14 - O PRÊMIO DE EDUCAÇÃO

 Na escola, Lígia Ester reuniu todos os professores para um comunicado. Ela sairia de licença prêmio por três meses e viajaria para o exterior. A vice-diretora Leisa assumiria a direção durante esse período.

- Vejo problemas pela frente – comentou Kotty baixinho com Jéssica e Paula: - Essa praga é amiguíssima da Aparecida.

Ao terminar a reunião, todos foram abraçar Lígia Ester. Aparecida falou em um canto da sala com Jucinéia:

- Agora aquela professora Jéssica, a queridinha da escola, vai ver o que é bom pra tosse. O dela está guardado.

Nos próximos dias, Aparecida e seu grupo andaram muito próximas da vice-diretora Leisa. Rodinhas de muitos papos em segredo, risos, como se elas estivesse por cima de tudo.

Na manhã de quarta-feira, Jéssica estava na sala de AEE, quando Leisa entrou de surpresa, ordenando:

- A professora do terceiro ano faltou e você precisa substitui-la.

- Dona Leisa, a gente tem outra professora volante à disposição na Sala dos Professores. Hoje eu tenho atendimentos agendados aqui na sala de AEE.

- Jéssica, você não entendeu. Eu não pedi, eu mandei e pronto. Esses atendimentos que fiquem para outro dia...

- Sim senhora – respondeu de cabeça baixa.

* * *

Ao chegar em casa, Jéssica foi conferir na internet o resultado da seleção de mestrado. Fora aprovada, o que compensou a tristeza durante o dia. Ligou para Eduardo para compartilhar a alegria. Acabaram indo comemorar na padaria.

A companhia de Eduardo fazia a moça cada vez mais feliz. O amor deles fortalecia com a convivência e a cumplicidade. 

Vinte dias se passaram e Eduardo percebeu algo errado em sua amada:

- O que foi linda, tenho notado uma tristeza em seu olhar?

- É problema lá da escola, gato. Estou sendo desviada direto da minha principal função. Não consigo mais desempenhar minhas atividades na sala de AEE. Esses alunos estão sendo prejudicados.

- Eu posso imaginar o que você está sentindo, fofa...

- Sabe, no final do ano passado o governo estadual abriu concurso público para professores. Eu prestei e passei. Estou esperando ser chamada. 

- E se você for chamada, terá que ir embora? – Perguntou Eduardo com medo da resposta.

- Aqui mesmo no município têm escolas estaduais. Posso até acumular os dois cargos. E tem outra, se algum dia eu for embora, levo você comigo!  - Respondeu ela sorrindo: - Acha que vou perder o meu gato???

* * *

Com um pouco de insistência, Jéssica conseguiu marcar uma reunião de quinta-feira. Todos os professores com alunos inclusivos estavam lá. Em uma livre discussão, um professor do quarto ano emitiu suas opiniões:

- É muito comum questionamentos de estudantes das licenciaturas sobre como trabalhar com alunos especiais, já que não estão recebendo a formação devida. Do mesmo modo, ocorre com professores que já estão em sala de aula, pois sempre existe uma justificativa pra não enfrentar os desafios de ensinar aqueles com limitações físicas ou de aprendizagem. Contudo, é possível fazer diferente desde que o compromisso, o senso de responsabilidade e de justiça social estejam associados ao fazer pedagógico. Portanto, não há uma receita ideal, um prontuário a ser seguido, mas se a vontade e a sensibilidade com um novo olhar às diferenças for superior, certamente faremos às transformações e a inclusão verdadeira.

- Tudo conversa fiada – comentou Aparecida baixinho com Jucinéia.

A professora Paula pediu a palavra:

- Quando você receber alunos inclusivos, primeiro o acolha em sua sala e comece a conviver com ele, criando laços, descobrindo um ao outro, professor e aluno...

A professora Antonieta respondeu:

- Costumo afirmar que nunca podemos pensar que estamos totalmente preparados para a Educação Inclusiva, mas que temos sempre um caminho a trilhar e de forma mais clara. Cabe então a nossa escolha de decisão sobre o caminho a seguir. Eu decidi pelo da inclusão, como meio de lutar pela justiça social e para que os direitos constitucionais e o sentimento de solidariedade sejam o conduto para uma verdadeira sociedade democrática, de respeito e tolerância as diversidades, mas acima de tudo construídos na base do amor ao próximo.

Marta falou com firmeza:

- Deixar tudo por conta dos professores de AEE, tira-nos a possibilidades de adquirir conhecimentos que são obrigatórios para nós professores que estamos vivenciando essa nova experiência que é o trabalho com alunos que possam apresentar algum tipo de deficiência. Principalmente para nós professores com mais de 15 anos de trabalho, que estamos vivenciando essa experiência agora.

Aparecida lançou um olhar de raiva para Marta. Foram todos surpreendidos com a entrada repentina da vice-diretora Leisa:

- Pessoal, tenho que interromper esta reunião para um comunicado. Dias atrás recebi um comunicado da Secretaria de Educação para que nossa escola diminua algumas despesas. Depois de ver as planilhas de gastos e necessidades, achei por bem desativar a sala de Atendimento Educacional Especializado por ela só atender a poucos alunos.

- Como assim??? – Questionou Paula perplexa: - Isto é um absurdo...

- Ordens são ordens... Precisamos cortar despesas – disse Aparecida cinicamente: - E outra, o novo Decreto da Política Nacional de Educação Especial já vai acabar com a Educação Inclusiva mesmo...

Um grande espanto tomou a sala. Todos falando ao mesmo tempo. Jéssica desconsolada, ganhou um abraço de conforto de Kotty.

* * *

Acabada a reunião, Jéssica foi direto para a casa de Eduardo. Precisava do abraço, consolo e apoio de seu namorado. 

Ele não se conteve e no dia seguinte escreveu um editorial que foi publicado na edição do seu jornal no final de semana. Intitulado “O Retrocesso Da Educação Em Nosso Município”, o texto teve grande repercussão entre os opositores políticos do prefeito e a sociedade local.

No sábado à noite, o casal foi jantar em um restaurante. Várias pessoas cumprimentaram Eduardo pelo o editorial e declararam apoio à Jéssica. Uma moça perguntou-lhes:

- Aonde está a Rosa, nossa Secretária da Educação que não reverteu esse fechamento?

- De fato a nossa Secretária é totalmente a favor da inclusão. Só que ela foi passar uma semana em um Congresso de Educação no Paraná – respondeu Jéssica: - Acredito que ela nem saiba o que está acontecendo aqui.

Quando todos se afastaram, ela olhou nos olhos de Eduardo, dizendo com ternura:

- Obrigada por todo o apoio que você está me dando, amor!

- Fiz isso por você sim. Mas principalmente por acreditar na Educação Inclusiva.

- Eu não consigo mais imaginar a minha vida sem você, Edu!

- Então casa-se comigo, Jéssica? Seja a minha esposa amada!

- Casar??? – Questionou ela surpreendida. Fez uma pausa olhando dentro de seus olhos e respondeu sorrindo: - Claro que caso. Tudo que quero é ser a tua mulher.

E se beijaram apaixonadamente.

* * *

Na segunda-feira, a vice-diretora Leisa estava escrevendo em sua mesa distraída, quando foi surpreendida por alguém que entrou em sua sala sem pedir licença.

- Professor Maroca, que bom revê-lo – disse ela sorrindo.

- Os mais de quarenta anos dedicado à esta escola me dão o direito de entrar em qualquer ambiente sem ser anunciado – comentou ele sério e com o jornal nas mãos.

- Com certeza, professor. Eu mesma tenho o maior orgulho de ter sido sua aluna. O que o traz aqui?

- Isto... – Respondeu jogando o jornal com a página do editorial aberta em cima da mesa.

- Veja bem, professor, este jornalista só ouviu um lado – tentou argumentar a vice-diretora gaguejando: - Eu tive que fechar a sala de AEE por contenção de despesas...

Nesse momento a professora Aparecida ia entrando à sala, brecou, dizendo:

- Opa, acho melhor eu voltar outra hora...

- Pode entrar Aparecida, o assunto também é com você! – Exclamou Maroca sério.

Ela entrou muda e se colocou de pé ao lado de Leisa. O professor começou a dizer em tom firme:

- Não me venham com esse papo mole de contenção de despesas. Eu sei que foi puro conchavo de vocês por inveja de uma professora competente e realmente comprometida com a Educação. Coisas que vocês duas não são.

- O senhor não pode falar assim conosco – o interrompeu Aparecida.

Maroca bateu as duas mãos na mesa, aumentando ainda mais a voz:

- Eu falo como quiser do alto dos meus mais de oitenta anos. Fui professor das duas e estou morrendo de vergonha por isto. Vejo que falhei em não ter ensinado às duas mais ética e respeito ao próximo. Vocês têm noção dos alunos que prejudicaram só por um capricho infantil de duas mulheres sem nenhuma personalidade?

- Professor...?

- Caladas, eu estou falando e vocês desde a época da escola sabem muito bem que não admito ser interrompido em minhas colocações. E você Leisa, que decepção. Chegou ao cargo de vice-diretora e não tem nem opinião e capacidade para estar nesta cadeira. Deixa-se manipular e ser usada por uma simples professora como a Aparecida, despeitada e doente de ciúmes de outra colega de trabalho. Aliás, não tenho o direito de chamá-las de colegas. No mundo de ensino há uma imensidão de pessoas honradas e, mesmo com todas as dificuldades, amam e fazem valer a pena a carreira de professor. Mas infelizmente nesse meio entram pessoas como vocês duas que só fazem o concurso público apenas pelo salário e estabilidade no emprego. Não estão nem aí para desempenhar o verdadeiro papel de um professor. Não procuram melhorar e ainda atrapalham quem quer fazer a coisa certa. Vocês não têm nenhum caráter ético ou moral para serem chamadas de professoras...

Maroca saiu pisando firme.

- Esse fechamento da sala ainda vai dar problema para o meu lado, Aparecida.

- Liga não, Leisa, o Maroca já está gagá...!

* * *

Na quarta-feira pela manhã, Rosa, a Secretária de Educação, entrou em seu gabinete, chegando de viagem sem passar em sua residência. Sua auxiliar lhe relatou tudo o que estava acontecendo sobre o fechamento da sala de AEE e toda a repercussão na cidade e nos meios políticos. Ela colocou as mãos na cabeça, não acreditando no que estava acontecendo.

O telefone tocou e sua auxiliar atendeu. Logo lhe passou a ligação e a pessoa se identificou:

- Dona Rosa, aqui é a Lidiane do Correio Paulista. Eu recebi o jornal da nossa cidade e fiquei muito impressionada com o fechamento da sala de AEE da escola municipal. Gostaria de saber a sua posição sobre isto?

- Olá Lidiane, tudo bem? Eu acabo de chegar de um Congresso de Educação e tomei conhecimento há poucos minutos do fato. Sou totalmente contra esse fechamento. Essa sala é uma conquista nossa, principalmente do empenho da dona Lígia Ester. Um direito dos nossos alunos. Eu vou agora reverter essa situação.

- Eu esperava isto mesmo da senhora. Mesmo porque eu chequei o Portal de Transparência Das Contas Públicas e os recursos para se manter a sala de Atendimento Educacionais Especializados continuam sendo repassados pelo MEC ao município.

- Eu sei e agradeço o seu apoio. Você sabe Lidiane, eu lhe conheço desde criança, sou amiga aqui de sua mãe. Você me conhece, sabe do meu comprometimento com a Educação. Vou resolver isto agora mesmo!

- Claro que lhe conheço, dona Rosa. E não esperava outra atitude de sua parte. Por isto lhe liguei sabendo que poderíamos contar com o seu apoio. Mas, não perdendo o meu hábito de jornalista, eu também tenho outra informação muito importante para lhe repassar em primeira mão...

Lidiane contou uma novidade à Rosa. A Secretária levantou-se e foi caminhando por dois quarteirões até a escola. Entrou direto na sala da diretoria à passos largos, indagando Leisa:

- Posso saber com que autoridade você me fecha uma sala de AEE???

- Secretaria bom dia – cumprimentou a vice-diretora já tremendo.

- Não está bom dia para ninguém. Você tem ideia da burrada que fez? Do quanto o seu ato prejudicou alunos que necessitam desse atendimento? Do quanto você manchou a imagem da Educação municipal formada por educadores realmente comprometidos com suas funções?

- Eu só quis fazer cortes de despesas, dona Rosa...

- E com isso achou que por ser uma vice-diretora tinha autoridade de tomar uma decisão dessa, passando por cima da Lígia Ester e da própria Secretaria Municipal de Educação???

- Peço desculpas...

- Não tem desculpas Leisa. Estou lhe destituindo do cargo de vice-diretora agora e ainda vou pensar se vou lhe transferir para outra escola do município. Eu poderia abrir uma sindicância por isto. Vou assumir a direção desta escola interinamente até a Lígia Ester voltar.


No começo da tarde Josineide deixou Jéssica na esquina de sempre. Ela atravessou a avenida e, ao pisar na calçada da escola, viu as pequenas flores brotando entre as rachaduras com muita força e vida. Estavam tão lindas que a tristeza de seu coração passou. Tirou o celular da bolsa e fotografou tudo.

Ao entrar à escola, estranhou por não ter ninguém na secretaria e nas salas da entrada. Caminhou rumo à Sala dos Professores. Ao entrar no pátio todos os professores, alunos, funcionários unidos, começaram a aplaudi-la de surpresa. Ela não entendeu nada. Kotty veio abraçá-la, dizendo:

- Bem-vinda de volta à sala de Atendimentos Educacionais Especializados!

- Pessoal, um minuto de silêncio – pediu Rosa: - Hoje cedo fui informada pela jornalista Lidiane que saiu a lista dos três finalistas do Prêmio Ações Inclusivas Para Educação. E nossa escola está entre eles. A premiação final será no próximo mês lá na capital.

A comemoração foi maior ainda. Eduardo, que estava lá, aproximou-se de sua namorada, afirmando:

- Eu tinha certeza que você e a nossa escola seriam finalistas desse Prêmio, meu amor.

- Edu, como você sabia que seriamos finalistas? – Perguntou Jéssica sem entender: - Nem nós sabíamos que estávamos concorrendo...

- Quem você acha que inscreveu o projeto da sala de AEE no Prêmio Ações Inclusivas Para Educação?

Ela olhou dentro de seus olhos por alguns instantes e exclamou sorrindo:

- Meu amor você é demais!!!

Jéssica deu-lhe um beijo de alegria. Todos aplaudiram o casal. Ela lhe disse em seguida:

- Só que tem uma coisa, Edu. Eu vou para São Paulo na cerimônia de premiação. Mas você vai comigo!


Após as comemorações a professora Marta estava caminhando pelo corredor rumo à sua sala, quando foi puxada pelo braço para dentro de uma sala por Aparecida:

- Contente com a vitória de sua nova amiguinha, Marta?

- Não existe vitória de amiguinha nenhuma – disse retirando a mão de Aparecida que segurava seu braço: - A vitória é da Educação e de todos que acreditam nela.

- Bonito discurso de quem mudou de lado.

 - Não mudei de lado. Só aprendi a acreditar em mim e em minhas possibilidades de crescer enquanto professora e dar a minha contribuição para o crescimento de meus alunos. Cansei de me esconder à sombra de uma pessoa invejosa como você, Aparecida.  Que só fala mal dos outros, mas no fundo está expondo as suas próprias dores. A inveja é a falta de capacidade de reconhecer suas falhas e como fuga se concentra em falar mal de outras pessoas. Eu sei que é um sentimento doloroso por ser uma homenagem indireta em reconhecer o valor de quem você não gosta só pela pessoa ter o sucesso que você não foi capaz de conseguir. E por inveja quer impedir os outros de serem felizes.

Aparecida ficou de olhos arregalados sem reação. E Marta concluiu:

- Pela sua inveja, você não deu abertura para Jéssica e prejudicou Henrique pedagogicamente. Mas ele teve uma recompensa ao ser incluído pela turma. Por inveja você manipulou a Leisa e quase destruiu a carreira dela, fora as muitas outras coisas que já fez por maldade. Vocês invejosos só destroem. Pena que pessoas assim entram para o universo da Educação!

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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