15 - UM FINAL DE SEMANA EM SÃO PAULO

  Como segunda-feira é feriado, os filhos de Adriana vão passar o final de semana na casa do pai.  Ela combina de fazer coisas diferentes com Almir. No sábado eles vão a um passeio guiado pelo Centro antigo de São Paulo, que ainda guarda muitos encantos que é possível observar em caminhadas a pé. O que permite que paulistanos e visitantes possam descobrir ou redescobrir essa região e observar as mais diversas construções, como o edifício do antigo Banco São Paulo; a Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo, onde, por meio de um telão, é possível observar a movimentação das operações; o Mosteiro de São Bento, local onde, aos domingos, são realizadas missas; o Edifício Martinelli, primeiro arranha-céu da América do Sul; o Centro Cultural Banco do Brasil, que possui salas de exposições, cinema, teatro, restaurante, auditório, livraria; o Teatro Municipal, com concertos gratuitos às quartas-feiras; a Catedral da Sé e muito mais. 

Após essa caminhada, resolvem ir ao Edifício Martinelli, localizado entre as ruas São Bento, São João e Líbero Badaró. Ele que por muitos anos foi o prédio mais alto da América Latina. A fachada luxuosa. As portas e janelas são as mesmas da inauguração. Portas de pinho de riga, escadas de mármore carrara, vidros, espelhos, papéis de parede belga, louça sanitária inglesa, entre outros materiais utilizados em construções da época.

Após a visita guiada pelo edifício, chegam ao terraço, os pisos são praticamente originais. Observando toda a paisagem, Adriana confessa-lhe:

- Há muitos anos moro nesta cidade e nunca andei e nem conhecia esses lugares. Preciso trazer meus filhos para conhecer esses marcos históricos.

- Eu já passei muito por esses pontos, mas sempre a passos largos, indo de encontro a algum cliente. Nunca parei para apreciá-los.

- Também sua vida sempre foi trabalho e Bar 50! – diz ela brincando.

Eles dão risadas. Almir, mesmo sem saber explicar o motivo, os momentos ao lado de Adriana estão lhe fazendo muito bem. Devagar, livra-se da incapacidade de amar a si mesmo como deveria, o que sempre o levou à uma vida estagnada simplesmente porque não encontrava forças para aproveitar oportunidades e superar desafios. O amor-próprio é essencial para uma vida de realizações e alegrias, as quais são adquiridas apenas quando se está em movimento. 

Ele conhecia os fatores emocionais e psicológicos que lhe incomodam, mas sentia medo de confrontá-los ou curá-los. O que foi inevitável na última viagem à sua terra natal. Como Almir, muitas pessoas tendem a preferir permanecer na zona de conforto em vez de se desafiarem para conquistar uma vida mais equilibrada.

* * *

No domingo, Almir combina de encontrar Adriana no Conjunto Nacional da Avenida Paulista. Passeiam um tempo pela Livraria Cultura. Saem caminhando pela avenida toda movimentada pelos mais diversos tipos de pessoas, apreciando a tudo. 

Entram no Trianon, parque histórico que possui um acervo de árvores centenárias e obras de artes relevantes. Além da escultura “Fauno”, de Brecheret, tem também “Aretusa”, de Francisco Leopoldo Silva. Trata-se de um resquício remanescente da Mata Atlântica original e um dos parques centrais mais pesquisados da cidade.

Andam descontraidamente pelo piso das pistas e trilhas formadas por pedras portuguesas. Sentam-se em um banco de madeira.

- Engraçado, sempre vivi dentro do mundinho da minha empresa e casa – confessa Adriana: - Já ouvi falar, mas nem imaginava que existia este refúgio de lazer e descanso no meio da agitada Avenida Paulista.

- E eu como você diz, vivia no mundinho do Bar 50!! – Fala Almir dando gargalhada: - E tem mais para você conhecer...

Saem do parque, atravessam a avenida, chegando no Masp – Museu de Arte de São Paulo. Passam pelo vão livre rumo ao Mirante 9 de Julho, espaço multicultural com música, artes em seus múltiplos suportes, cinema ao ar livre, comida. Entram na cafeteria sentando-se em uma mesa. Pedem cafés e bolos. Almir declara-lhe:

- Acho que a muitos anos, eu não tinha um final de semana tão agradável como esse, Adriana.

- Sabe o que acontece, Almir? Muitas vezes estamos presos em problemas do passado, ou tão focados em conquistar coisas futuras, que não reconhecemos e curtimos momentos simples como esses.

- Você também é assim?

- Sim, vivo em um cargo com altas cobranças de resultados. Só que ao seu lado, estou aprendendo a ver a vida de forma mais calma, em outro ritmo.

- Sinto-me feliz em ouvir isso!

- Uma vez participei de um treinamento na empresa com um psicanalista que disse que sempre conjugamos a felicidade como se fosse um verbo futuro. O ser humano, por natureza, nasce e morre infeliz e se sentindo incompleto. Posso pegar como exemplo que ele deu, um rapaz. Ele conhece uma moça, encanta-se por ela e passa a dizer: “Se eu casar com ela, vou ser o homem mais feliz do mundo!” Com o tempo, o destino une os dois. O rapaz agora passa almejar: “Eu preciso comprar a minha casa para ser feliz com minha esposa!”. Após muito trabalho e esforços, compram uma residência segundo suas posses. Agora o discurso será: “Vou comprar um carro para poder ter mais momentos de lazer com minha família, ir com mais facilidade ao trabalho!” Novamente um período de esforços e economias até comprar um automóvel. E aí começa um círculo: “Preciso de uma casa maior para ter conforto, um carro mais novo, comprar tal coisa, trocar outras”. 

- E com isso, Adriana, estamos sempre projetando a felicidade para o futuro. “Preciso ter tal coisa, fazer tal coisa, conquistar tal coisa para me sentir feliz!” 

- Almir, mesmo que a felicidade não seja permanente, pois vivemos de altos e baixos e não podemos estar bem o tempo todo, não precisamos ficar referindo-se a ela como uma lembrança ou conjugando-a eternamente para o futuro. Podemos ter como exercício viver o aqui e agora, valorizando aspectos positivos que nos rodeiam, pequenos prazeres, redescobrir nossa própria inocência, deixar fluir nossos instintos, registrar em fotos e filmes nossos momentos felizes, respirar profundamente, fazer exercícios, cuidar da saúde, usar nossa criatividade, ousar mais na vida com alegria de viver. Em suma, deixar fluir a nossa energia interior e aproveitá-la a cada momento. 

Terminam o café. Levantam-se e caminham rumo ao Mirante para observar lá embaixo a avenida 23 de Maio. É quase pôr do sol. Um silêncio eloquente se instala naquele momento e eles cada vez mais próximos. Ele coloca sua mão em cima da mão dela apoiada no parapeito. De repente, viram-se frente a frente, respirando mais forte. Beijam-se por alguns segundos.

- Estou me sentindo de novo uma menina de doze anos beijando pela primeira vez.

- Eu não quero mais adiar minha felicidade para o futuro! – Confessa ele, não prestando atenção no que ela disse.

E voltam a se beijarem apaixonadamente.

* * *

Chegam à grande casa de Adriana em um condomínio fechado. Os funcionários estão de folga. Não param de trocar beijos e carícias. Sobem para o quarto, vivendo momentos de intenso amor.

Na vida pessoal de um casal aos 50 anos, os tabus em relação a relacionamentos e sexualidade também caem por terra. As opções aumentaram e os julgamentos morais diminuíram. Como consequência, muitas pessoas não se sentem mais aprisionadas a escolhas do passado. A ânsia da penetração e a valorização extrema do orgasmo não são mais tão evidentes, menos show e mais prazer na entrega mais profunda, a intimidade é compartilhada com sabedoria. Aos 50 a pessoa já sabe bem o que gosta e o que não gosta. É mais prazeroso!

Passam um tempo abraçados na cama, até que, naquele papo de travesseiro, ela rompe o momento de ternura com uma pergunta totalmente inesperada:

- Àquele dia, o que o José Renato e você foram fazer na casa da Maria Auxiliadora, a cartomante?

- Como você sabe disso, Adriana? – Questiona ele muito surpreso.

Ela ri muito, revelando-lhe:

- É engraçado as voltas que a vida dá, voltando ao início. Eu sou filha do Tônico Trazaqui, àquele fazendeiro da nossa cidade. Desde pequena estudava na mesma escola e classe que vocês, brincávamos nos recreios. Naquele dia, quando vocês desciam as escadas da cartomante, as meninas e eu passávamos do outro lado da rua voltando da aula de educação física. Até lhe demos tchauzinhos.

- Meu, que loucura. Perdoe-me por não lhe reconhecer. Você se tornou essa mulher linda, elegante. A executiva altamente bem-sucedida. 

- Você também não me reconheceu porque, por questões burocráticas de separação de bens, ainda assino com meu sobrenome de casada, não uso o Trazaqui. Mas já estou cuidando disso.

Ela dá mais risadas. Sai da cama, indo ao closet. Pega uma caixa bem guardada com vários papéis envelhecidos. Volta, entregando-lhes a ele em uma confissão:

- Eu morria de amores por você. E naquele inocente descobrir de um novo tipo de sentimento, escrevia essas muitas cartinhas de amor. Só que você começou a namorar a Regineide escondido, ainda menino. Tive que guardar todo esse sentimento e cartas só para mim. Logo deixei a cidade, meu pai me mandou estudar em colégios particulares de alto nível.

Olham-se emocionados, deixando lágrimas escorrem abraçados fortemente. Ela pega o controle-remoto do aparelho de som, põe para tocar a música “She” do cantor francês Charles Aznavour e diz baixinho em seu ouvido:

- Esta será a nossa música!

Na manhã seguinte, tomam café felizes na ilha da cozinha, quando os filhos de Adriana chegam com suas mochilas de surpresa.

- Crianças, vocês se lembram do Almir lá do Bar 50!? – Pergunta a mãe meia sem ação.

Mônica o cumprimenta educadamente. Ricardo apenas o olha, vira-se e sobe rumo ao seu quarto.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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