4 - QUANDO NASCE UM NOVO AMOR

 

Denise e seus pais estavam na sala vendo ao programa “Viva a Noite”, do Gugu Liberato, quando Zezinho, seu irmão apareceu, pedindo:

- Pai me empresta o carro, prá eu sair?

- Sim filho. Pode pegar.

- Onde você vai, Zezinho? - Perguntou sua irmã.

- Não sei ainda, Denise. Vou dar uma paquerada ou talvez ir à brincadeira.

- Então bom divertimento - desejou ela.

Zezinho já havia saído da sala, quando resolveu voltar surpreendendo a todos.

- Quer ir, Denise? Eu espero você se arrumar?

- Eu não vou atrapalhar?

- Imagina. E depois lá você vai encontrar suas amigas.

Ela virou-se para o seu pai:

- Posso ir, papai?

- Eu nunca lhe proibi de sair, filha...

- Mas eu pensei que...

- Pensou errado, filha – interrompeu sua mãe: – Eu e seu pai queremos que você continue tendo uma vida normal. Vamos... Eu vou te ajudar a se arrumar!

E as duas saíram da sala.

- Fiquei contente de ver filho. Você e Denise nunca se deram bem. Agora você a convida pra sair e tem paciência de ficar a esperando se arrumar.

- É pai. Mas me dá dó vê-la nesse estado.

- Não filho. Você não deve ficar com dó. Atualmente ela está nos dando uma linda lição de vida. Nós devemos enxergá-la como uma pessoa normal, sem dó, sem vergonha e sem nenhum preconceito.

Devemos sim, incentivá-la a viver e lutar pelos seus ideais. 

- Sim pai. O senhor tem toda razão!

* * *

Eles foram para o baile na cidade. Logo ao chegar no restaurante e bar “O Porão”, Denise encontrou suas amigas, surpresas ao vê-la.

- É Denise. Você disse que não ia sair hoje?

- É que meu irmão me trouxe...

- Então agora nossa turma está completa - disse Lena.

Depois de um longo bate-papo, Denise viu quando Henrique entrou no bar, mais nem olhou para ela, deixando-a chateada, mas não demonstrou às amigas...

- Vamos para o Clube? - Propôs Tininha.

- Vamos... - Concordaram todas.

Na saída do bar havia dois degraus, obrigando Sâmara, Lena, Tininha e Carminha, erguerem a cadeira da amiga. Na entrada do clube outra escadaria como uma nova barreira arquitetônica, sendo carregada pelos seguranças. Um novo obstáculo. A cadeira de rodas não passava pela pequena porta de entrada. Foi quando o presidente do Guaraçaí Clube sugeriu a abertura de um portão de vidro, o que foi feito. Assim com ajuda de todos, tudo ia ficando mais fácil, viver em uma cidade pequena onde o humanismo, a solidariedade e outros sublimes valores humanos ainda conseguem resistir!

 A princípio as cinco ficaram juntas ao redor de uma mesa. Depois foram se separando, Lena teve que ir embora mais cedo, Tininha e Sâmara estavam com seus namorados. Assim ficou só Denise e Carminha juntas. Começou a tocar uma música lenta. E entre os instrumentos, apareceu um piano. 

- Sabe Carminha, eu tenho vontade de voltar às aulas de piano.

- E por que não volta, Denise?

- Sei lá, Carminha. Eu ando meio desanimada.

- Ser uma pianista, sempre foi o seu sonho, não é?

- É. Um dia eu sonhei em tocar no Teatro Municipal de São Paulo!

- Por que você disse, “sonhei”?

- Porque não tenho mais esperança, Carminha...

- Calma lá, Denise. Até agora você estava dando pra todos nós uma lição de vida, enfrentando o dia-a-dia de cabeça erguida. Superando todas as suas dificuldades. Agora se abaixa sem esperanças de realizar o seu maior ideal.

- É, você tem razão. Amanhã mesmo irei falar com meus pais sobre isso. Afinal, só faltam três meses para eu me formar.

- Assim que se fala!!! - Exclamou Carminha

 Por várias vezes, Henrique passou por Denise, sem se quer cumprimentá-la. Ela não queria admitir para si mesma algo que estava sentindo, mas ela não desviava os olhos e o pensamento dele. De repente, seu irmão aproximou-se.  - Denise, vamos embora?

- Vamos Zezinho. Quer uma carona, Carminha?

- Quero sim, Denise...

Quando eles estavam passando pelo portão de vidro em direção ao carro, um desconhecido rapaz entregou à Denise um bilhete. Ela abriu e leu:  

 Vou esperar você amanhã à noite na praça”

“Um Fã”

 - De quem é, Denise?

- Não sei, Carminha. Assinou como “um fã”. Ele disse que quer me ver amanhã no jardim. Você me traz, Zezinho? - Claro, maninha!

Então até amanhã, meu fã!” - Pensou Denise...  

* * *

No dia seguinte, Denise acordou já na hora do almoço. Cheia de dúvidas na cabeça. Por um lado, era o Henrique que não saía de sua mente; por outro lado, a curiosidade de saber quem era “um Fã”. Essa última não a perturbava muito, pois ele iria se revelar à noite na praça. Mas por que o pensamento em Henrique?

 Logo veio o tradicional almoço de domingo. Na mesa toda a família reunida e o que não poderia deixar, o macarrão com molho de tomate. Conversa vai, conversa vem, Denise resolveu falar:

- Ontem à noite eu estive pensando muito em uma coisa que tenho vontade de fazer.

- E o que é, filha?

- Eu queria voltar a estudar piano.

- Eu acho uma boa... - Disse Zezinho.

- Eu também gostaria filha. Mas vamos com calma. Depois que você estiver morando na cidade, a gente conversa sobre isto.

- Tudo bem, papai.

- Mudando de assunto. Como foi a brincadeira, Denise?

- Muito boa, mamãe - respondeu Denise, sem nada dizer com relação ao bilhete.

- Denise, pode ir hoje à praça comigo, pai? - Perguntou Zezinho.

- Sim filho. Só não voltem tarde, que amanhã ela tem aula.

* * *

No período da tarde, Denise recebeu a visita da vizinha Carminha. Após um bom bate-papo, Denise – que já tinha nela uma confiança de amiga intima -, confessou-lhe que não conseguia desviar o pensamento de Henrique. A amiga deu a sua opinião:

- Bem, Denise. Pelo jeito você está começando a gostar dele.

- Não brinca, Carminha...

- Eu não estou brincando. Os sintomas de quem está começando amar, são exatamente esses que você está tendo.

- Eu tenho medo, Carminha.

- Medo do quê?

- Medo de sofrer!

- Larga de ser boba, menina.

- É sim, Carminha. Você não viu ontem? Ele nem olha mais para mim. Nem cumprimentar, ele nem me cumprimenta mais. Vai que eu me apaixono e começo a sofrer...

- Isso não há de acontecer. Não é hoje que você vai conhecer o teu fã misterioso?

- É. Pelo menos eu espero. – Respondeu Denise, dando uma pausa pensativa e voltando com uma interrogação: – Quem será? - Não tenho a mínima ideia... - Respondeu a amiga.

* * *

 A noite chegou. Quando Denise deu por si, já estava parada conversando com Carminha na praça municipal. Sua a amiga perguntou-lhe:

- Vamos dar uma volta pelo jardim?

- Vamos... - Respondeu Denise.

Carminha foi empurrando a cadeira da amiga. A praça estava cheia de pessoas, casais de namorados, todos olhando para Denise. Só que isso não importava, pois ela estava ansiosa para conhecer um “Um fã”. Foi quando um garotinho parou em frente dela cadeira e entregou um bilhete. Ela abriu e começou a ler: 

D E N I S E !

Fiquei contente por ter vindo. Sei que você deve estar curiosa para saber quem sou. Pensei apresentar-me hoje, mas decidir que ainda não chegou a hora. Desculpe-me por deixá-la curiosa. Espero-lhe sábado no pré-carnaval no Guaraçaí Clube.

Novamente, 

“UM FÔ

Depois de receber aquele bilhete, as duas foram para o Guaraçaí Clube (na brincadeira dançante de domingo). Lá, Denise não conseguia desviar o pensamento e os olhos de Henrique. Ele por sua vez nem a olhava. Foi quando ela se autoconvenceu que estava gostando dele. 

* * *

 Na segunda-feira, depois que Valmir pegou Denise e Carminha na escola, ele disse:

- Filha, tenho uma coisa para lhe mostrar.

Ele se dirigiu em rumo ao jardim e entrou na Avenida Presidente Vargas. Bem em frente à Praça do lado esquerdo da avenida, quase na esquina, parou o carro em frente a uma casa de altas grades brancas.

- Aqui será sua nova residência. Foi o melhor que arrumei.

Denise sem nada dizer, observou. Era uma casa moderna, um metro mais alta do nível do asfalto. Em frente da casa dois canteiros e em volta deles era tudo calçado de lajotas. No lado esquerdo da casa, uma rampa dava entrada para garagem. Logo após a garagem, um corredor bem largo todo cimentado, encontrava-se com o grande quintal do fundo que parecia mais um estacionamento. Nos fundos havia outra casa com uma varanda comprida, um tanque e quatro portas. Era um banheiro e três cômodos vazios que iriam ficar para dispensa. Por dentro, a enorme cozinha toda azulejada. Duas grandes salas. Quatro quartos e um enorme banheiro. Tudo bem construído e moderno.

- Isso deve ter custado uma fortuna! – Exclamou Denise.

- Sim, filha, ficou. Mas não importa. Eu quis tudo grande para que você se locomova melhor... E então, gostou?

- Adorei, papai. Obrigada.

Ao caminho para a fazenda continuou a conversa.

- Quando eu e mamãe vamos nos mudar?

- Esta semana ainda filha.

- É, agora eu e você Denise, só vamos nos ver na escola e nos finais de semanas – observou Carminha.

- Por que você não vem morar com Denise e minha mulher? Assim uma faz companhia uma para outra e vocês podem até estudar juntas – disse Valmir.

- Vou pedir para o meu pai.

- Isso, pede sim, Carminha... - Incentivou a amiga. 

* * *

 No dia seguinte, Denise levou para o Professor de geografia, Seu José dos Mapas, uma poesia para o jornal, falando de sua escola.

 

Gosto de minha escola.

Por isso, posso agradecer.

Obrigada a todos

Que me incentivam a viver.

 

Meus versos são mudos,

Mas não ficam calados.

Por isso digo mais uma vez,

Muito obrigado ... 

* * *

 No meio da semana, Denise e sua mãe se mudaram para cidade. Carminha também foi junta. Donana, estava na cozinha arrumando a louça no armário, quando Denise entrou quieta. Viu uma pilha de pratos em cima da mesa. Pensou em ajudar sua mãe. Pegou a pilha de prato, mas deixou cair ao chão. Sua mãe, de costas, disse brava pensando que era a empregada.

- Eu já falei pra você tomar cuidado...

Virou-se, surpreendendo-se ao ver que era Denise.

- Eu só queria ajudar, mamãe!

- Ó filha, desculpe-me. Olha, faz o seguinte. Vai para o seu quarto e vê se não tem nada da escola para fazer.

- Sim, mamãe...  – Concordou Denise, indo para o seu quarto, deixando a porta aberta. Olhou para o espelho, dizendo em voz alta:

- Eu não sirvo mesmo para nada.

Carminha entrou nesse momento no quarto.

- Não Denise, aí que você se engana. Você pode não servir para uma coisa. Servirá para outra. É só você lutar pelos seus ideais.

- Como eu posso lutar pelos meus ideais se minha própria família não quer me apoiar?

- O que você estar dizendo, Denise?

- É sim, Carminha. Todas as vezes que eu toco no assunto com meus pais de voltar a estudar piano, eles dizem para falar disso outra hora, ou simplesmente mudam de assunto.

- Pelo jeito, você ainda não sabe...

- Sabe o que Carminha?

- Sei que você não vai querer, mas seu pai já contratou uma professora particular de piano.

- Não é que eu não queira, Carminha. Eu queria estudar com todos. Num seminário comum e não ter o luxo de ter uma professora particular.

- Sim, acho bonito isso, Denise. Só que você tem que entender que a sua vida mudou. Muitas coisas você vai ter que abrir mão.

- É, mais uma vez, você tem razão!

* * *

 Chegou o fim de semana. Com ele o pré-carnaval. Todos estavam animados para a folia. Principalmente Denise, na esperança de saber quem era o seu fã. No Clube, a banda começou a tocar. Todas as garotas caíram na folia pelo salão, menos Carminha que ficou sentada ao lado da amiga.

- Você não vai brincar, Carminha?

- Não. Vou lhe fazer companhia.

- Por isso não, Carminha. Não me incomodo de ficar sozinha.

- Então tá, Denise. Eu vou brincar um pouco.

Denise ficou sozinha. Amiúde, ela viu entre a multidão, Henrique. Sentiu algo em seu coração. E entre os clarins e toda aquela alegria se entristeceu. Durante alguns minutos ficou naquela solidão. Até que apareceu alguém vestido de palhaço com uma máscara negra.

- Vamos brincar?

Devido ao barulho, a comunicação se torna difícil.

- Eu não ouvi direito...

Ele chegou perto de seu ouvido.

- Quer brincar comigo?

- Eu não posso... - Respondeu Denise simpaticamente.

- Lógico que pode.

- Mas como?

- Assim... - Respondeu ele, começando a empurrar sua cadeira de rodas pelo salão. De repente, os foliões começaram a jogar confete e serpentina nela, que começou a sorrir e disse ao palhaço:

- Nunca dei tanto valor para o carnaval, como neste momento.

- Eu falei que você podia...

- Afinal, quem é você?

Ele ficou mudo. E Denise pensou: “Ele não ouviu. Bom, isso não importa. Deve ser um amigo mascarado, brincando comigo”.

- Esta sua fantasia de bailarina é linda! - Observou o palhaço.

- Obrigada.

- Não, você não precisa agradecer. Sua fantasia é linda, mas nem se compara com a beleza de seu rosto.

Denise foi ficando fascinada por tudo aquilo. Tudo era como um sonho que teria um fim!!! O palhaço a levou para o lugar que havia lhe tirado.

- Bem, agora preciso ir.

- Você é quem afinal?

- “Um fã!” - Respondeu ele já saindo.

- Você vem no carnaval?

- Talvez... - E sumiu entre a multidão.

“Mas mesmo assim, eu vou te esperar!” – Pensou ela.

* * *

  Durante a semana, Denise começou a ter aula de piano com sua professora particular. No geral, tinha momentos de grande tristeza e solidão, quando pensava em Henrique. Havia um motivo de alegria à vista; as quatro noites de carnaval que se aproximava e as esperanças de ver e conhecer o “Um fã!”

 PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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