Denise e seus pais estavam na sala vendo ao programa “Viva a Noite”, do Gugu Liberato, quando Zezinho, seu irmão apareceu, pedindo:
- Pai me empresta o carro, prá eu sair?
- Sim filho. Pode pegar.
- Onde você vai, Zezinho? - Perguntou sua irmã.
- Não sei ainda, Denise. Vou dar uma paquerada ou
talvez ir à brincadeira.
- Então bom divertimento - desejou ela.
Zezinho já havia saído da sala, quando resolveu
voltar surpreendendo a todos.
- Quer ir, Denise? Eu espero você se arrumar?
- Eu não vou atrapalhar?
- Imagina. E depois lá você vai encontrar suas
amigas.
Ela virou-se para o seu pai:
- Posso ir, papai?
- Eu nunca lhe proibi de sair, filha...
- Mas eu pensei que...
- Pensou errado, filha – interrompeu sua mãe: – Eu e
seu pai queremos que você continue tendo uma vida normal. Vamos... Eu vou te
ajudar a se arrumar!
E as duas saíram da sala.
- Fiquei contente de ver filho. Você e Denise nunca
se deram bem. Agora você a convida pra sair e tem paciência de ficar a esperando
se arrumar.
- É pai. Mas me dá dó vê-la nesse estado.
- Não filho. Você não deve ficar com dó. Atualmente
ela está nos dando uma linda lição de vida. Nós devemos enxergá-la como uma
pessoa normal, sem dó, sem vergonha e sem nenhum preconceito.
Devemos sim, incentivá-la a viver e lutar pelos seus
ideais.
- Sim pai. O senhor tem toda razão!
* * *
Eles foram para o baile na cidade. Logo ao chegar no
restaurante e bar “O Porão”, Denise encontrou suas amigas, surpresas ao vê-la.
- É Denise. Você disse que não ia sair hoje?
- É que meu irmão me trouxe...
- Então agora nossa turma está completa - disse Lena.
Depois de um longo bate-papo, Denise viu quando
Henrique entrou no bar, mais nem olhou para ela, deixando-a chateada, mas não
demonstrou às amigas...
- Vamos para o Clube? - Propôs Tininha.
- Vamos... - Concordaram todas.
Na saída do bar havia dois degraus, obrigando Sâmara,
Lena, Tininha e Carminha, erguerem a cadeira da amiga. Na entrada do clube
outra escadaria como uma nova barreira arquitetônica, sendo carregada pelos
seguranças. Um novo obstáculo. A cadeira de rodas não passava pela pequena
porta de entrada. Foi quando o presidente do Guaraçaí Clube sugeriu a abertura
de um portão de vidro, o que foi feito. Assim com ajuda de todos, tudo ia
ficando mais fácil, viver em uma cidade pequena onde o humanismo, a
solidariedade e outros sublimes valores humanos ainda conseguem resistir!
A princípio as
cinco ficaram juntas ao redor de uma mesa. Depois foram se separando, Lena teve
que ir embora mais cedo, Tininha e Sâmara estavam com seus namorados. Assim ficou
só Denise e Carminha juntas. Começou a tocar uma música lenta. E entre os
instrumentos, apareceu um piano.
- Sabe Carminha, eu tenho vontade de voltar às aulas
de piano.
- E por que não volta, Denise?
- Sei lá, Carminha. Eu ando meio desanimada.
- Ser uma pianista, sempre foi o seu sonho, não é?
- É. Um dia eu sonhei em tocar no Teatro Municipal de
São Paulo!
- Por que você disse, “sonhei”?
- Porque não tenho mais esperança, Carminha...
- Calma lá, Denise. Até agora você estava dando pra
todos nós uma lição de vida, enfrentando o dia-a-dia de cabeça erguida.
Superando todas as suas dificuldades. Agora se abaixa sem esperanças de
realizar o seu maior ideal.
- É, você tem razão. Amanhã mesmo irei falar com meus
pais sobre isso. Afinal, só faltam três meses para eu me formar.
- Assim que se fala!!! - Exclamou Carminha
Por várias vezes, Henrique passou por Denise, sem se quer cumprimentá-la. Ela não queria admitir para si mesma algo que estava sentindo, mas ela não desviava os olhos e o pensamento dele. De repente, seu irmão aproximou-se. - Denise, vamos embora?
- Vamos Zezinho. Quer uma carona, Carminha?
- Quero sim, Denise...
Quando eles estavam passando pelo portão de vidro em
direção ao carro, um desconhecido rapaz entregou à Denise um bilhete. Ela abriu
e leu:
Vou esperar você amanhã à noite na praça”
“Um
Fã”
- De quem é, Denise?
- Não sei, Carminha. Assinou como “um fã”. Ele disse
que quer me ver amanhã no jardim. Você me traz, Zezinho? - Claro, maninha!
“Então até amanhã, meu fã!” - Pensou Denise...
* * *
No dia seguinte, Denise acordou já na hora do almoço.
Cheia de dúvidas na cabeça. Por um lado, era o Henrique que não saía de sua
mente; por outro lado, a curiosidade de saber quem era “um Fã”. Essa última não
a perturbava muito, pois ele iria se revelar à noite na praça. Mas por que o
pensamento em Henrique?
Logo veio o
tradicional almoço de domingo. Na mesa toda a família reunida e o que não
poderia deixar, o macarrão com molho de tomate. Conversa vai, conversa vem,
Denise resolveu falar:
- Ontem à noite eu estive pensando muito em uma coisa
que tenho vontade de fazer.
- E o que é, filha?
- Eu queria voltar a estudar piano.
- Eu acho uma boa... - Disse Zezinho.
- Eu também gostaria filha. Mas vamos com calma.
Depois que você estiver morando na cidade, a gente conversa sobre isto.
- Tudo bem, papai.
- Mudando de assunto. Como foi a brincadeira, Denise?
- Muito boa, mamãe - respondeu Denise, sem nada dizer
com relação ao bilhete.
- Denise, pode ir hoje à praça comigo, pai? -
Perguntou Zezinho.
- Sim filho. Só não voltem tarde, que amanhã ela tem
aula.
* * *
No período da tarde, Denise recebeu a visita da
vizinha Carminha. Após um bom bate-papo, Denise – que já tinha nela uma confiança
de amiga intima -, confessou-lhe que não conseguia desviar o pensamento de
Henrique. A amiga deu a sua opinião:
- Bem, Denise. Pelo jeito você está começando a
gostar dele.
- Não brinca, Carminha...
- Eu não estou brincando. Os sintomas de quem está
começando amar, são exatamente esses que você está tendo.
- Eu tenho medo, Carminha.
- Medo do quê?
- Medo de sofrer!
- Larga de ser boba, menina.
- É sim, Carminha. Você não viu ontem? Ele nem olha
mais para mim. Nem cumprimentar, ele nem me cumprimenta mais. Vai que eu me
apaixono e começo a sofrer...
- Isso não há de acontecer. Não é hoje que você vai
conhecer o teu fã misterioso?
- É. Pelo menos eu espero. – Respondeu Denise, dando
uma pausa pensativa e voltando com uma interrogação: – Quem será? - Não tenho a
mínima ideia... - Respondeu a amiga.
* * *
A noite
chegou. Quando Denise deu por si, já estava parada conversando com Carminha na praça
municipal. Sua a amiga perguntou-lhe:
- Vamos dar uma volta pelo jardim?
- Vamos... - Respondeu Denise.
Carminha foi empurrando a cadeira da amiga. A praça estava cheia de pessoas, casais de namorados, todos olhando para Denise. Só que isso não importava, pois ela estava ansiosa para conhecer um “Um fã”. Foi quando um garotinho parou em frente dela cadeira e entregou um bilhete. Ela abriu e começou a ler:
D E N I S E !
Fiquei contente por
ter vindo. Sei que você deve estar curiosa para saber quem sou. Pensei
apresentar-me hoje, mas decidir que ainda não chegou a hora. Desculpe-me por
deixá-la curiosa. Espero-lhe sábado no pré-carnaval no Guaraçaí Clube.
Novamente,
“UM FÔ
Depois de receber aquele bilhete, as duas foram para
o Guaraçaí Clube (na brincadeira dançante de domingo). Lá, Denise não conseguia
desviar o pensamento e os olhos de Henrique. Ele por sua vez nem a olhava. Foi
quando ela se autoconvenceu que estava gostando dele.
* * *
Na
segunda-feira, depois que Valmir pegou Denise e Carminha na escola, ele disse:
- Filha, tenho uma coisa para lhe mostrar.
Ele se dirigiu em rumo ao jardim e entrou na Avenida
Presidente Vargas. Bem em frente à Praça do lado esquerdo da avenida, quase na
esquina, parou o carro em frente a uma casa de altas grades brancas.
- Aqui será sua nova residência. Foi o melhor que
arrumei.
Denise sem nada dizer, observou. Era uma casa
moderna, um metro mais alta do nível do asfalto. Em frente da casa dois
canteiros e em volta deles era tudo calçado de lajotas. No lado esquerdo da
casa, uma rampa dava entrada para garagem. Logo após a garagem, um corredor bem
largo todo cimentado, encontrava-se com o grande quintal do fundo que parecia
mais um estacionamento. Nos fundos havia outra casa com uma varanda comprida,
um tanque e quatro portas. Era um banheiro e três cômodos vazios que iriam
ficar para dispensa. Por dentro, a enorme cozinha toda azulejada. Duas grandes
salas. Quatro quartos e um enorme banheiro. Tudo bem construído e moderno.
- Isso deve ter custado uma fortuna! – Exclamou
Denise.
- Sim, filha, ficou. Mas não importa. Eu quis tudo
grande para que você se locomova melhor... E então, gostou?
- Adorei, papai. Obrigada.
Ao caminho para a fazenda continuou a conversa.
- Quando eu e mamãe vamos nos mudar?
- Esta semana ainda filha.
- É, agora eu e você Denise, só vamos nos ver na
escola e nos finais de semanas – observou Carminha.
- Por que você não vem morar com Denise e minha
mulher? Assim uma faz companhia uma para outra e vocês podem até estudar juntas
– disse Valmir.
- Vou pedir para o meu pai.
- Isso, pede sim, Carminha... - Incentivou a amiga.
* * *
No dia
seguinte, Denise levou para o Professor de geografia, Seu José dos Mapas, uma
poesia para o jornal, falando de sua escola.
Gosto
de minha escola.
Por
isso, posso agradecer.
Obrigada
a todos
Que
me incentivam a viver.
Meus
versos são mudos,
Mas
não ficam calados.
Por
isso digo mais uma vez,
Muito
obrigado ...
* * *
No meio da
semana, Denise e sua mãe se mudaram para cidade. Carminha também foi junta.
Donana, estava na cozinha arrumando a louça no armário, quando Denise entrou
quieta. Viu uma pilha de pratos em cima da mesa. Pensou em ajudar sua mãe.
Pegou a pilha de prato, mas deixou cair ao chão. Sua mãe, de costas, disse
brava pensando que era a empregada.
- Eu já falei pra você tomar cuidado...
Virou-se, surpreendendo-se ao ver que era Denise.
- Eu só queria ajudar, mamãe!
- Ó filha, desculpe-me. Olha, faz o seguinte. Vai
para o seu quarto e vê se não tem nada da escola para fazer.
- Sim, mamãe...
– Concordou Denise, indo para o seu quarto, deixando a porta aberta.
Olhou para o espelho, dizendo em voz alta:
- Eu não sirvo mesmo para nada.
Carminha entrou nesse momento no quarto.
- Não Denise, aí que você se engana. Você pode não
servir para uma coisa. Servirá para outra. É só você lutar pelos seus ideais.
- Como eu posso lutar pelos meus ideais se minha
própria família não quer me apoiar?
- O que você estar dizendo, Denise?
- É sim, Carminha. Todas as vezes que eu toco no
assunto com meus pais de voltar a estudar piano, eles dizem para falar disso
outra hora, ou simplesmente mudam de assunto.
- Pelo jeito, você ainda não sabe...
- Sabe o que Carminha?
- Sei que você não vai querer, mas seu pai já
contratou uma professora particular de piano.
- Não é que eu não queira, Carminha. Eu queria
estudar com todos. Num seminário comum e não ter o luxo de ter uma professora
particular.
- Sim, acho bonito isso, Denise. Só que você tem que entender
que a sua vida mudou. Muitas coisas você vai ter que abrir mão.
- É, mais uma vez, você tem razão!
* * *
Chegou o fim
de semana. Com ele o pré-carnaval. Todos estavam animados para a folia.
Principalmente Denise, na esperança de saber quem era o seu fã. No Clube, a
banda começou a tocar. Todas as garotas caíram na folia pelo salão, menos
Carminha que ficou sentada ao lado da amiga.
- Você não vai brincar, Carminha?
- Não. Vou lhe fazer companhia.
- Por isso não, Carminha. Não me incomodo de ficar
sozinha.
- Então tá, Denise. Eu vou brincar um pouco.
Denise ficou sozinha. Amiúde, ela viu entre a
multidão, Henrique. Sentiu algo em seu coração. E entre os clarins e toda
aquela alegria se entristeceu. Durante alguns minutos ficou naquela solidão.
Até que apareceu alguém vestido de palhaço com uma máscara negra.
- Vamos brincar?
Devido ao barulho, a comunicação se torna difícil.
- Eu não ouvi direito...
Ele chegou perto de seu ouvido.
- Quer brincar comigo?
- Eu não posso... - Respondeu Denise simpaticamente.
- Lógico que pode.
- Mas como?
- Assim... - Respondeu ele, começando a empurrar sua cadeira
de rodas pelo salão. De repente, os foliões começaram a jogar confete e
serpentina nela, que começou a sorrir e disse ao palhaço:
- Nunca dei tanto valor para o carnaval, como neste
momento.
- Eu falei que você podia...
- Afinal, quem é você?
Ele ficou mudo. E Denise pensou: “Ele não ouviu.
Bom, isso não importa. Deve ser um amigo mascarado, brincando comigo”.
- Esta sua fantasia de bailarina é linda! - Observou
o palhaço.
- Obrigada.
- Não, você não precisa agradecer. Sua fantasia é
linda, mas nem se compara com a beleza de seu rosto.
Denise foi ficando fascinada por tudo aquilo. Tudo
era como um sonho que teria um fim!!! O palhaço a levou para o lugar que havia lhe
tirado.
- Bem, agora preciso ir.
- Você é quem afinal?
- “Um fã!” - Respondeu ele já saindo.
- Você vem no carnaval?
- Talvez... - E sumiu entre a multidão.
“Mas mesmo assim, eu vou te esperar!” – Pensou
ela.
* * *
Durante a
semana, Denise começou a ter aula de piano com sua professora particular. No
geral, tinha momentos de grande tristeza e solidão, quando pensava em Henrique.
Havia um motivo de alegria à vista; as quatro noites de carnaval que se
aproximava e as esperanças de ver e conhecer o “Um fã!”