20 - JOVENS HÁ MAIS TEMPO

 Almir se sente cada vez mais feliz na faculdade rejuvenescido entre os jovens. E estudar nesta idade, é como estar vivendo o que sua mocidade não lhe permitiu. 

Após as aulas durante a semana, quando termina mais tarde, ele sempre volta direto para seu apartamento. Em uma noite, já de pijama, a campainha toca. Ao abrir a porta, ouve:

- Surpresa, vim passar a noite com meu amor! – Diz Adriana sorrindo.

Minutos depois, abraçados no sofá, ele fala algo que a surpreende:

- Adriana, eu ainda não lhe agradeci por naquele dia você ter dito firmemente ao seu pai que está realmente disposta em viver o nosso amor. Acho que foi a primeira vez que alguém realmente “brigou” por mim.

- Almir, meu lindo, eu jamais deixaria alguém decidir ou me dizer o que posso ou não posso fazer!

Ele vai ao aparelho de som. Coloca para tocar “She”. Senta-se novamente, revelando à ela:

- Esta é a nossa música. Eu a traduzi na internet e um trecho dela diz... “Ela pode ser o amor que não pode esperar para a última hora / Pode vir a mim das sombras do passado / Que eu lembre-se até o dia de minha morte / Ela talvez seja a razão pela qual eu sobrevivi / O porquê e para quê estou vivo aquela de quem / cuidarei durante as dificuldades em muitos anos / Eu, eu vou levar o riso dela, as lágrimas dela / E fazer delas todas minhas lembranças / E para onde ela for Eu tenho que estar / O significado da minha vida é / Ela, ela.”

Beijam-se apaixonadamente. A cada dia, vivem o amor maduro, como se passasse da rebentação e se tranquiliza para as braçadas, crescendo e aprende a amar no silêncio, na telepatia de uma música, no sofá da preguiça, na companhia de um livro, na dança separada da rotina. Almir e Adriana vivem o amor verdadeiro. O sentimento que perdura e supera todo tipo de obstáculos. 

- Almir, perto de você eu me sinto como se ainda fosse uma jovem. Mas uma jovem que lhe olha com a certeza que ao seu lado é onde ela quer estar para sempre.

- Nós ainda somos jovens, Adriana. Só que jovens a mais tempo! – Diz ele sorrindo.

Adriana e Almir vão desenvolvendo um relacionamento maduro, com menos medo e drama, mais intimidade e certeza. Na maturidade, homens e mulheres conseguem dar e receber o melhor de si por causa da experiência de vida. Expectativas são realistas, não só em relação ao outro, mas também as individuais. Experiências de vida, relacionamentos anteriores e o próprio amadurecimento fazem com que as pessoas nessa fase da vida, busquem ou encarem o amor de forma mais direcionada, direta e tranquila. Embora, obviamente, ainda cultivem sonhos e objetivos, alimentar idealizações e ideias fantasiosas não costumam integrar seu repertório.

Uma fase de menos ansiedade à medida que o tempo passa, o autoconhecimento é maior. E, consequentemente, homens e mulheres sentem mais seguros, confiantes e não sofrem mais tanto por aquilo que não conseguiram ter ou ser. Também não estão mais preocupados em agradar a todo custo nem a pagar qualquer preço pelo amor. São pessoas que já construíram alguma coisa na vida - família, patrimônio, carreira - e, portanto, o foco é curtir a companhia um do outro. 

* * *

A pedido do amigo, Almir viaja novamente à sua cidade para acompanhar a venda da fábrica. Durante a reunião de assinatura do contrato, o representante da rede de magazine conta-lhes:

- O seu escritório de representação em São Paulo será fechado, mas seus vendedores, por já terem muita experiência com o produto, serão incorporados à nossa cede de vendas. Inclusive o senhor Almir, como o José Renato nos contou que está a trinta anos nessa empresa e cursando faculdade, altamente recomendado, nós lhe promoveremos para supervisor de vendas dessa nova linha de móveis planejados.

Almir faz parte de uma mudança vista na área da educação que também aparece no mercado de trabalho. Nos últimos anos, o mesmo mercado que dava preferência à mão de obra da população jovem passou a valorizar profissionais com mais experiência, acreditando que pessoas sêniores conseguem aliar energia com uma visão mais ampla e madura do mercado.

Terminada a reunião, os representantes vão embora. Os dois continuam ali na sala.

- É, esta fábrica foi uma história bonita, mas acabou! – Exclamou José Renato.

- Você está bem com isso?

- Sim Almir, estou. Essa foi uma decisão bem pensada. Inclusive em comum acordo com toda a família. Preparei-me para esse momento.

José Renato, como muitos na meia-idade, está passando a se dedicar ao seu mundo interior, à nossa subjetividade, sentimentos até agora negligenciados, que nesta fase de nossas vidas, mudamos nossa personalidade de extroversão para introversão, abrandando nosso consciente por uma consciência do inconsciente. Os interesses físicos e materiais mudam para o espiritual, filosófico e intuitivo. Se na tarefa de integrar o inconsciente com o consciente formos bem-sucedidos na primeira etapa da vida (como estudos, escolha e concretização de carreira, formar família e criar filhos), agora na meia-idade, criamos condições de atingir um novo nível de saúde psicológica positiva.

Sem percebermos, enfrentando o inconsciente, o consciente nos apontará novas tarefas e metas que aceitaremos cumpri-las. Nesse processo inato e inevitável que contará com forças ambientais, com nossas oportunidades educacionais, econômicas e a natureza de nossos relacionamentos, principalmente pais-filhos, precisaremos ouvir nossos sonhos, seguir nossas fantasias, exercer a imaginação criativa por meio do ato de escrever, pintar e outras formas de expressão espontânea do inconsciente. Guiar-se menos pelo racional como na fase anterior, revelando-se o nosso verdadeiro ser e ressignificando o nosso lugar neste mundo.

- Tenho uma novidade – comenta José Renato: - Estou terminando de escrever meu primeiro romance.

- Que máximo, cara. Esse farei questão de ler.

- Mas também tenho uma notícia triste, Almir. A Regineide ficou viúva a uma semana. O marido dela teve um infarto fulminante.

* * *

A campainha toca na casa de Regineide. Ela vai atender, pois sua funcionária foi ao mercado. Surpreende-se:

- Almir, o que você faz aqui?

- Posso falar um pouco com você?

- Entra, o meu café da tarde está à mesa. Seja meu convidado.

Sentados, ele fala:

- Acabo de saber que seu marido faleceu. Vim aqui lhe oferecer meus sentimentos. Afinal, no nosso último encontro prometemos um para o outro sermos sempre amigos!

- Com certeza. E lhe agradeço de coração. Tudo foi tão de repente. Ficou um vazio nesta casa e dentro de mim. E preciso ser forte pelos nossos filhos.

Mais um tempo de conversa, Almir lhe conta tudo que está vivendo, inclusive sobre o seu relacionamento com Adriana.

- Você merece, meu amigo. Vejo em seus olhos que está feliz.

- Sim, Regineide. Estou vivendo o melhor momento de minha vida. E vivendo aquilo que quero viver. Não para cumprir qualquer obrigação!

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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