- Pessoal, gostaria de lhes apresentar o Henrique, nosso novo companheiro de trabalho. Após vários trabalhos independentes em sua carreira de programador, está sendo contratado para desenvolver um programa específico para a nossa rede de computadores.
À primeira vista, Henrique é um rapaz simpático, daquele que faz amizade com facilidade. Tamanho mediano, nem gordo, nem magro, branco, cabelos castanho, liso e curto, barbudo. Olhos claros, oblíquos, expressivos, sobrancelhas, nariz e boca pequenos.
- Como vai, Henrique? – Perguntam os rapazes.
- Seja bem-vindo! – desejam as moças.
- Obrigado – agradece meio tímido, com certa dificuldade de dicção, por ter paralisia cerebral, que apesar de ser esse o nome, não significa paralisação do cérebro, mas sim lesões cerebrais que mandam ordens incorretas aos músculos do corpo, gerando movimentos involuntários - como no caso do personagem Christy Brown, em Meu Pé Esquerdo (My Let Foot). No caso de Henrique, afetou apenas o sistema de coordenação motora, permitindo-lhe uma inteligência normal, o que levou-o a estudar em escolas ditas “normais” e a buscar vitórias e conquistas na vida. Só que, a desinformação sobre o que realmente é paralisia cerebral, levam muitas vezes essas pessoas a serem confundidos e tratados como se tivessem deficiências intelectuais. Mas, em suma, devido à lesão sofrida em alguns de seus centros, o cérebro não consegue mandar corretamente aos movimentos do corpo.
Desde muito pequeno, Henrique fez terapias de reabilitação o que lhe proporcionou uma autonomia em quase todos os sentidos. Só que, infelizmente, por motivos de circunstâncias do dia-a-dia e dedicação aos estudos, ele abandonou o tratamento. Sempre teve um círculo restrito de amizades o que fez de si uma pessoa tímida e com grandes dificuldades no aspecto sentimental, devido a falta de experiências anteriores. Mora com sua mãe em um bairro de periferia. Mesmo com sua dificuldade de dicção -, tem certa facilidade de comunicação, conquistando todos os que o conhece.
Henrique gosta de estar à vontade, veste sempre camisa, calça e jaqueta jeans e tênis. Fora do campo sentimental, possui uma personalidade forte, é convicto, sabe sempre o que quer e onde chegar. Mantém ideias formadas sobre diversos assuntos, mas revela um tipo de comportamento mais passivo, preferindo acatar sugestões ou obedecer ordens no local de trabalho. Já em ambientes que se sente à vontade é extrovertido, demonstra suas emoções e sentimentos expondo livremente as suas ideias, o que, às vezes, lhe trás alguns prejuízos. Alegre, entusiasmado com a vida e tranquilo, Henrique é altamente sensível. Sempre honesto, leal e preocupado com o seu semelhante, é aquele tipo de pessoa que todos gostariam de ter como amigo.
E, naquele primeiro momento, começa a conversar com os rapazes, conquistando a simpatia de todos.
* * *
No dia seguinte, sozinho numa sala e sentindo-se mais à vontade, Henrique começa a estudar e desenvolver seu programa. Essa rotina solitária é quebrada na hora do almoço, quando precisa se dirigir ao refeitório. Tudo parece correr bem quando, ao perceber que a refeição é servida em bandejões; sente que terá dificuldade de se servir sozinho. Mas uma moça aproxima-se espontaneamente, indagando:
- Você precisa de ajuda, Henrique?
- Preciso, para eu me servir sozinho fica um pouco difícil.
- Não se preocupe, eu o ajudo. Antes deixe me apresentar. – Estende-lhe a mão direita: – Meu nome é Murielli.
O rapaz aperta a sua mão.
- Muito prazer, Murielli.
- O prazer é todo meu. Agora vá me dizendo o que você quer comer, que vou lhe servindo.
Após servir a bandeja para ele, a moça sugere:
- Venha se sentar na minha mesa. Estou sozinha.
Sem jeito, Henrique a segue, embora sentindo-se desconfortável por estar perante uma moça aparentemente tão fina, como nunca vira antes. O que de fato ela é. Murielli é relações internacionais da empresa. Alta, magra, de traços delicados, cabelo castanho, sempre preso em coque. Costuma usar terninho, meias finas e sapato alto. Maquiagem leve, apenas realçando seus olhos verdes. Com 26 anos de idade, é dinâmica e prática, não deixa problemas para depois. Direta, fala o que tem que ser dito, mas é insegura diante de seus sentimentos. Sensível, carinhosa, dedicada aos amigos e família. Reside com seus pais e com um irmão.
- Fique à vontade, Henrique. Aqui estamos entre amigos. Qualquer coisa que precisar, é só dizer.
- Obrigado, a senhora é gentil.
- Imagina. É só a minha obrigação. Mas por favor, você está proibido de me chamar de senhora. Somos ou não somos amigos?
- Sim, somos – concorda o rapaz num sorriso: - Mas me diga, o que você faz aqui na empresa?
- Sou Relações Internacionais. Formada em Comércio Exterior, modesta parte, tenho amplo conhecimento de inglês, espanhol e um português impecável, entendendo de relações econômicas, políticas e jurídicas entre as nações. Estagiei na filial americana desta empresa e atualmente faço NBA em Relações Internacionais.
- Nossa, você tem uma ampla cultura pelo jeito.
- Nem tanto como queria. Só que na minha profissão preciso me manter informada sobre atualidades mundiais. Aqui no dia-a-dia da empresa levanto informações para concretização de acordos, convênios e intercâmbios comerciais com companhias estrangeiras e de programas de investimentos internacionais. Mas agora que lhe apresentei o meu currículo, fale sobre o seu.
- O meu não chega nem perto do seu, Murielli. Sempre tive uma grande vocação para o mundo da informática, mas minha formação técnica é apenas em ciências da programação, atividade em que sempre trabalhei como programador independente. Gosto de ler muito, fazer pesquisas e estar sempre aprendendo mais, uma forma de reciclagem.
- Você diz apenas técnica? - acha graça a moça: - Eu com toda a minha formação acadêmica ainda nem sei ligar um computador.
- Lógico, tem uma secretária a sua inteira disposição para digitar todos os seus textos e relatórios - comenta um rapaz, aproximando-se da mesa: - Desculpe-me interromper a conversa de vocês, mas eu gostaria de lhe fazer um convite, Murielli. Amanhã é o meu aniversário e o pessoal vai até a boate comemorar. Quer vir conosco?
- Sim João, eu irei. Obrigada pelo convite.