo. E o espetáculo não pode parar. Abrindo nosso show, Giselli e seus
cãozinhos amestrados...
Giselli entra,
faz o seu show e sai.
- Aplausos para a pequena Rita e seus elefantes.
E outras atrações vão sendo anunciadas:
- Agora um momento de encanto em nosso show. As
bailarinas Lupi e Giselli irão dançar a música mexicana “Tequila”.
Apagam-se as
luzes, iluminando só o picadeiro para a apresentação.
- O equilibrismo também tem a sua vez. Com vocês,
Eloy...
Ele faz seu número com pratos, copos, etc.
- O momento mais esperado. No trapézio, os irmãos
Bárbaros. E assim o espetáculo vai sendo
apresentado para aquelas poucas pessoas. No dia seguinte, Teco diz ao pessoal:
- O show de ontem foi fraco. Mas hoje será melhor...
Mas não é.
Detrás dos bastidores, Teco e o apresentador, puxam uma frestinha na cortina e
olham o público.
- A mesma soma de ontem.
- Realmente...
- Devemos cancelar Teco, e devolver os ingressos?
- Melhor não, o show tem que continuar. - Vira-se para
o sonoplasta. - Coloca o fundo musical. - Olha para o apresentador. - Vamos
começar... Boa sorte!
O apresentador
entra e o mesmo espetáculo do dia anterior é apresentado. até que no final...
- E agora, fechando a nossa noite com chave-de-ouro,
os irmãos Bárbaros no trapézio... Aplausos!!!
Os trapezistas
começam a fazer o número. De repente, numa fração de segundo, o cabo de aço do
trapézio começa a romper-se. Ao se quebrar por total, um dos trapezistas vai
caindo acompanhado pelos gritos de espanto da plateia. Todos do circo correm
para acudi-lo.
* * *
Na sala de espera do hospital, Teco está em pé
preocupado, enquanto o pessoal em silêncio pelas poltronas. Ele indaga:
- O que será que está acontecendo?
- Calma, Teco - pede Giselli, indo acalmá-lo. - Tudo
vai dar certo!
- É, vai dar tudo certo - repete Lupi que, num gesto
de ciúmes, vai abraçá-lo.
Entra um
médico na sala, perguntando:
- Quem é o responsável pelo circo?
- Sou eu - aproxima-se. - Como ele está, doutor?
- Ele sofreu algumas lesões, mas irá ficar bom - abre
um sorriso.
- Graças a Deus! - Exclama Teco, caindo sentado,
agradecendo de cabeça baixa.
* * *
À noite, na
cama do treiller, cobertos por lençóis, Teco e Lupi conversam abraçados:
- Geralmente, as cidades pequenas dão pouco
movimento. Mas essa má fase irá passar.
- E esses acidentes que estão ocorrendo?
- Isso acontece. A vida circense é cheia de
imprevisto. Agora, mudando de assunto, me dá um beijo.
Ela beija-o.
– Mas agora vamos pensar um pouco só em nós?
- Eu lhe amo, Teco.
E beijam-se novamente.
* * *
Giselli, entra
no circo com algumas cartas na mão, distribuindo. Vai até Teco, o qual está
limpando as cadeiras.
- Teco, chegou uma carta para você. Também tinha uma
para a Lupi, que já deixei com ela no treiller.
- É, e de quem era?
- Não sei. O remetente era nome de homem.
- Deve ser algum parente. Bom! Avisa o pessoal que
amanhã iremos embora.
* * *
Naquela noite,
Lupi e Teco estão dormindo no treiller, quando acordam com gritos vindos de
fora:
- “...você me traiu, você me enganou...”
- “Eu posso explicar”.
- “Não quero a sua explicações, seu canalha”...
- O que será isso? - Indaga Teco.
- Não faço a mínima ideia - responde Lupi. - Vamos lá
fora ver.
Na portaria do
Circo, Eloy e sua esposa Nete, estão discutindo na presença de todos.
- O que aconteceu? - Pergunta Teco, aproximando-se de
Giselli.
- Nete o pegou aos beijos com uma mulher aqui da
cidade.
Então o rapaz
entra no meio da discussão, ordenando:
- Por que vocês dois não resolvem isto a sós lá
dentro do camarim?
Lá dentro, Eloy tenta se explicar:
- Eu recebi um recado que alguém queria falar comigo.
Você estava dormindo. Fui até lá fora, onde essa moça que eu nunca vi, disse
que ao me ver no show, ficou louca por mim e se atirou para cima de um tal modo
que não deu para impedir o beijo. Acredite...
- Alguém bateu na parede de nosso treiller - relata
Nete de cabeça baixa. - Acordei assustada, percebendo que você havia saído.
Resolvi procurá-lo, quando saí caminhando e vi aquela
cena.
- Então foi tudo uma armada? - Admira Eloy.
- Tudo indica que sim. Mas enquanto nada ficar
provado, você continua tendo culpa no cartório...
* * *
Sentado em sua escrivaninha dentro do treiller, Teco
apoia a cabeça com as mãos. Lupi entra:
- Que foi? Está preocupado?
- Estive fazendo as contas. Já fazem três meses que
estamos percorrendo essas cidades e tendo um público pequeno, entrando pouco
dinheiro e aumentando as dívidas. Ainda mais com esses incidentes que vem
ocorrendo... É duro, mas o pagamento do pessoal irá atrasar...
Nesse momento,
Giselli bate à porta apavorada:
- Teco, Teco, seu João está passando mal.
Correm até o
treiller do dono do circo e velho apresentador. Na cama, respirando com
dificuldades, conversa com Teco, o qual está triste ajoelhado na beira do
leito.
- Teco, sinto que minha hora está chegando. Quero lhe
fazer um pedido.
- Faça, seu João...
- Aconteça o que acontecer, nunca deixe o circo. Até
agora você foi ótimo administrador. Não deixe o “Alegria, Alegria” acabar,
pois, o picadeiro de uma ilusão agora é seu. E que você e Lupi sejam feli... -
Falece sem completar.
- Eu prometo... - Diz Teco chorando.
* * *
Dias após,
Teco reúne no picadeiro todos os artistas e funcionários do circo onde, ao
centro, ele explica a situação:
- Bem pessoal; todos estão vendo a situação difícil
que o circo está atravessando. Um incidente atrás do outro. A casa sempre
vazia. Estou fazendo o possível para evitar, mas este mês não haverá pagamento.
Lógico que ninguém irá ficar sem comer. Não se preocupe, pois assim que
normalizar, pagarei os atrasados.
- Quanto a isto, tudo bem - diz Eloy, dando um passo
à frente.
- Mas nós temos um pedido a fazer...
- O que foi, Eloy?
- Nós nos reunimos e decidimos. Queremos que a Lupi
vá embora...
- Mas por quê?
- Desde quando ela aqui chegou, tudo está dando
errado para nós. Lupi está nos trazendo forças negativas. O “Alegria, Alegria”
está se acabando aos poucos. Desculpe Teco, mas esse é o pedido de todos nós.
- Talvez vocês tenham razão - toma a palavra Lupi,
surpresa e decidida. - Acho melhor eu ir embora. Não nasci mesmo para a vida
circense. Talvez realmente eu seja essa força negativa.
- Mas Lupi...
- Será melhor assim, Teco. É a vontade da maioria...
* * *
Mais tarde no picadeiro, apenas o casal conversa.
- Pense melhor, Lupi.
- Já pensei - confessa com a mala na mão. - Será
melhor atender o pedido deles. E também estou com um pouco de saudade da minha
vida de repórter-fotográfica.
- E tudo que houve entre nós?
- Quero levar como uma boa lembrança. Esta despedida
iria mesmo ter que acontecer um momento. Um dia, até os sonhos se acabam!!!
- Fogo... - Aparece Rita gritando. - A lona está
queimando.
Todos correm para ajudar a apagar. De repente, um
funcionário grita, apontando:
- Alguém correu para lá...
- Deve ser o culpado... Vamos pegá-lo...
O fogo é controlado a tempo. O culpado também e
capturado e a polícia chamada. Vão todos para o centro do picadeiro, conhecer o
malfeitor que está entre dois policiais. Teco, olhando surpreso para essa
pessoa, desabafa:
- Você... Mas por quê? Por que, se aqui você sempre
teve de tudo? Aqui nós fomos a sua família. Sempre admiramos você... Os outros
acidentes também foi culpa sua? Acho que merecemos uma explicação, Giselli!
De cabeça baixa, algemada, responde com calma:
- Eu assumo a responsabilidade de todos os acidentes.
Tive um grande motivo para isto. A jaula dos leões fui eu quem abri. Seu Jário
fui eu quem o convenceu que estava velho e na hora de se aposentar. No
trapézio, serrei os cabos. A briga de Eloy e Nete, planejei, pagando uma moça
para fazer aquilo. A morte de Seu João, coloquei veneno em sua comida. E agora
o fogo na lona...
- É inacreditável! - Exclama Eloy.
- Também fui eu quem convenci o pessoal que Lupi nos
trazia azar e deveria ir embora.
- Mas por que isto, Giselli? Que motivo é esse?
- Porque eu lhe amo, Teco - abaixa a cabeça e começa
a chorar. - Antes dela chegar, você era mais atencioso comigo. De repente
mudou. Era eu que deveria fazer parte de sua vida. Dividir a cama e os prazeres
com você. Você era tudo para mim. Depois que ela chegou, terminaram as minhas
chances. Então decidi que todos eram culpados por apoiar o seu romance. Todos
deveriam pagar por isto. Teco, perdoe-me, amor. - E começa a gritar: - Eu lhe
amo, quero ser sua. Diz que também quer ser meu...!
- Pode levá-la... - O moço diz aos policiais.
Eles saem com
Giselli. Teco senta-se na cerca do picadeiro, abaixando a cabeça. Lupi vai
consolá-lo:
- Calma, meu amor. Já passou...
- Realmente, antes de você aparecer - levanta a
cabeça -, andei dando bola para ela. A Giselli me parecia uma pessoa meiga e
dócil. Trata-me com atenção, fui me envolvendo por ela. De repente, você
apareceu e nem mais dei atenção à ela. Talvez por isto, ela revoltou-se e fez
tudo isto. Droga! Isto não pode estar acontecendo. Não pode ser verdade...
- Calma, meu bem - pede Lupi, abraçando a sua cabeça,
enquanto ele chora.
- Chora sim. Chorar faz bem...
- Teco...? - Chama Eloy, aproximando-se com os demais.
- Sim, Eloy?
- Queremos dizer que sentimos muito pelo que houve...
- Tudo bem. Obrigado...
- Queremos também que você Lupi, perdoe-nos e que
fique conosco.
- Ficar como, se nem sei o que será do circo -
responde Teco no lugar dela, dando uma pausa, um suspiro, continuando: - É isso
aí, pessoal. O “Alegria, Alegria” está pindurado. O que vamos fazer?
- Vamos dar a volta por cima - toma a palavra, Lupi.
- Não vamos deixar a nossa alegria e a nossa bandeira cair. Substituiremos os
que faltam. Montaremos um novo espetáculo. O show não pode parar!!!
-É, a Lupi tem razão...
E todos aplaudem. E Teco deixa uma indagação no ar:
- Sim, mas quem será o apresentador?
* * *
Os dias vão se
passando e tudo refeito. Até que chega à noite da reestreia. As arquibancadas
enchem. Muita animação. De repente, o fundo musical anuncia o início do
espetáculo, surgindo a voz e entrando o novo apresentador. Lupi...
- Respeitável público. A companhia circense “Alegria,
Alegria”, tem o orgulho de trazer até a sua cidade, uma noite no circo. E com
vocês, Nete e seus cãozinhos amestrados...
O público
aplaude. Nos bastidores, Joaninho olhando pela fresta da cortina juntamente com
Teco, comenta:
- É, perdermos uma bailarina, mas ganhamos uma ótima
apresentadora...
- Você tem toda razão - olha para ele e dá uma
risadinha.
- E agora com vocês, a alegria do circo. Os palhaços.
E a noite é um sucesso!
- Aqui
chegamos ao fim de mais uma grande noite. Esperamos que todos gostaram e voltem
amanhã para mais uma noite inédita. Boa noite para todos...
A moça corre para os bastidores, procurando Teco.
- Então, como fui?
- Você foi simplesmente ótima!
E se beijam.
* * *
A alegria toma
conta de todos os membros do circo. Tudo passa a dar certo. A casa sempre cheia
e a harmonia volta a reinar entre todos. Dois meses se passaram...
- Ainda bem que o circo voltou ao que era antes -
comenta Teco durante um jantar em seu treiller. - Graças a você que me levantou
a moral naquele dia que descobrimos tudo sobre Giselli. Por falar nisto, ela
não foi presa e sim para um hospital psiquiátrico...
- É, mas não vamos falar nisso agora. Beija-me...
Beijam-se.
- Teco, você já pensou o que pode acontecer se eu
tiver que partir um dia?
- Morrer, por exemplo?
- Não... Digamos, ter que ir embora do circo?
- O que houve, Lupi? - Pergunta ele sério. - Alguém
voltou a querer isto?
- Não, apenas uma suposição... - Beija-o. - Eu lhe
amo...
* * *
Dias após,
Lupi e Nete estão em um supermercado fazendo compras para o circo.
- Esqueci de pegar alface - lembra Lupi.
- Pode deixar. Vou buscar.
Oferece-se
Nete, saindo. Neste momento, um homem aproxima-se por trás, chamando-a:
- Lupi...?
Ao virar-se, a
moça tem uma surpresa. É o editor-chefe do jornal onde ela trabalhava.
- Chefe...?
- Preciso conversar com você.
- Mas aqui não. Tenho que levar estas compras para o
circo. Por favor, eu lhe encontro daqui uma hora na praça municipal.
* * *
Ao chegar lá,
ele já está sentado em um banco a sua espera.
- Você recebeu a minha carta pedindo para voltar ao serviço, Lupi?
- Recebi, mas não tive coragem de responder.
- Pois é... Aquele prazo que você pediu de licença
para acompanhar o circo, escrever um grande ensaio sobre a vida circense e dar
um tempo na sua vida de casada, terminou. O jornal agora precisa de você. Tanto
é verdade, que resolvi lhe promover a diretora do Departamento de Imagem. E o
Nando, mais do que nunca, agora precisa de você.
- Ele ainda bebe?
- Depois que você partiu, ele passou a beber ainda
mais. Até que os amigos convenceram-no a se internar em uma clínica para
tratamentos. Lá os médicos e psicólogos acharam melhor convencê-lo que você
iria voltar e, por isto, ele tinha que deixar o álcool para nunca mais lhe
perder. Agora o futuro dele está em suas mãos. Se você não voltar, ele poderá
começar a beber outra vez, e não terá mais cura. E então...
- Eu quero vê-lo primeiro, antes de qualquer
decisão...
* * *
Aproveitando
um dia de folga, Lupi alega que precisa renovar a sua carteira de fotógrafa,
fazendo uma rápida viagem até a sua cidade. Vai ao seu antigo apartamento onde,
apesar de ter as chaves, prefere tocar a campainha. Nando logo vem atender,
surpreendendo-se ao abrir a porta.
- Você!?
- Posso entrar? - Pede sem jeito.
- Lógico. Este apartamento nunca deixou de também ser
seu.
- Como vai você, Nando?
- Vou indo - responde, fechando a porta. - E você,
Lupi?
- Estive por aí em algumas aventuras fotográficas,
mas resolvi voltar. - Sentam-se no sofá frente a frente. - Quero mesmo, é saber
de você...
- Bom... Parei de beber. Peguei aquelas nossas
economias, montei uma oficina mecânica, a qual está indo muito bem. E como você
mesmo pode reparar, reformei o nosso apartamento e já troquei parte dos móveis.
- Legal...
- Fiz tudo isso só para tê-la de volta. E então,
Lupi... Você irá voltar?
* * *
Lupi volta
para o circo com o seu psicológico abalado. Mais uma vez a vida lhe cobra a
tomada de uma decisão. Porém, prefere deixar o espetáculo do circo acontecer
normalmente.
Depois,
enquanto tiram as roupas no treiller, ele de palhaço e ela de apresentadora,
não aguenta mais suportar aquela angústia dentro de si, abrindo-se:
- Teco, tenho algo a lhe dizer.
- O que foi?
- Tenho que ir embora. - Senta-se na cama.
- Mas por que, Lupi? - Parando de retirar a
maquiagem, ficando sério. - Está indo tudo tão bem.
- O passado me chama. O editor do jornal onde
trabalho veio me buscar. Ele prometeu-me a direção do Departamento de Imagem.
Isso foi o que eu sempre desejei.
- Só apenas por uma promoção, você vai me deixar? -
Deixa rolar as lágrimas.
- Não, Teco - também começa a chorar. - Eu lhe
enganei todo esse tempo. O meu casamento com o Nando nunca acabou. Quando você
reapareceu, a nossa relação não ia indo muito bem. Então, num gesto de covardia
talvez, entreguei-me a você inventando esse amor, como uma forma de fugir da
minha realidade. É Teco, eu lhe usei como uma forma de fugir e esquecer do meu
passado. Não que todo a amor que disse sentir por você seja falso. Pelo
contrário. Tenho até uma carisma muito grande por você. Só que o grande amor de
minha vida ainda é o Nando. Espero que você me entenda e, por favor,
perdoe-me...
- Perdoar por que, se fui feliz ao seu lado? Vá Lupi,
siga o seu destino... Pensando bem, você não poderia mesmo ser minha para a
vida inteira. Era bom demais para ser verdade. Tudo foi um sonho bem vivido e
chegou à hora de despertarmos. Afinal, o que é a vida, senão um verdadeiro
picadeiro de ilusões?
* * *
Tempos depois,
Lupi está em seu apartamento, sentada em sua mesa de estar, diante de uma
pequena máquina de escrever, concluindo o seu livro:
“Então a
Borboleta Sonhadora teve que voar de volta para o seu passado. Deixou de sonhar
no mundo do circo. Hoje ela vive na velha rotina do jornal. Realmente, seu
marido mudou, não bebendo mais e sua oficina tornou-se a melhor da região. Está
tudo tão bem que a Borboleta traz dentro de si uma outra vida... Mas, às vezes,
há aqueles instantes nos quais a Borboleta gostaria de saber o que o destino
reservou para o Palhaço?”
FIM