10 - QUEBRANDO ROCHAS

Jéssica, ao chegar à escola para os últimos preparativos do Encontro de professores, notou muitas obras. Construções de rampas, degraus rebaixados, bebedouros, piso tátil, sinalizações. A escola a partir de agora teria a acessibilidade total.

A professora Paula também compareceu para ajudá-la. Juntos com Lígia Ester, Kotty e o pessoal da secretaria, foram escolhidos os temas, feitos contatos com alguns profissionais para palestrarem. O auditório, a mesa das autoridades no palco, o telão e tudo foi organizado com muito empenho.

Chegou o dia do Encontro. Existia até uma ansiedade por parte da equipe organizadora. Só que a diretora notou algo estranho.

- Engraçado Kotty, já deu o horário e nem metade dos nossos professores estão aqui. O que pode ter acontecido?

- Vou verificar dona Lígia Ester. Deixa comigo!

Ela foi conversar com os professores. Lígia Ester acertava os últimos detalhes com Jéssica e a equipe. Minutos depois Kotty voltou, contando:

- Pessoal já sei o que aconteceu. A nossa digníssima professora Aparecida organizou uma excursão para uma cidade de águas térmicas e a maioria dos nossos professores foram com ela.

- Eu não acredito nisso! – Exclamou Lígia Ester.

Por instantes elas se olharam em silêncio. Um desânimo parecia querer tomá-las. Segundos depois iniciou-se um som de várias pessoas vindo de fora do auditório. Olharam todas para porta. Um grande grupo de professores de outras escolas do município começou a entrar e se sentar. Uma represente foi até elas, explicando:

- Desculpe-nos dona Lígia Ester a gente vir sem avisar ou sem ser convidados. Mas nós não poderíamos perder essa oportunidade. Ainda mais depois que assistimos aquela brilhante palestra da professora Jéssica.

O Encontro teve início com todos empolgados. Foi formada a mesa de autoridades. Tocado o Hino Nacional. Alguns breves discursos. Lígia Ester explicou a todos a programação do dia e o objetivo do Encontro. A mesa foi desfeita e iniciou-se as atividades. Jéssica foi a primeira a falar, propondo uma dinâmica de grupo.

- Pessoal, todos nós sabemos que a Educação Inclusiva está avançando muito em nosso país. Mas também sabemos que ainda há muitas resistências com relação a ela. Como uma primeira proposta de hoje, convido alguns de vocês a nos relatar não exatamente o que pensam, mas as coisas contrarias à Educação Inclusiva que percebem em seu dia a dia, sem precisar identificar os autores dos pensamentos.

Uma rápida pausa pensativa por parte de todos. De repente, professores começaram a relatar:

- Vejo que as pessoas trabalhando muita a parte teórica, mas quando vão para a prática, não tem interesse, jogam a responsabilidade somente para o professor.

- Professores não acreditam na inclusão, dificultando as intervenções.

- Os professores reclamam de falta de capacitação para atender aos alunos, porém não se interessam em realizar capacitações. Muitos são contra a inclusão.

- Para eu, os principais problemas são a resistência a presença da mediadora. Ausência da sala de recursos. Falta de acessibilidade.

- Ainda é muito difícil trilhar o processo de inclusão nas escolas, onde parte da equipe não se entrosa nessa luta. Existem muitas barreiras atitudinais não só do acesso ao estudante, como o de professores com deficiência. No meu caso já passei por situações vexatórias de exclusão em seleção.

- Normalmente parte da equipe faz um discurso muito bonito a respeito da inclusão, mas infelizmente fica apenas na teoria, pois não colocam o que dizem em prática.

Jéssica retomou a palavra:

- Então, em uma rápida exposição, vimos alguns pontos negativos. Agora, por favor, peço que alguém nos traga algum exemplo positivo.

Um professor levantou a mão, pedindo a palavra:

- Quando se trabalha com um grande número de profissionais que atuam na mesma área é inevitável ter muito êxito ao planejar ações coletivas. Tenho vários problemas sim, no entanto faço um pouco de cada vez e aos poucos os colegas vão percebendo que as transformações de pensamento e ações devem acontecer.

- Pessoal, o professor nos trouxe dois pontos fundamentais. A importância do trabalho em equipe e que muitas vezes vamos aprendendo e compreendo as mudanças por meio de bons exemplos e resultados animadores. Com isto estaremos quebrando rochas e florindo um jardim de possibilidades. E para conhecermos uma dessas possibilidades, quero convidar o professor Lúcio Aguir, docente e pesquisador no campo da Pedagogia, que aceitou ao nosso convite para falar sobre a Pedagogia Diferenciada.

O professor subiu ao palco aplaudido. Após os cumprimentos, ele iniciou a sua fala:

- Em Educação Inclusiva, o professor, como mediador desse processo inclusivo, precisa conhecer de perto seus alunos, familiarizando-se com as estratégias cognitivas aplicadas por eles na resolução de situações-problema. Dessa forma, poderá ajudá-los, por meio de constantes questionamentos, a elaborar hipóteses que os aproximem cada vez mais da formalização das noções e conceitos trabalhados. No fazer pedagógico precisa contar com a exploração de temas transversais e a integração entre as diversas disciplinas. Ao exercício da cidadania, à aceitação das diferenças e ao desenvolvimento do sentimento de pertinência à nação brasileira. Por conseguinte, os alunos poderão atuar de forma mais consciente e responsável, reconhecendo-se capazes de agir para transformar. 

A plateia assistia em total atenção. E o docente continuou:

- É a chamada Pedagogia Diferenciada ou da Diversidade, pautada na reflexão da prática educativa com um novo olhar, sensível às diferenças, atento à dinâmica e às demandas de cada classe como um todo e aos limites e possibilidades de cada aluno, único, singular, porém ao mesmo tempo igual, semelhante em direitos, deveres, necessidades e em valor. O desafio da inclusão exige uma mudança global na organização e funcionamento da escola, que necessita adaptar o seu projeto político-pedagógico, revendo paradigmas psicológicos, didáticos, socioculturais e administrativos, para assegurar a todos os seus alunos as melhores condições de desenvolvimento e aprendizagem.

O almoço foi preparado no refeitório da própria escola, embora houve a necessidade de pedir reforço devido a grata surpresa do aumento de professores participantes vindos de outras escolas.

Na fila para se servir, Lígia Ester encontrou-se com a professora Marta, perguntando-lhe:

- Você não quis ir à excursão de sua amiga?

- Não dona Lígia Ester. Achei que este Encontro seria muito mais importante para mim.

- Muito bem, professora, fico muito feliz em ouvir isto. Mas se você me permite, gostaria de lhe perguntar. A Aparecida organizou essa excursão antes ou depois que enviei a circular comunicando o nosso Encontro?

Marta ficou sem jeito, tremeu um pouco e engasgou sem saber o que responder. Lígia Ester a tranquilizou:

- Pode dizer, Marta. Eu não vou revelar a fonte.

- Bem, foi depois da circular...

- Obrigado, era tudo que eu precisava saber!

Após o intervalo do almoço, foi a vez da fala de uma psicóloga educacional:

- Hoje falamos muito de Inclusão Social ou Escolar, esse novo modelo social que retirou todo aquele caráter médico que envolviam questões referentes às pessoas com deficiência. Enquanto psicóloga, tenho notado nos discursos de várias pessoas que falar em Inclusão Escolar também se esbarra em questões culturais e/ou até mesmo um comodismo. São muito comuns professores do ensino regular dizer que não estão preparados para receberem alunos com deficiência. Não há uma maldade nisto, mas sim certo estado de ansiedade e em muitos, mesmo que seja de forma inconsciente, um mecanismo de defesa contra algo desconhecido. Para o a maioria dos professores, assim como para grande parte da população, ainda há aqueles velhos conceitos culturais referentes às pessoas com deficiência, tais como associadas ao estado de doença, que não se desenvolveram ou aprendem como as demais. Mas ora, o desenvolvimento e a aprendizagem humana é individual e ninguém tem um modelo a seguir. 

A psicóloga levantou-se da mesa e, andando lentamente pelo palco, continuou a sua palestra ao microfone:

- De fato, nenhum professor está preparado para trabalhar com a Inclusão Escolar até o momento que chegue à sua turma um aluno a ser incluído. Ninguém em nenhuma situação está preparado para resolver algo que nunca vivenciou, o que muitas vezes exige conhecimento de experiências anteriores. Será neste momento que veremos realmente quem é o educador de verdade. O acomodado alegará não estar preparado – pois rejeitar um aluno com essa alegação será muito mais fácil e rápido se livrar da questão.

Colocou empolgação em sua fala:

- Mas o verdadeiro professor, consciente de seu compromisso e desafio ético de educar a todos que pertencerem ao seu alunado, primeiro o receberá. Depois irá se informar, buscar o maior número possível de informações e recursos para promover o desenvolvimento global daquele aluno. Aqui também poderá surgir outro tipo de ansiedade. A direção na expectativa de mostrar resultados, o professor querendo rapidamente encontrar soluções de como trabalhar com aquele aluno. A dica que dou, é que primeiro receba o aluno e nos primeiros dias vão se conhecendo mutuamente, pegando confiança e o jeito um do outro. Ao mesmo tempo em que for buscando o maior número possível de informações sobre o aluno e formas de trabalhar com ele, o professor descobrirá naturalmente no dia a dia suas próprias técnicas e adaptações de atuação em cada caso. Afinal, sendo a Educação um processo feito por etapas, por que diante da Inclusão Escolar muitos procuram respostas rápidas? O reflexo da vida moderna que nos cobram resultados e gerando nossas ansiedades não podem entrar na sala de aula inclusiva. A ansiedade não fez matrícula no início do ano, portanto, ela não deve estar na lista de chamada!!!

No meio da tarde, houve algumas apresentações de experiências de casos. E em uma delas, uma professora relatou:

- Além de Encontros como estes, é possível também oferecer em nossas escolas uma orientação individual e ficar atento às ofertas de formação das Secretarias de Educação. Tudo precisa ser o esforço de toda a equipe. Em nossa escola, gestores, professores e funcionários sabem que a real inclusão depende do trabalho em equipe. Reunimo-nos semanalmente, eu, a coordenadora, os cuidadores, os professores e os profissionais especializados, avaliamos o plano de ensino dos alunos com deficiência. Para montar os objetivos, partimos de habilidades que eles já têm, como ter hipóteses de escrita ou se comunicar oralmente. Se não possuem nenhuma delas, criamos metas em função de suas possibilidades. A escola define um plano para cada aluno e todos os professores que trabalham com ele fazem anotações durante o ano. Além disso, é mantido um contato estreito com a família para conhecer melhor a criança e os atendimentos que ela recebe. Tudo isso faz com que os professores tenham mais segurança no planejamento. Nunca passamos pelo drama de não saber como trabalhar.

No encerramento do Encontro a professora Paula foi convidada a fazer as últimas considerações. Pela primeira vez ela pode subir com sua cadeira de rodas ao palco, graças à acessibilidade que a escola ganhou. E ao microfone, Paula observou:

- Com certeza hoje foi um dia de muitos aprendizados para todos nós. Tivemos discussões, apresentações de novas concepções sobre a inclusão escolar, falando, sobretudo, das possibilidades de aprendizagem, de teorias e práticas pedagógicas que transformam o posicionamento do professor em relação à Educação inclusiva. Sabem, desde quando eu era pequena e durante muitos anos foram discutidas apenas características das deficiências. Muito pouco se apostava na capacidade desses alunos porque gastamos muito tempo tentando entender o que eles têm, em vez de conhecer as experiências pelas quais já passaram. Hoje aqui quebramos muitas rochas atitudinais. E esta é a última mensagem que quero lhes deixar: “Precisamos ver a deficiência como um desafio e não como um obstáculo!"

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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