No final de semana sai a edição da revista de circulação popular. Para surpresa de Adriana, o repórter escreve em um tom quase sensacionalista:
“Adriana Trazaqui, 52 anos, diretora geral para América Latina de uma renomada multinacional fabricante de produtos dentários, mantém uma vida dupla. Ao mesmo tempo em que ocupa um dos cargos mais cobiçados no mundo empresarial, ela é dona de um bar decadente no centro antigo de São Paulo, onde passa as noites tocando pianos para pessoas bebendo, sem prestarem atenção em seu repertório cafona. Recentemente, Adriana fez parte de um musical estrelados por artistas medianos e sem qualquer expressão cultural. E o mais deprimente vem agora. A toda poderosa Adriana Trazaqui está tendo um caso com um mero vendedor de móveis.”
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Manhã de muito sol forte no estádio municipal, como é comum no Mato Grosso. Morielle chega com roupa de ginástica e seus netos, surpreendendo-se com a quantidade de pessoas por lá. Crianças, jovens, pessoas de meia-idade como ela e muitos idosos animados. Todos praticando diferentes atividades, orientados por professores de educação físicas voluntários.
É comum as pessoas traçarem objetivos para cada fase da vida. Portanto, quando nos vemos em uma idade já avançada, sem ter conseguido completar parte dessas metas, pode-se ter a sensação de incompetência. E isso pode ser um motivador da depressão na meia-idade. Por isto, é fundamental se estar em grupo, mudar a rotina e trazer novos hábitos para o dia a dia, um esporte, por exemplo.
Yuri vem ao seu encontro, sorrindo e dizendo-lhe:
- Que bom que você veio. Vai ser uma manhã divertida.
- Eu nem sei por onde começar, doutor Yuri.
- Comece tirando o doutor. Já somos amigos, não precisamos das formalidades. Sabe, eu treino corrida. Deixe seus netos com os recreacionistas. Venha tentar comigo.
Passam um bom tempo fazendo aquecimentos, alongamentos. Algumas orientações dos professores, pico de corridas. Brincadeiras de disputas entre eles. Até que no final da manhã, toda suada e cansada, Morielle confessa-lhe:
- Estou exausta, mas feliz, Yuri.
- Imagino. Sabe, principalmente na nossa idade, precisamos nos manter sempre em movimento. Atividades físicas na meia-idade podem ajudar, e muito, nas questões psicológicas. Os esportes ajudam na produção e liberação da serotonina, neurotransmissor que auxilia na regulação do humor e aumenta a sensação de prazer. Portanto, experimentar exercícios físicos e encontrar um que você goste de praticar ajuda muito em uma vida saudável.
- Nada como ter um médico como amigo – brinca ela rindo.
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Na segunda-feira, ao caminhar pela empresa, Adriana percebe as pessoas olhando diferente para ela. Algumas pessoas até a apontam e riem baixinho. E isso dura toda a semana.
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No sábado pela manhã, como é de costume, ela vai com seus filhos ao clube. Só que dessa vez foi diferente. Adriana fica sozinha em uma mesa. Suas conhecidas não vêm sentar-se, conversar com ela. Algumas até lhe viram o rosto.
Amigos, sem qualquer filtro, perguntam à Mônica e Ricardo se àquela matéria sobre a mãe deles é verdade.
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Naquela noite, logo após preparar o jantar, Adriana faz a refeição com seus filhos. Chama-os para conversarem na sala. Sentam-se no sofá.
- Eu tenho um assunto muito importante para tratar com vocês.
- Se for sobre seu namoro com o Almir, mamãe, sabe que dou maior apoio – diz Mônica.
Ricardo permanece quieto. Adriana dirige-se a ele:
- Eu sei filho que você não lida bem com meu namoro. Quando seu pai fez a opção dele de ter outro relacionamento, ninguém foi contra. Será que é só por que ele é homem? E outra. Vocês já devem estar com paqueras. Logo vão para faculdade que escolherem. Vão namorar quem vocês escolherem. Seguirem os destinos que escolherem. Eu irei apoiar suas decisões como sempre fiz. Então por que eu também não tenho o direito de refazer minha vida, ser feliz?
- Acho tudo esquisito, mamãe. Você sempre foi uma executiva respeitada por todos. De repente, compra bar, vira tocadora de piano. Participa de peças de teatro. Agora é motivo de chacota, como aconteceu hoje no clube.
- Acontece meu filho, que eu sempre fui o que a sociedade e seu avô quis que eu fosse. Ele não me permitiu seguir meus sonhos de ser uma musicista, uma pianista. Sempre cumprir à risca todas minhas obrigações e ninguém pode me acusar de ter falhado em algo. Só que agora, com pouco mais de cinquenta anos, a vida está me dando uma nova chance de ser eu mesma. E não vou abrir mão disso!
Olham-se em silêncio por alguns instantes. Adriana completa:
- Mônica e Ricardo, eu estou prestes a tomar uma grande decisão em minha vida. E gostaria muito de saber se posso contar com apoio incondicional de vocês?
Sem precisar de palavras a dizer os três abraçam-se fortemente.
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No dia seguinte, Adriana convoca uma reunião extraordinária de diretoria e acionistas da empresa. Estão todos em volta da grande mesa de reunião, quando ela entra só com uma folha à mão.
Um dos diretores comenta sarcasticamente:
- Pena que aqui não tem piano para a senhora tocar um pouco para nós...
- Com certeza deve ter piano no cabaré da senhora sua mãe! – Responde ela, olhando firme e séria para ele.
Todos abaixam as cabeças para rirem disfarçadamente. Adriana anuncia-lhes:
- Nem irei me sentar, porque meu assunto é bem rápido. Aqui está minha carta de demissão em carácter irrevogável. A partir de agora não faço mais parte desta empresa.
Adriana coloca a folha em cima da mesa e caminha a passos largos até a porta. Para, vira-se e completa:
- Só para deixar uma coisa clara. Não sei qual foi dos senhores que patrocinou àquela matéria tendenciosa naquela revista de quinta. Mas seja quem for, saiba que me fez um grande favor!!!