17 - OS ARTISTAS NO BAR 50!

 

             Com o tempo, o pessoal melancólico afastou-se do Bar 50!. Agora, além de pessoas que curtem lugares temáticos, vários artistas das artes cênicas ou plásticas, escritores passam a fazer ponto ali. Torna-se um ambiente alegre, festivo, onde Adriana sente-se segura e bem em ser quem ela é, sem as pressões, cobranças e imposições de sua carreira de executiva. É como um casulo, onde ela transita para crescer lentamente, passando a viver indo e vindo entre seus dois mundos.

Em uma dessas noites, ao terminar de tocar piano, ela levanta-se e começa a caminhar. Um homem de grandes cabelos grisalhos e jaqueta jeans vem ao seu encontro, parando-a:

- Desculpe-me abordá-la assim, mas eu gostei muito do seu modo de tocar. Gostei mesmo...

- Muito obrigada, senhor!

- Por favor, pode me chamar de você. Sou diretor teatral e no momento estamos com um musical no Theatro São Pedro. Nosso pianista pediu licença por motivo de saúde. Quero lhe perguntar se você pode substitui-lo por uma ou duas semanas?

- Bem, considerando que só tenho uma multinacional, casa, dois filhos e este bar para administrar, posso pensar no seu caso! – Responde Adriana em um sorriso de brincadeira.

Ela chega à mesa de Almir. Dá-lhe um beijo, conta com alegria o convite que recebeu. Vai para trás do balcão render Elias no caixa para ele descansar um pouco.

Minutos depois, ele caminha até o bar buscar mais uma cerveja. Um homem aproxima-se de Almir, comentando por alto:

- Eu tenho a impressão que lhe conheço...

- Pode ser, sou vendedor de móveis há trinta anos – responde sorrindo.

* * *

Em seu quarto, Morielle arruma-se para sair com o pessoal do hospital. Desde que se mudou de São Paulo, ela não tem vida social. Tem vontade de se arrumar, olhando-se no espelho, sempre consciente de sua própria idade. 

Diferente dela, é inegável que a sociedade atual vive uma constante busca pela juventude. Isso fica claro ao analisarmos a grande procura de muitos por produtos dermocosméticos e procedimentos estéticos para impedir o envelhecimento precoce.


A noite é muito agradável com o pessoal do hospital no restaurante. Muitas conversas e risadas. Está sendo a primeira vez que ela sai para um passeio noturno em sua nova cidade. 

Quase de madrugada, doutor Yuri se oferece para levá-la embora. Ao parar o carro em frente de sua residência, o médico lhe diz:

- Desculpe-me se vou ser um pouco invasivo. Reparo que você gosta de se cuidar e estar bem fisicamente. Sabe, eu faço parte de um grupo de atletas amadores que se reúne todas as manhãs de sábados no estádio municipal para praticar várias modalidades. Eu mesmo corro. Se você quiser se ajuntar a nós, apareça por lá.

* * *

José Renato chama Almir à sua cidade para uma reunião. Desta vez, ele prefere não mais ir escondido. Chega pela manhã, passeia com os sobrinhos e sua irmã Eliane por toda a cidade.

No começo da noite, os dois amigos resolvem ir à tradicional choperia, onde José Renato conta-lhe:

- Cara, resolvi seguir seu conselho. Ingressei na faculdade de Letras. Estou amando o curso.

- Fico feliz por você, pode acreditar!

- Eu sei, Almir. Mas o assunto pelo qual lhe chamei aqui é outro. Conversei bastante com meus filhos e nenhum quer dar continuação à fábrica. Eles escolheram faculdades e querem fazer carreiras diferentes em cidades grandes. E vou respeitar isto. Como recebi uma boa oferta de uma grande rede de magazine, penso em vendê-la. Conversei com minha esposa. Como tenho umas economias, o dinheiro da venda será todo aplicado. Como trabalho desde os quatorze anos, assim como você, quero curtir um pouco a vida. Viajar com a mulher. Curtir a faculdade, escrever...

- José Renato, como ficarão os funcionários?

- Isso entrará no acordo. Nenhum deles poderá ser demitido. Inclusive, seu cunhado e irmã. O escritório de representação em São Paulo será incorporado à marca deles, também sem demissão, como no seu caso. Só que você é praticamente meu irmão e está comigo desde o início. É justo que eu lhe recompense com uma parte dos lucros da venda.

- E não vou me fazer de arrogante. Aceito de coração.

Os dois riem. José Renato estimula o amigo:

- Almir, eu acho que você deveria ter a mesma experiência de voltar a estudar assim como eu. Nunca é tarde para estudar, aprender. Você pode fazer um curso tecnológico de dois anos em vendas e marketing.

Entra na choperia um homem de idade, ainda forte, chapéu grande, botas, de um lado do cinto a bainha do canivete, do outro o celular. Caminha até a mesa deles, dizendo-lhes:

- Boa noite, rapazes. Como vão os amigos?

- Bem com a graça de Deus, seu Trazaqui. Lembra-se do Almir? Hoje ele mora em São Paulo.

- Lembro-me muito de todos vocês ainda pivetes. Minha filha mora lá também.

- Sim, ela é nossa cliente – diz Almir: - Estamos mobilhando um apartamento que ela acabou de adquirir. 

- A Adriana é meu grande orgulho. Doutora advogada com muitas especializações no exterior. Uma mulher muito séria, correta. Mandachuva de uma das maiores empresas do mundo. Ela me deu dois netos maravilhosos.

Os amigos apenas se olham. A moça do caixa acena ao fazendeiro.

- Bem, deixa-me pegar a comida que a patroa encomendou. Aproveitem a noite, rapazes.

Depois que o fazendeiro deixou o local, José Renato questionou:

- Almir, por que você não disse que está namorando a filha dele?

- Você viu o tamanho do canivete do cara? E tem algo que ele nem imagina. Neste momento, a filha dele está estreando como pianista de uma peça musical.

E os dois riem muito.

* * *

Após alguns ensaios durante a semana com o grupo teatral, Adriana chega ao Theatro São Pedro para sua primeira apresentação. Lá é uma casa centenária, com uma das histórias mais ricas e surpreendentes da música nacional. Inaugurado em uma época de florescimento cultural, o teatro se insere tanto na tradição dos teatros de ópera criados na virada do século XIX para o XX quanto na proliferação de casas de espetáculo por bairros de São Paulo. Ele é o único remanescente dessa época em que a cultura estava espalhada pelas ruas da cidade, promovendo concertos, galas, vesperais, óperas e operetas.

Fascinada, ela deixa seus filhos sentados em suas poltronas e caminha para os camarins. No corredor, é parada por um homem que lhe pede um minuto de atenção. 

- Sim meu senhor, eu já o vi lá no meu bar.

- Isso, dona Adriana. Sou jornalista e gostaria de lhe perguntar como a senhora está se sentindo por tocar piano aqui neste teatro pela primeira vez?

Ela responde as perguntas simpaticamente. Volta a caminhar, fascinando-se com toda a movimentação das coxias, os bastidores de um espetáculo. Pega as partituras e assume seu lugar ao piano, começando a viver aquela noite memorável!

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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