10 - UMA TRISTE FORÇA DO DESTINO

 

Alguns dias depois... Murielli caminha pelo corredor de seu Departamento, dando de frente com o seu chefe.

- Bom dia, Murielli. Não se esqueça que na próxima semana você terá que me dar uma resposta sobre aquela vaga nos Estados Unidos.

- Bom dia. Pode deixar que terei uma resposta...

Sua secretária vem correndo ao seu encontro.

- Murielli, acabaram de ligar do hospital. A mãe de Henrique piorou.

- Aí, meu Deus. Vou pegá-lo na sala dele e ir para lá. Por favor, segurem as pontas aqui pra mim.

No hospital a mãe do rapaz entra em estado de coma profundo. Henrique permanece abraçado à sua namorada na sala de espera. Os pais dela e Marcos Antônio vão para lá. Horas de agonia que terminam com a falência dos órgãos.

O pai de Murielli toma a frente para todas as providências. Ali diante do caixão, todos são obrigados a parar e pensar um pouco em suas vidas. De forma consciente ou inconsciente, todos temem e aguardam com certa ansiedade o que poderá ocorrer após a morte. Diante do caixão passam os conhecidos e outras pessoas ocasionais. O corpo é velado noite adentro.

Henrique, no auge da dor da perda, também repensa um pouco a sua vida. Lembra-se do seu nascimento, quando por questões médicas passou muito tempo da hora de nascer. Foi um parto difícil, teve asfixia cerebral, nasceu todo roxo, sem respiração e sinais vitais. Por instinto dos médicos, mas principalmente pela mão de Deus, foi colocado no balão de oxigênio e deixado lá, mesmo sendo considerado morto. Após cinco horas, começou a chorar, dando sinal de vida. Nasceu vencendo a morte, já guerreando por um ideal: o de viver! E esse espírito guerreiro tem lhe acompanhado por toda a sua caminhada. Sempre com muito otimismo.

Todos acompanham a finada em um cortejo fúnebre e silêncio até o cemitério. Após o sepultamento, Marcos Antônio diz a Henrique:

- Agora você vai conosco lá para casa. Vai ficar no meu quarto. Pelo menos por alguns dias até as coisas esclarecerem.

- Por alguns dias não, mas se você quiser, agora nós somos a sua família – diz a mãe de Murielli abraçando-o.

Ele permanece mudo. Pelos próximos dias, recebe o carinho de todos. Até que chega o momento de voltar à sua casa para dar destino às coisas suas e de sua mãe. Sua namorada o acompanha. Momentos tristes, com muitas recordações contidas nos objetos, nas velhas roupas. Quase tudo é distribuído entre a vizinhança. Em dado momento, Henrique pensa alto:

- O que será de mim agora...?

Murielli segura-o pelos ombros, olhando fixamente em seus olhos:

- Vem viver comigo. Agora nada mais nos segura aqui. Vamos começar a vida juntos nos Estados Unidos. Você poderá cursar uma ótima faculdade...

- E viveremos do quê, Murielli?

- O que ganho é mais que suficiente para nós dois. Você estudando será como um investimento em nossa família. Por favor, agora não vai me dar um de machista que não aceita ser sustentado pela mulher...

Ele dá um sorriso. E com um beijo, aceita o pedido de casamento...

* * *

Murielli comunica ao chefe que irá para os Estados Unidos. Pede-lhe uns dias de licença para poder colocar alguns assuntos pessoais em dia, preparar-se para viagem. O chefe à dispensa.

Junto a Henrique, compram roupas, cuidam dos documentos para a viagem.

Com relação ao casamento, planejam algo bem simples, apenas um contrato nupcial que um amigo advogado dela providência. Mas são surpreendidos. Marcos Antônio e o pessoal da Associação preparam uma festa surpresa para o casal na sede. Algo simples, emocionante para todos.

Mais tarde, já no quarto de hotel, Murielli, com muita ternura, diz ao seu amado:

- O contrato nupcial fez de você o meu marido. Agora nesta cama, vou fazer de você o meu homem...!

Murielli e Henrique vivem aquele momento íntimo de muito afeto e erotismo. Sensações nunca experimentada por ele, um rapaz que, a exemplo de pessoas com outros tipos de deficiências, sempre foram visto como assexuados. Pois, dentre outras sensações provocadas pelas deficiências, no campo do amor e sexo, há o conceito de tratar-se de pessoas incapazes de ser objeto de desejo de um homem ou mulher, ter uma companhia do sexo oposto não. Não despertam atração para relações sexuais e/ou amorosas, não podem gerar filhos. Mas Murielli, pela convivência com Henrique, já superou todos esses temores. E juntos, dia-a-dia, vão descobrir e desenvolver a sexualidade do casal.

* * *

Uma semana depois, Murielli volta à empresa para buscar o resto de seus pertences. É surpreendia com uma festinha organizada por sua ex-secretária e algumas amigas de sempre. Esta tudo correndo tranquilamente, quando aparece João.

- Fico contente que você teve o bom senso de aceitar a vaga nos Estados Unidos.

- Pois é... – dando-lhe apenas um sorriso.

A secretária aproxima-se, entrega um envelope à Murielli, dizendo:

- Aqui estão as duas passagens. O voo está confirmado para manhã à noite.

- Sim, muito obrigado.

A secretária se afasta. João observa sem entender:

- Por que duas passagens? Pensei que você fosse sozinha.

- Não. Casei-me com o Henrique há uma semana. Aquele seu plano infantil de me indicar para a vaga só para nos separar deu errado. Ou melhor, serviu para nos unir ainda mais. Agora eu e meu marido vamos juntos escrever os próximos capítulos de nossa felicidade!!!

FIM

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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