O acidente foi realmente grave. Com uma grande lesão e 30% de sobreviver, Denise ficou por três dias totalmente inconsciente na U.T.I. em um hospital melhor equipado em Araçatuba, a cidade grande mais perto de Guaraçaí. Sua situação inspirava muito cuidado. Em um dado momento, uma enfermeira estava arrumando o travesseiro debaixo de sua cabeça, quando ainda de olhos fechados, Denise perguntou-lhe:
- Onde estou? – Abre os olhos: – Quem é você?
A enfermeira chamou o médico, que respondeu suas
perguntas.
- Denise, você sofreu um acidente de ônibus, mas
agora já está tudo bem. Você está no hospital.
* * *
No dia seguinte, após o café, o médico conversando
com Denise, descobriu um grave problema, o qual, mais tarde, comunicou a sua
mãe:
- Tudo bem com ela, doutor?
- Infelizmente apareceu um problema, Dona Donana.
Denise não está sentindo as pernas. Mas não há de ser nada. Irei transferi-la
para o hospital de São Paulo, para exames mais detalhados, com melhores
equipamentos.
Nesse momento,
Seu Valmir estava chegando ao saguão do hospital, quando sua esposa
abraçando-lhe, diz chorando:
- Nossa filha está inválida!!!
- Verdade, doutor?
- Não é bem assim, Seu Valmir. Denise apenas não está
sentindo as pernas, mas já estamos providenciando a sua locomoção para capital.
Lá, um especialista irá fazer exames mais detalhados.
- O senhor doutor, não pode adiantar nada pra gente?
- Não... Infelizmente ainda não...
* * *
À noite, em casa, os pais de Denise conversavam no
quarto.
Sua mãe foi direta:
- Não posso me conformar, minha filha... Minha única
filha, inválida.
- Ela não está inválida, mulher. O doutor disse-me
que não há de ser nada. Apenas ela tomou uma pancada muito forte e afetou algum
órgão por dentro.
- Quando irão ser feitos os exames?
- Semana que vem... Mas não há de ser nada.
- E se der algum problema?
- Denise irá continuar nossa filha do mesmo jeito.
Não irá?
Dona Donana virou-se para parede e respondeu em
lágrimas:
- Sim, é claro...
* * *
Era para ser mais uma daquelas tardes monótonas
naquele quarto de hospital; as horas que insistiam em não passar na espera do
dia de ir fazer os exames em São Paulo. A rotina foi quebrada pela visita de
suas amigas Sâmara, Mônica e Tininha.
- Que bom ver vocês – Denise recebe-lhes com um
sorriso.
- Como tem passado?
- Bem, Sâmara. E como vai a escola?
- Vai tudo bem - responde Vilma: – Todos com muitas
saudades de nossa líder.
- Estou perdendo muitas matérias?
- Não, Denise. Sua mãe nos deu os seus cadernos e
estamos pondo tudo em dia.
- Que bom...
- Escuta Denise, é verdade que você vai fazer alguns
exames em São Paulo?
- É sim, Mônica, mas eu acho que é só rotina. –
Denise dá um suspiro: – Ah! Não vejo a hora de retomar as minhas atividades,
voltar para a escola e terminar o último semestre de piano.
- Seu sonho é ser pianista, não é?
- É, já pensou, eu dando um concerto no Teatro
Municipal de São Paulo.
- Aí você vai ficar metida e esquecer das amigas. – Diz
Mônica brincando.
- Imagina meninas...
* * *
Denise foi
transferida à São Paulo, sendo submetida a vários exames, feitos pelos melhores
especialistas. No dia seguinte, saiu os resultados. O médico, ao lê-lo, chamou
a família para uma conversa.
- Já tem o resultado, doutor? – Pergunta Seu Valmir.
- Já sim tenho em minhas mãos.
- E qual é, doutor?
- Bem, vou direto ao assunto. Infelizmente as pernas
dela estão mortas. A medicina não pode fazer mais nada. Eu sinto muito...
Donana começou a chorar.
- Denise já sabe?
- Não, Seu Valmir. Temos que preparar ela para lhe
dar a notícia.
- Podemos vê-la, Doutor?
- Sim, quando quiser.
Há caminho do quarto, Donana ainda estava
chorando.
- Donana, para de chorar...
- Não consigo, Valmir.
- Denise vai desconfiar, para de chorar.
- Eu fico do lado de fora.
- E se ela perguntar por você?
- Inventa uma desculpa, Valmir.
Valmir entrou
no quarto sozinho. Denise, ao notá-lo, indagou-lhe:
- E mamãe?
- Ela não pode vir. Teve que ficar no hotel.
- Fazendo o quê?
- Coisas de mulher. E você filha, como vai?
- Bem, pai. Louca para voltar para minhas atividades!
- Logo você voltará. Amanhã mesmo iremos para casa.
- E os resultados papai, já saíram?
Valmir respirou fundo, mesmo que disfarçadamente para
responder:
- Não filha. Só semana que vem. Pode ficar despreocupada,
vai dar tudo certo.
* * *
À noite, no
hotel, sua mãe ainda se mantinha inconformada:
- Não posso me conformar; Denise está inválida...
- Ela não está inválida, mulher, apenas não poderá
mais andar.
- Você diz isto com a maior naturalidade, Valmir. Até
parece que você não é o pai dela, até parece que você não tem sentimento?
- Eu sei que sou o pai de Denise e com tudo isso
estou sofrendo o bastante. Não adianta ficar chorando o dia inteiro. Logo ela
irá ficar sabendo de tudo e precisará de nós mais do que nunca.
- Eu não sei se terei forças nessa hora...
- Donana, apesar de tudo, ela continua sendo nossa
filha. A notícia será talvez, o maior choque da vida de Denise. Nós temos que
incentivá-la nessa hora difícil da vida dela. Pense bem... E aceite a
realidade!
* * *
Denise e seus pais voltaram em uma longa viagem de
oito horas de ambulância, visando o seu melhor conforto. Foram recebidos pelo
pessoal da fazenda e por suas colegas. Após os cumprimentos, Valmir foi gentil
em dizer:
- Bem pessoal, a viagem foi longa e Denise precisa
descansar. Depois vocês conversam.
Enquanto ela descansava, seus pais passavam por um
dilema. Quem iria contar à ela? Não deveria adiar muito tempo. Sua mãe declarou
não ter coragem para fazer tal revelação. Até que Valmir assumiu a
responsabilidade de contar a verdade.
No dia
seguinte, Valmir esperou Denise acordar e foi até o seu quarto. Ao olhara,
sentiu o peso de sua responsabilidade. Ter que dar uma notícia que nunca
imaginou ter que passar por esse momento. Seu olhar em silêncio já parecia
denunciar algo.
- Oi papai...Tem alguma coisa para me dizer?
- Sim filha, tenho.
- Pai, por que durante a viagem a mamãe ficou quieta?
- Vai ver que ela não tinha assunto.
- Logo a mamãe, conta outra, que essa foi boa. Agora
o que o senhor tem pra dizer?
- Nada não filha. Lembrei que tenho que ver um
bezerro doente. Depois eu volto.
E saiu do quarto sem ter coragem de cumprir o que
deveria. Ao voltar para sala, sua esposa o indagou:
- Contou pra ela?
- Não tive coragem.
- E agora?
- Não sei, Donana. Acho melhor nós irmos juntos.
- Será?
- Ou você quer ir sozinha?
- Não, vamos juntos.
Foram juntos
ao quarto da filha. Ao entrarem, Denise que estava analisando suas pernas,
disse:
- Não vejo a hora de voltar a andar. Voltar as minhas
atividades, andar de bicicleta, nadar, ir para escola...
Sua mãe, tomada por uma angústia, não se conteve e há
interrompeu com um golpe de revelação:
- Você não vai
mais andar, filha.
- Como mamãe? – Indagou a menina sem entender o que
sua mãe queria dizer.
Donana foi até sua cama, sentou-se, abraçou-a e
começou a chorar. Seu pai tomou para si a obrigação de explicar-lhe:
- É verdade filha. Já temos os resultados. Suas
pernas estão mortas. Você nunca mais vai andar.
- Papai, mamãe, deixe-me ficar sozinha – pediu
Denise, como quem precisasse de um momento de solidão para digerir a
avassaladora informação que acabara de receber. Colocou a cabeça no travesseiro
e em lágrimas começou a pensar, embora parecesse estar vivenciando uma confusão
mental. Lembrou-se de tudo o que fez até ali. Das festinhas, das amigas,
grandes valores para uma adolescente que pareciam ter tudo acabado.
Perguntou-se: “Será que tudo o que fiz até hoje foi válido? Do que adiantou
tanto lutar, se tive esse fim”?
Talvez, como um mecanismo de defesa, visando superar
a angústia daquele momento, teve uma repentina mudança de ideia, buscando ajuda
superiora: “Não, esse não é o meu fim. Deve ser o começou para uma nova etapa
da minha vida! Já sei... Vou levar meu pensamento a Deus. Só Ele para me guiar
nesta hora... Senhor, mais uma vez estou aqui para levar meu pensamento até a
Ti. Antes de mais nada, gostaria que soubesse que não o crítico por deixar-me
nesta situação. Pois sei que escreve certo por linhas tortas. Senhor, dei-me
forças nessa hora difícil de minha vida. Sei que muito errei, sendo uma pessoa
metida, nojenta e arrogante. Mas errar é humano. Por isso peço o seu perdão e
estou aqui para recomeçar uma nova vida. AMÉM!”