Mesmo fragilizada, Denise sentiu uma enorme vontade de dar a volta por cima. Os dias foram correndo; a vida lá fora de seu quarto lhe chamava para continuar ser personagem desse eterno cotidiano que é viver! Certamente com algumas modificações. Não um recomeçar de novo; mas um recomeçar do ponto em que parou, embora de algumas formas diferentes com perdas e descobertas para sua nova situação. Sentiu também necessidade de ser apoio para seus pais. E, ao chamá-los em seu quarto, comunicou-lhe:
- Papai, mamãe... Não devemos ficar triste. Devemos
sim, dar a volta por cima; aceitar a realidade. A vida continua. Nós temos que
aceitar o fato e vivermos. Eu sei que não vou ter mais aquela vida que tinha,
mas terei uma nova jornada pela frente e vou começá-la de cabeça erguida.
- Tem razão filha – concordou seu pai. – Você vai
vencer nessa nova jornada. Eu farei de tudo possível para que você vença.
- Tenho certeza disto, papai. E a senhora mamãe, não
diz nada?
- Filha. Lembrei agora, tenho uma panela no fogo. Vou
vê-la, dá licença...
Donana saiu do quarto. Denise percebeu alguma coisa.
- Ela não aceita isto, né papai?
- Filha, tente entender sua mãe. Ela não quer ver a
realidade, mas vai acabar entendendo. É duro tanto para ela como para mim. Sei
que entende filha, pois você é uma menina inteligente.
- Sim, papai, eu entendo. Mais cedo ou mais tarde ela
vai aceitar o fato.
- Isso filha. Agora eu tenho um presente pra você!
- O que é, papai?
- Espere um pouquinho, já volto.
Valmir saiu do quarto, voltando em minutos,
empurrando algo.
- Aqui está. – Era uma cadeira de rodas: – Nunca
imaginei ter que lhe dar isto. Mas aqui estão suas novas pernas.
- Ó papai, que bom... Pensei que iria viver muito
tempo nesta cama.
- Não filha, agora você pode andar livre pela casa.
Com o passar
dos dias, Denise começou dominar sua cadeira e a passear pela casa, que sofreu
algumas modificações, principalmente, mudanças de móveis de lugares, visando
permitir sua livre locomoção.
Certa manhã, sua mãe estava na cozinha e ela foi até
lá.
- Mamãe...
- Sim, o que você quer?
- Onde o papai foi?
- Até o curral, por quê?
- Nada não, mamãe. Vou esperar ele na varanda.
Ao voltar à
sala, Denise viu um passarinho em sua gaiola. Rodando sua cadeira, ela foi até
ele, dizendo: “Agora sei os seus sentimentos, meu amiguinho. Como você está
preso em sua gaiola, eu também estou presa nesta cadeira de rodas. Mas isso não
tira o seu ânimo de viver, pois posso ver isto em seu canto. Apesar de tudo,
nós dois amamos isso que chamam de vida”!
Seu pai vinha chegando, quando viu Denise na varanda.
- Oi filha, está tomando um pouco de ar puro?
- Não papai, estou esperando o senhor para fazer uma
pergunta.
- Sim, filha, pode fazer?
- Pai, eu queria voltar à escola. O senhor teria
paciência para me levar e buscar todos os dias?
- Bem Denise. Isto iria atrapalhar um pouco minhas
atividades aqui na fazenda. E além disso filha, você já perdeu muito tempo de
aula. Vai ser difícil de recuperar. Será que você consegue?
- Sim papai, sei que vou conseguir. Deixe-me
tentar!!!
- Se você quiser filha, eu posso lhe arrumar um
professor particular?
- Não papai, eu quero estudar como todo mundo... Por
favor, não me decepcione...
- Sim filha, prepare-se. A partir de segunda-feira
você voltará para escola.
* * *
Para completar
a sua felicidade naquele dia à tarde, Denise recebeu a visita de suas três
amigas.
- Sua mãe nos disse que você quer voltar a estudar,
verdade?
- Verdade, Sâmara. O que vocês acham, meninas?
- Eu acho ótimo – responde Lena.
- Eu também – concorda Tininha.
- Será que eu me recupero?
- Recupera sim, Denise – diz Sâmara: – E quando você
começa?
- Segunda. Sabe meninas, sei que será muito duro
recomeçar. Mas para lutar, estou disposta. E espero poder contar com vocês.
Todas disseram lhe ajudar em tudo que puderem.
- Obrigada minhas amigas... – Agradece Denise: –
Vocês incentivam-me a viver!
* * *
Na
segunda-feira, Valmir levou a filha à escola... No pátio, enquanto sentada na cadeira
de rodass, Denise esperava o sinal para entrada, percebeu que a garotada
olhava-a com curiosidade. Os olhos curiosos olhavam diretamente para ela. A princípio
ela se perturbou com aquilo. Sâmara, percebendo, disse-lhe:
- Daqui prá frente será sempre assim, Denise. Eu acho
que você não deve ligar e aceitar isso com naturalidade.
- É Sâmara. Você tem razão. Por onde eu andar, sempre
terá curiosos!
Bateu o sino e todos formaram as filas. Sâmara
empurrou a cadeira da amiga até à classe. Lá, a professora de português, dona
Cleuza, tirou a primeira carteira da frente, Sâmara pôs Denise e a professora
colocou a carteira à frente da cadeira de rodass que não se encaixou direito.
- Sinto muito Denise. Mas por enquanto terá que ser
assim – lamentou a professora.
- Está ótimo! - Exclamou Denise.
A aula já havia
começado, quando a diretora entrou à classe. Todos se levantaram por educação.
- Podem sentar-se – diz a diretora: – Denise, estou
aqui para dizer que você é bem-vinda em nossa escola. Não só por parte da
direção, como de todos os funcionários e de seus colegas.
- Obrigado, Dona Norma - agradece Denise.
- Eu e os seus professores, fizemos o possível para
atrasarmos a entregas das notas das provas, para dar tempo para você fazê-las.
Só que não foi possível. Há ainda pela frente três exames bimestrais.
- Tenho certeza que você vai se recuperar.
- Irei fazer o possível, Dona Norma.
- O que você precisar, pode contar conosco. Bem, eu
vou para diretoria, dá licença e juízo meninada.
No recreio, os
meninos conversam com ela. Depois de um bom bate-papo, um amigo, sem meias
palavras, disse à Denise:
- Você mudou, Denise. Agora não é mais aquela pessoa
esnobe. Está atenciosa. Conversando com todo mundo. Rindo, brincando. O que
aconteceu?
- É... Eu descobri uma nova vida, que eu sufocava
dentre de mim!
Nesse momento,
tocou o sino da inspetora Koti. Voltaram para classe. Era hora da aula de
geografia. Considerado pela classe como o melhor professor da escola por sua
calma, Seu José dos Mapas também era o presidente do jornal da cidade. Ele
perguntou à Denise:
- É verdade que você faz poesias?
- Sim, é verdade, Seu Zé.
- Você quer colaborar com o nosso jornal?
- Colaboro. Será uma grande honra para mim.
- Ótimo, Denise. Vai me trazendo as poesias ou
poemas, que a gente vai publicando.
Terminado o
primeiro dia de aula. Valmir veio buscar Denise e também levou a sua colega e
vizinha de sítio, a Carminha. No caminho, elas conversaram.
* * *
Os dias foram
passando e Donana fingia estar tudo bem, mas ainda não se conformava com o
ocorrido. Certo dia, Denise decidiu chamar sua mãe para uma conversa.
- Mamãe, podemos ter uma conversa de filha para mãe?
- Sim, filha – respondeu Donana, parando de lavar a
louça, sentando-se à mesa.
- Mamãe, a senhora ainda não aceita a realidade por
eu estar nessa cadeira de rodas, não é?
- Eu nunca disse nada, filha...
- Mas demonstra em seus modos. - Sua mãe ficou
quieta: - Antes de tudo acontecer, a senhora me tratava diferente. Ensinava-me
coisas da vida. Os deveres domésticos. Queria sempre me ver bem arrumada. Até
como lidar com os garotos a senhora ensinava-me. Agora não me dá seus sábios
conselhos. Nós só dialogamos o necessário. Pó Mãe! A senhora não entende.
Depois do acidente, eu continuo sendo sua filha. Agora que estou nessa cadeira
de rodas, tudo tornou-se mais difícil para mim. Eu preciso da senhora, mais do
que nunca!!!
Donana abraçou Denise chorando.
- Você tem razão. Esse acidente não deveria ter
mudado em nada o nosso relacionamento. Te amo filha... Como sempre te amei!
* * *
No outro dia,
no café da manhã, mais uma surpresa para jovem foi anunciada pelo seu pai:
- Denise, ontem à noite eu e sua mãe tivemos uma
conversa e decidimos comprar uma casa na cidade e você e sua mãe morar lá.
Assim iria facilitar as coisas para todos. O que você acha, filha?
- Eu acho uma boa, papai. Mas e o senhor?
- Eu iria estar lá todos os dias, ou vocês viriam
aqui dar uma arrumadinha na casa. Sua mãe também tirará a carteira de motorista
para vocês se locomoverem melhor.
- Pra mim está ótimo, papai!!!
* * *
Mais tarde,
na escola, Denise e suas amigas conversaram.
- Você vem à brincadeira sábado, Denise?
- Acho que não, Samara. Meu pai não iria querer me
trazer. E não tiro a razão dele. A semana inteira me levando e me trazendo da
escola. Preocupando-se com os problemas da fazenda. Chega o fim de semana ele
está esgotado. Deixa pra quando eu me mudar para cidade.
- E quando você vai se mudar?
- Semana que vem... - Respondeu Denise.