15 - RUMO À SÃO PAULO

 Na última semana de novembro a escola alugou uma van para ir um grupo à São Paulo na cerimônia do Prêmio Ações Inclusivas Para Educação. Além de Jéssica e Eduardo, foram a Kotty, a professora Paula, o professor Maroca, a Secretária Rosa. Lígia Ester que estava de férias, encontrou com eles lá na capital. Assim como Lidiane e o seu marido Jorge também se juntaram a eles.

O evento foi no “Memorial da Inclusão: Os Caminhos da Pessoa com Deficiência”, localizado dentro do Memorial da América Latina. Começou com um coquetel de recepção no salão principal. Depois foram todos para o auditório. Uma banda tocava ao vivo. Dois apresentadores chamavam ao palco os finalistas de cada categoria. Era mostrado no telão o resumo e atividade de cada um e em seguida era anunciado o campeão.

Até que chegou à categoria “Escolas com Salas de AEE”. Dona Lígia Ester e Jéssica foram juntas de mãos dadas para o palco. As apresentações das três escolas pareciam não ter fim, o coração batia forte. A ansiedade momentânea terminou com o anúncio do apresentador:

- A campeã da categoria “Escolas com Salas de AEE” este ano é o projeto da escola “Professora Hideco Watabe”!!!

Muitos aplausos de alegria. Dona Lígia Ester emocionada, pediu à Jéssica que fizesse o discurso de agradecimento:

- Em nome de minha escola eu quero agradecer por este Prêmio. E dizer que este é um projeto de toda a minha escola com o envolvimento de todos, funcionários, direção, professores, alunos e familiares. Com permissão dos organizadores, quero rapidamente projetar umas imagens no telão. – Ela exibiu as fotos das pequenas flores nascendo nas rachaduras da calçada, completando: - Para mim esse é um grande símbolo da inclusão, florezinhas nascendo entre rochas. As rochas podem representar muitas vezes nossas resistências, medos, inseguranças, acessibilidades atitudinais nem sempre positivas. Mas as florezinhas representam os nossos alunos, tenham eles deficiências ou não, que sempre vão encontrar as frestas para brotarem e se tornarem lindas flores no jardim da vida!

Jéssica foi interrompida por quase um minuto de aplausos. Depois terminou a sua fala:

- Para concluir, quero citar o professor Maroca da minha cidade e que nos alegra em estar presente aqui hoje entre nós. Ele que nos anos 50, 60 e 70, quando nem se quer existia o conceito de inclusão escolar, procurava as crianças com as mais diversas deficiências e as levava para escola comum. Inclusive o meu noivo que tem paralisia cerebral e também está aqui presente. No começo deste ano, a primeira vez que vi o professor Maroca, ele me disse algo que jamais irei esquecer e irei projetar aqui no telão: 

“Incluir não tem segredo. Basta receber um aluno, seja ele quem for. Acolher com amor, ter a sensibilidade de perceber e pesquisar o que ele realmente precisa de apoio para se desenvolver em todos os sentidos. Um bom professor precisa ser um suporte seguro que lança seus alunos rumo às infinitas possibilidades”.

Jéssica foi chamada para dar uma entrevista a um canal de televisão ali mesmo ao lado do palco. A repórter lhe perguntou:

- Professora Jéssica, por que ainda há educadores que se colocam contra a Educação Inclusiva?

- Essa pode ser uma questão cultural, quanto psicológica. Toda mudança precisa vir de dentro para fora. Aceitar mudanças, seja qual for o obstáculo, é muito mais difícil para quem tem baixa autoestima, uma característica das pessoas que se sentem inadequadas para enfrentar os desafios. Elas não acreditam nos seus potenciais e capacidade de dar resposta às questões da vida. Tem uma estrutura emocional pouco sólida que origina o pessimismo e a negatividade, o que também se reflete em sua profissão. Nossa realidade atual, infelizmente, tem gerado pessoas desmotivadas, sem energias, esperando que alguma coisa a motivem. Mas ao contrário, as motivações só podem vir de dentro para fora.

- Quais os caminhos, professora?

- Vencer nossas cresças limitantes. Para se trabalhar com inclusão escolar o professor precisa pensar positivo, sobre o que ele é capaz de conquistar, e não sobre as dificuldades. Ter bastante clareza sobre o que deseja para sua profissão. Ficar especificando em detalhes tudo aquilo que ele não quer ou não é capaz leva um tempo infinito, além de consumir energias emocionais, as quais o professor poderia estar canalizando e focando na busca de resultados positivo e saudável que trará crescimento e complementará a sua vida, carreira e desenvolvimento de seus alunos.

- Uma Educação Inclusiva realmente verdadeira deve ser o objetivo de qualquer educador a partir de agora? – A repórter foi ficando de empolgando com aquela entrevista.

- Deve ser a partir de agora e sempre. Em qualquer seguimento da vida temos vários sonhos e desejos que queiramos alcançá-los. Mas tudo só acontece se tivermos estipulado objetivos e traçado metas para fazê-lo. E na Educação não é diferente. Muitos confundem um com o outro e por isso é importante saber a definição e a diferença de objetivos e metas. Objetivo é o mesmo que alvo, o propósito de realizar algo. O objetivo fornece a direção do que se deseja fazer ou alcançar, servindo como guia. É a posição que se deseja ocupar no futuro, o sonho que se deseja realizar. Meta é o objetivo de forma quantificada. Algo que desejamos, sendo possível ser medido. É alguma coisa que temos em mente para o futuro, mas que seja determinado. Uma meta deve estar relacionada com o tempo que é almejado para atingir e o valor e/ou a energia que deseja gastar para chegar lá. Aqui podemos traduzir uma meta como nos tornarmos professores cada vez melhores preparados para promover a Educação Inclusiva.

A repórter virou-se para a câmera, concluindo:

- Quero agradecer à professora Jéssica, vencedora do Prêmio Ações Inclusivas Para Educação. Eu lhe pedi uma entrevista e ela nos deu uma aula!

* * *

Após o evento foram todos jantar em uma cantina italiana. Formaram uma longa mesa com muito bate-papo e descontração. Conversa ia, conversa vinha, até que Lidiane perguntou:

- O que você pretende fazer o ano que vem, Jéssica?

- Eu vou iniciar o meu mestrado aqui em São Paulo. Duas semanas atrás também fui chamada em um concurso para professora estadual que fui aprovada, mas infelizmente não há vagas lá na nossa cidade. Eu teria que me mudar para outra. Acho que continuarei em nossa escola mesmo por mais um ano.

- E por que você não assume uma classe e vem morar aqui em São Paulo? Iria até facilitar o seu mestrado.

- Não dá, Lidiane. Daqui há duas semanas me caso com o Eduardo. Passarei a ser dona de casa...

Jorge entrou na conversa:

- Por isto não. O Eduardo pode vir trabalhar conosco no Correio Paulista. Será uma oportunidade para ele também subir na carreira. Poderá estudar mais, fazer pós-graduação em jornalismo.

Os olhos de Eduardo brilharam. Maroca fez uma proposta para colocar mais lenha naquela ideia:

- Eu também posso ajudar o casal nesse começo. Há mais de sessenta anos tenho um pequeno apartamento aqui no COPAM. Meu pai comprou quando eu e meus irmãos viemos estudar na capital. Depois ele foi usado por meus filhos, sobrinhos e inquilinos. Agora está desalugado. Eu posso emprestar para vocês iniciarem a vida, pois o Eduardo é quase um filho para mim. Vocês só precisarão pagar o condomínio.

Jéssica e Eduardo se olharam e se abraçaram emocionados, sem saber o que dizer. Kottyna aproximou-se e disse ao ouvido da moça:

- Quando a gente só tem boas intenções e só faz o bem às pessoas, a vida sempre nos recompensa com felizes surpresas!!!

* * *

Jéssica, Eduardo, Paula e o marido estão na padaria comendo uma pizza e conversando animadamente. O telejornal na televisão fixada na parede lhes chama atenção:

- Por unanimidade a segunda turma do Supremo derrubou hoje o chamado “Decreto da Exclusão” do Ministério da Educação que estabelece novas regras para a educação de alunos com deficiência, também chamada "educação especial". Além de uma forte manifestação de entidades representativas, a nova Política Nacional de Educação Especial tinha parecer contrário da Comissão Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Conselho Federal. divulgou, da OAB que ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e no Congresso uma petição requeria em regime de urgência para apreciação e sustamento aos efeitos do Decreto da Política Nacional de Educação Especial.

A imagem foi cortada para o ativista Rodrigo Guedes:

- Instituições que não reconhecem os benefícios da educação inclusiva ligam deficiência à incapacidade.  Com isso, reforçam a discriminação, alegando inúmeros motivos sem fundamentos para não receber esses estudantes”. Segundo o Censo Escolar, mais de 90% dos estudantes com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento, altas habilidades e superdotação, matriculados na educação básica, estudam em salas de aula inclusivas. “Essa estatística é considerada extremamente avançada, mesmo quando comparada a redes de ensino de países que se destacam mundialmente no campo da equidade e do direito à educação”. Avançamos muito nas últimas duas décadas, tanto no aspecto da criação de um marco regulatório bastante robusto e avançado, como da implementação de práticas educacionais inclusivas”, com inúmeras equipes extremamente competentes, demonstrando que o planejamento pedagógico, feito de maneira colaborativa e consistente, permite aos nossos profissionais implementarem estratégias pedagógicas diversificadas, pautadas pelas singularidades e capazes de promover a aprendizagem de todas as crianças e adolescentes.

Na mesa, todos comemoram.

* * *

Os amigos de sempre de Eduardo, o pessoal da escola e os familiares se uniram para organizar a cerimônia e festa de casamento. Em uma manhã ensolarada de sábado, tudo foi preparado em uma linda chácara. Kotty e seu marido eram os padrinhos de Jéssica. O professor Maroca e esposa os padrinhos de Eduardo.

Eles e os pais dos noivos esperavam de pé no altar. Eduardo não se continha de ansiedade dentro de seu terno novo. A noiva chegou de carro. Estava linda em seu vestido, penteado e maquiagem. Ao som de um conjunto de músicos locais, Jéssica de braços dados com seu pai, começou a caminhar pelo tapete vermelho ladeado por muitos convidados sentados em cadeiras. Ao chegar ao altar, foi entregue ao seu noivo.

A celebração das bodas foi oficializada por um Juiz de Paz. Emocionados, Jéssica e Eduardo trocaram juras de amor, de felicidade e fidelidade. E no beijo para selar àquela união, explodiram muitas palmas e lágrimas de muitas pessoas.

Durante toda à tarde, houve churrasco, comidas, bebidas e muita música em homenagem ao novo casal que se formava. Teve a valsa dos noivos e o cortar do bolo de casamento.

O professor Maroca estava com a mão cheia de envelopes e ia entregando a várias pessoas. Até que chegou ao casal, revelando:

- Eduardo, eu aproveitei essa ocasião em que reúne muita gente da cidade para devolver os desenhos que vocês me faziam ao final do ano para eu guardar de recordação. O seu está aqui.

Maroca retirou do envelope, abriu a folha e mostrou à Jéssica. Era um desenho bem dentro das condições da coordenação motora do rapaz, assim como uma caligrafia que só o professor conseguia ler:

- Ele me desenhou com a minha varinha de bambu explicando a lição na lousa e escreveu... “O seu Maroca é bom. Ele me ensinou mais que os outros. Eu gosto muito dele”!

* * *

Em dezembro a escola já estava de férias, menos a secretária. Jéssica foi até lá pegar sua documentação de transferência para uma escola estadual em São Paulo. Aproveitou para caminhar sozinha pelo prédio e pátio como se fosse uma despedida. 

Chegou à sala de AEE. Entrou e em silêncio começou a trazer em memória todos os momentos, pessoas, alunos e acontecimentos vividos ali durante aquele ano.

Ao se virar, foi surpreendida com o professor Maroca que estava em pé à porta, segurando um pequeno vaso com uma orquídea. Ele caminhou até ela, entregou-lhe o vaso, dizendo:

- Vim lhe trazer este presente. O ano que vem você assumirá uma sala de aula. Toda professora precisa ter um vaso de flor enfeitando a sua mesa. Ela lembra a linda e abençoada profissão que temos em transformar crianças em bons cidadãos para o jardim da vida!!!

- Ela é linda, professor...!

Com lágrimas nos olhos, Jéssica pegou o vaso, agradeceu, colocou-o em cima da mesa, dando um longo abraço de gratidão naquele velho mestre que ao longo de décadas fez a diferença e marcou a vida de tantos alunos que se transformaram em pessoas vitoriosas, lindas flores espalhadas pelo mundo escrevendo as suas próprias histórias!

FIM

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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