5 - É CARNAVAL: O MÁSCARA NEGRA

Mais um fim de semana no Guaraçaí Clube. Como no pré-carnaval, Denise ficou à beira do salão, enquanto suas amigas se divertiam. A alegria em todos era geral, quando ela viu Henrique no salão, brincando e se divertindo com várias meninas, começou a se entristecer, sentir um pouco de ciúmes, mesmo que inconsciente. A tristeza começou a tornar-se uma tortura e várias indagações tomaram sua mente:
“Por que ficou triste, vendo as pessoas alegres? Por que será que depois que vim pra essa cadeira de rodas, mais ninguém dá em cima de mim? Será, que por eu tornar-se uma deficiente física, deixei de ser mulher? Uma hora isso deve mudar...”

E mudou!!!...

- Quer brincar? – Perguntou-lhe alguém com uma máscara negra.

- “Um fã!”!?

- Sim, sou. E então?

- Vamos...

Ele começou a empurrá-la pelo salão. E, mesmo com o barulho da banda, os dois conversavam.

- Essa sua fantasia de dançarina de boate é linda.

- Pensei em ficar bonita pra você. Afinal! Como eu devo lhe chamar?

- Apenas “um fã”...

- E quando você vai se revelar?

- Quando chegar a hora.

- E quando será a hora?

- Você vai ver...

A banda começou a tocar a música carnavalesca chamada “Máscara Negra”. Logo no comecinho, Denise disse-lhe: 

- Aí sua música.

- É...

- Você vem nas outras noites?

- Talvez...

De repente ela parou e, junto com a banda, recitou um pedacinho da música: - “Vou beijar-te agora. Não me leva a mal. Hoje é Carnaval!” E, suavemente, deu um beijo na boca dela. Denise fechou os olhos naquele instante de fascínio, pedindo-lhe:

- Mais um... - Ele não deu. E ela repete. - Mais um... – Nada. Ao abrir os olhos, viu que tudo se acabou. “Um fã”, já havia sumido entre a multidão.

 No fim da noite, Denise chegou toda alegre em casa. Ao se deitar, não conseguiu dormir, só pensando naquele beijo. Uma interrogação há perturbava: “Quem será ele?” Esperava vê-lo na segunda noite. Ele não veio. E, entre dois conflitos mentais, passou a noite sofrendo por Henrique. O mesmo repetiu-se na terceira noite.

Chegou a quarta noite. Ela passou quase toda a noite à beira do salão tentando ver alguém de máscara negra. Foi quando a banda começou a tocar “Máscara Negra”. Um pedaço da música dizia: “A mesma máscara negra guarda um delírio de saudade (...)”.  Denise pensou: “Eu também tenho esse delírio de saudade!” 

* * *

 Quarta-feira de cinzas. À tarde, as amigas foram à casa de Denise conversar. Contar as aventuras do carnaval.

- Ele era lindo... - Dizia Tininha.

- Isso não é nada. Eu fiquei com um gatinho que ele é modelo exclusivo de uma revista de moda no Rio de Janeiro.

- E eu que fiquei com o Marcos Zalo, Lena.

- O Marcos é um gato, hein!!!

- E você, Denise. Não tem nada pra contar para gente?

- Não tenho nada, Sâmara. - Respondeu Denise, continuando quieta.

- Estranho. Você sempre foi a mais desejada de todas nós. E não teve nem uma aventura nesse carnaval. – Observou Tininha.

- É, as coisas mudam... - Respondeu Carminha no lugar da amiga.

 As amigas foram embora. Carminha, que continuou com a amiga, falou-lhe:

- Eu notei que você ficou todo o tempo quieta, Denise...

- Lógico. Você queria que eu falasse o quê? Que sofro de amor por um cara que quando eu era normal, fez tudo comigo, agora que estou nessa cadeira de rodas, nem me cumprimenta mais? Ou de um fantasma que diz ser meu fã, que eu nem sei quem é? Talvez pode ser até alguém gozando com a minha cara.

- Tem razão, Denise. Mas eu acho que não. Única coisa que não concordo é com esse “quando eu era normal”... Você continua normal!

 * * *

 Durante a semana, Denise preparou mais um trabalho para o jornal do Seu José dos Mapas. Dessa vez, não foi uma poesia, e sim uma carta aberta:  

“DE JOVEM PARA JOVEM”

 

Caro amigo, 

Você pode me achar chata, ou careta, pelas perguntas que eu vou lhe fazer. Mas se juntos pensarmos nisto, vamos ver que isto tem um pouco com você, comigo, ou com todos nós jovens.

Quem somos nós que contribuímos para a desordem?

Que nos bailes, bares, ou lugares da vida, brigamos e surramos nossos adversários por motivos mesquinhos, ou por motivos até sérios. Na maioria das vezes brigamos para mostrarmos que somos os bons. E nos esquecemos que a força não faz o homem e sim o convívio social com todos.

Quem somos nós que consumimos álcool?

Que tomamos em um momento de tristeza, solidão, ou até mesmo de alegria. Em uma roda de amigos, ou em uma fossa, tomamos altas doses para demonstrarmos que somos fortes, ficando assim embriagados. Logo então, começamos a falar coisas injustas, ou começamos a falar e fazer coisas para que as pessoas a nossa volta comecem a rir. E nos tornamos palhaços perante essas pessoas.

Quem somos nós que nos entregamos aos vícios?

Fumamos cigarros pelo simples fato de fazermos charme com ele na mão. Que poluímos nossos pulmões, correndo o risco de grandes doenças como a tuberculose. E com a fumaça poluindo as pessoas que vivem em nosso redor.

Que em um momento de fraqueza nos integramos às drogas. Vicio que nos tira a disposição. Deixa-nos fora de si, e acaba com cada centavo que lutamos para ganhar.

Quem somos nós que nos tornamos material do sexo?

 

Seduzimos pessoas fracas. Prometemos rios e fundos para satisfazermos nossas vontades. Vendemos nossos corpos por míseros cruzados, para outras pessoas se satisfazer.

Quem somos nós que fazemos abortos, tirando um direito de vida. Apenas para mantermos a aparência de pureza, para somente mantermos a elegância. Mas nós nos esquecemos que como hoje estamos acabando com uma vida, alguns anos atrás alguém poderia ter acabado com a nossa do mesmo modo.

Quem somos nós?

Frutos de uma geração de antepassados, que lutaram com fé e coragem para construir o mundo que hoje é nosso. E nós jovens contribuímos para a desordem.

Pichamos muros, andamos em altas velocidades pondo a vida em risco. Quebramos garrafas, copos e vidros no meio das ruas, para que crianças inocentes corram o risco de se cortarem. Desrespeitamos os mais velhos. Desacatamos as leis. Tomemos a verdade. Nos bailes carnavalescos, usamos lanças perfumes para nos drogarmos. Logo então, caímos no meio do salão servindo de motivo para que outras pessoas possam falar mal de nossa pessoa.

Quem somos nós?

Orgulho de uma geração de antepassados não mais presentes? Ou a vergonha para os antigos ainda presentes?

Será que somos os jovens que tantos sonharam para governar o país? Ou não?

Será que somos os homens do amanhã que os profetas preveem para construção de um mundo melhor? Ou será que somos o lado oposto das profecias?

Pense bem meu caro amigo...pois juntos iremos construir o amanhã!

DENISE 

 * * *

 Todos os anos a escola de Denise realizava uma quermesse no barracão paroquial. Esse ano não poderia deixar de faltar. Animada por um conjunto de forró, havia tudo o que tinha de direito. Bebidas, bolos, doces, churrascos e as barraquinhas do coelhinho, da argola e a da pescaria. Também não faltou muita gente bonita desfilando belas roupas e os velhos dançando forró.

Como Denise não poderia ficar circulando, Carminha ficou com ela em uma mesa. De repente, percebeu alguma coisa.

- Olha quem chegou ...

- O Henrique?

- É. A tortura de minha vida. Olha que linda moça com ele.

- Você conhece?

- Eu não, por quê? Está com ciúmes?

- Eu não, Carminha. Acostumei ver quem eu amo nos braços de outras, que nem ligo mais.

- É o melhor que você faz, Denise.

Elas perceberam que um moço não tirava os olhos delas.

- Você está vendo o que eu estou vendo?

- Estou, Carminha. Será eu ou você que ele está olhando?

- Não sei, Denise. Vamos esperar pra ver. Mas ele não deixa de ser um gato, não é?

- Também acho.

Ele veio até a mesa.

- Posso conversar com você? - Perguntou para Carminha, que olhou para Denise.

- Não se preocupe comigo!!!

- Sim pode. Vamos.

Denise ficou sozinha à mesa olhando a multidão daquela festa. Foi quando por um instante um moço parou, olhou-a e saiu. “É ele. Só pode ser ele!” - Pensou ela. O moço não era nem alto e nem baixo. Nem gordo e nem magro. Como o mascarado do carnaval.

De repente ele voltou. Ela tomou coragem e disse-lhe:

- Eu sei que é você.

- Eu o quê? – Indagou o moço espantado.

- Você que é o meu fã!

- Eu não sou fã de ninguém. Você está louca, menina... - Disse saindo correndo.

É. Ainda não foi dessa vez!” - Pensou Denise.

Sua amiga voltou.

- E aí, Carminha?

- Aquele cachorro estava pensando que eu sou qualquer uma. Ele me convidou para ir ao Motel. Cachorro!!!

Denise riu.

- Você ri porque não foi com você...

Denise lhe contou o furo que deu. 

- Será que não era ele mesmo? Afinal, ninguém encara um desconhecido por esporte.

- Não, Carminha. Eu reconheceria a voz.

- Bem Denise. A hora que você quiser, nós vamos embora.

- Por mim ia agora.

- Então vamos.

Carminha começou a empurrar a amiga. Quase na saída, disse em um repente:

- Pare Carminha, tive uma ideia.

Pegou um pedaço de papel e uma caneta e escreveu alguma coisa. Estava passando um menino moreninho.

- Ei menino, venha cá. Você quer um guaraná?

- Sim, quero.

- Então me faz um favor. Você conhece o Henrique?

- Conheço.

- Entrega esse bilhete pra ele. Mas não precisa falar quem mandou.

- Bem, ai é mais caro. Dois guaranás? - Disse o menino. 

- Ok, você ganhou.

O menino entregou o bilhete. Henrique abriu e começou a ler:

 

CORREIO ELEGANTE

 

Se algum dia, começar a murchar as flores de seu jardim, pare um pouco, prá pensar em mim!

“Uma Poetisa” 

* * *

 Durante a semana, Denise fez várias provas escolares. Todas com notas boas, para recuperar as notas que perdeu na época do acidente. Teve também, três aulas de piano com uma professora particular. Até que chegou outro sábado. Logo no café da manhã, Carminha lhe perguntou:

- Vai ao CESE hoje, Denise?

- Vou, Carminha. E você?

- Não. Eu vou para o sítio na casa dos meus pais. Amanhã é páscoa, quero passar com eles. Mas eu volto para o baile de aleluia.

- Amanhã cedo, eu e minha mãe vamos para fazenda também.

Dá um pulinho à tarde lá.

- Sim, talvez...

* * *

 À noite, Denise foi para o Restaurante “O Porão” com suas amigas, Lena, Tininha e Sâmara. Elas começaram a conversar sobre suas aventuras amorosas. Denise sempre quieta. Até que Lena virou-se para ela:

- Sempre quando nós conversamos sobre homem, você fica quieta. Por quê, Denise?

- Simplesmente porque não tenho nada para contar.

- Como não? Você sempre foi perseguida pelos moços, tão arrojada.

- Não sou mais. Hoje nem o Cássio me quer...

Elas riram. Tininha indagou-a:

- Você deve gostar de alguém, Denise.

- Gosto não! Eu amo um alguém.

- E quem é? Conta pra gente.

- Eu preferia não falar nisto.

- Não confia na gente, Denise?

- Lógico que confia, Sâmara.

- Então conta.

É. É melhor contar. Quem sabe elas podem até me ajudar!” - Pensou ela, contando:

- Eu amo o Henrique...

- O Henrique!? - Perguntou Lena, espantada.

- Mas nem se quer ele lhe cumprimenta.

- Pra você ver, Tininha.

- Faz tempo isso, Denise?

- Faz, Sâmara. Desde aquela vez que saímos. Daí em diante minha vida tornou-se um enorme vazio que de vez em quando, eu desabafo em versos e trovas.

- E ele sabe disto, Denise?

- Eu acho que não. Mas um dia eu acabo contando.

- Bem. Vamos para o CESE?

 As quatro foram. Lá, Sâmara e Lena, encontraram seus namorados. Tininha também começou uma paquera, deixando Denise sozinha, quando viu Henrique. Naquele momento ela começou a se sentir um vazio. Observou as pessoas conversando, casais abraçados a se beijarem, pela pista a dançarem. E ela ali. Sem ter ninguém para conversar. Ninguém para ouvir aqueles sentimentos que tornou-se um delírio. Suas amigas todas rindo. Todas divertindo-se. E ela ali... O desespero tomou conta de sua mente que, sem dizer nada pra ninguém, começou a tocar sua cadeira de rodas, saiu do clube, desceu a sarjeta e foi embora. 

* * *

 Domingo à noite, após o programa “Os Trapalhões” na televisão, a praça estava cheia. Havia um conjunto em cima de uma carreta de trator fazendo um show, realizando brincadeiras com a molecada. Era uma noite alegre, onde várias gerações passeavam embaixo daquele céu estrelado. Denise e suas amigas conversavam.

- Por que você foi embora ontem sem falar nada, Denise?

- Deu-me um momento de loucura, Sâmara?

- Ou será que foi um delírio pelo Henrique? – Perguntou Lena com um ar de ironia.

- E se foi. Você tem alguma coisa com isto? – Retrucou Denise.

- Nossa, eu só estava brincando.

- Tudo bem, Lena. Desculpe-me.

- Está tudo bem, amiga. Vamos ao Clube, no Baile de Aleluia? - Vamos...

 Lá um bom conjunto cantava lindas músicas internacionais, época em que brilhava Michael Jackson, Madona, Liunew Riche. E luzes verdes, vermelhas e amarelas iluminavam o palco e a pista. Denise logo de começo, gostou daquele baile, que não estava muito cheio, mas as pessoas todas bem arrumadas. Estava gostoso. Ela e suas amigas sentaram-se em uma mesa à beira do salão, conversavam enquanto ouviam aquela agradável músicas românticas. Denise, pela primeira vez, esqueceu Henrique, conversou com suas amigas sobre outros moços. Falou de si mesma. De seu sonho de ser pianista. De suas ex-aventuras amorosa. 

Como estava gostoso aquele baile! Na madrugada o conjunto começou a tocar uma seleção de antigos sambas que marcaram épocas. Denise acompanhava baixinho o conjunto. No fim dessa seleção, eles trocaram o samba pelas músicas românticas, para encerrar aquele número cantam “Ronda”, de Paulo Vanzollini. O vocalista cantava tão bem aquela música, que Denise fechou os olhos e começou a sonhar em voz alta. “Eu estaria aqui na mesa, de azul e branco. Ele chegaria todo de terno, com sua máscara negra e me diria: – “vamos dançar” – Eu responderia: – “sim, vamos!” – Iríamos até o centro da pista. Colaríamos os rostos, um ao outro, e começaríamos a dançar essa música, sem nos preocupar com os casais em volta. E naquele fascínio ele diria as mais lindas frases de amor em meu ouvido. Logo me roubaria um beijo. Mais um e mais um... Pena que é só um sonho!”

Acabou a seleção de músicas.

- Estou afim de ir embora, Carminha.

- Espera um pouco, Denise. Só falta uma seleção.

- Por isso mesmo. Não gosto de sair quando acaba uma festa. Tem gosto de despedida. E eu odeio despedida.

- Ok, Denise. Eu lhe levo embora.

 * * *

 Estava perto de chegar julho. Com ele as férias.

- Nós poderíamos montar alguma coisa para a festa junina. - Sugeriu a professora de português.

- Que tal um desafio, Dona Cleuza?

- Não. Isso é coisa para o primário.

- Então uma música?

- Não fica bem para uma oitava – disse a professora: – Já sei. Tenho uma peça junina. Precisa de dois meninos e duas meninas. Quem se apresenta?

Depois de alguns apontas-apontas e uma rejeição, apresentaram, Rogério, Antônio Maria, e Lena. Agora faltava uma personagem. Quem seria? Samara foi até a mesa da professora. 

- Dona Cleuza, que tal a Denise?

- A Denise!? – Estranhou-se a professora.

- É. A peça é só dialogada. E acho que ela tem que participar mais das coisas.

- Tem razão, Sâmara. Denise?

- Sim, Dona Cleuza.

- Você quer tomar parte da festa?

- Eu professora!?

- É, a peça é só dialogada.

E a professora distribui os papeis. Eles começaram a decorar. E na outra semana, iniciaram-se os ensaios. O tempo foi passando. 

* * *

 Até que chegou a festa junina, realizada na quadra da escola. A arquibancada estava cheia. Quase todos vestidos a rigor. O narrador anunciava as atrações. Primeiro a quadrilha. Depois músicas com o primário e recital de poesias até que ele anunciar:

- Agora com vocês, o pessoal da oitava com a peça “O Desajeitado”.

Rogério entrou e caminhou lento assustado pelo palco. Entrou Antônio Maria.

- Tarde compadre...

- Tarde compadre, Zé Bento.

- Posso saber por que você está tão espantado assim, Zeca Jacu?

- Sabe o que é compadre, eu queria saber, por que toda essa gente está aqui hoje?

- Ué compadre, tu não sabes que hoje é dia de São João?

- Ah é compadre. Eu não estava sabendo...

- É Zeca... e ainda tem mais; logo mais à noite vai ter um bailão lá no arraiá da curva redonda.

- Oba! É hoje que eu arrumo uma namorada.

Lena entrou do outro lado do palco, ficando parada. Antônio olhou para ela, dizendo:

- Olha lá compadre, que linda menina. Por que você não vai lá e convida ela para o baile?

Ele respondeu sem jeito:

- Eu não, compadre. Tô com vergonha...

- Ué compadre, você sempre diz ser o bom. Nunca teve medo de nada. Agora tá com medo de uma moça?

Rogério disse bravo:

- Eu não estou com medo!

- Então qual é o problema, Zeca Jacu?

- Sabe o que é compadre, - diz ele sem jeito – faz muito tempo que eu não namoro, então eu esqueci como que faz...

- Se esse for o problema compadre, eu lhe ajudo a lembrar.

- Você faz isso pra mim compadre?

- Lógico, amigos são pra essas coisas...

Antônio Maria chegou perto de Rogério, dizendo-lhe:

- Olha, você chega lá, diz um oi, e começa a puxar uma conversa.

- Mas... mas... mas se eu errar, ou falar alguma besteira?

- Faz o seguinte, você vai pensando, “eu vou conseguir, eu vou conseguir”, que tudo vai dar certo.

E lá foi ele.

- Oi ...

- Oi... -Respondeu Lena, sem jeito.

- “Eu vou conseguir”.

- Conseguir o quê?

- Sabe que eu também não sei... pera ai. Eu vou perguntar para o meu amigo.

Rogério foi até Antônio.

- O compadre, o que eu vou conseguir?

- Conquistar a moça, Zeca Jacu?

- Ah, sim... - Diz ele que se virou, foi até o meio do palco, virou de novo, veio ligeiro até o amigo e perguntou-lhe: - E agora compadre, o que eu faço?

- Você vai até lá, elogia ela, o vestido, pergunta o seu nome, etc...

- Mas o meu nome eu já sei.

- Não o seu burro, - diz bravo – é o dela! - Já calmo: - Enfim, tenta alguma coisa.

E lá foi ele.

- Sabe que você é muito bonita...?

- Obrigada... - Agradeceu encabulada.

- Esse seu vestido branco com manchinhas vermelhas, é muito lindo...

- Verdade?

- Verdade! Lembra minha cabra quando ela está com vergonha.

- Engraçadinho!!!

Ele correu até o amigo, dizendo alegre:

- Compadre, compadre, ela disse que eu sou uma gracinha.

- Aproveita e diz a ela um versinho...

- Boa ideia compadre... – Desanimando: - Mas eu não sei nenhum.

- Faz o seguinte compadre, chega lá e com ar de romântico, recite: “Desde a primeira vez que te vi / Meu coração por ti se palpou / Na corrente de seus braços / Reposei o meu amor!” 

- Tudo bem compadre, lá vou eu...

Ele chegou perto dela e recitou:

- “Desde a primeira vez que te vi / Meu coração por ti se parpou / Na corrente de seu braço / Amarrei a égua do meu avô!”

Todos riram. Lena lhe deu um tapa, dizendo brava:

- Atrevido!!!

Rogério correu para o amigo apavorado.

- Zé Bento, ela me deu um tapa...

- É compadre, você está por fora... Olha, vamos fazer o seguinte: vou lá e você fica olhando como eu faço. Tá certo?

- Tá certo compadre... vai lá.

E empurrou Antônio, que disse para Lena:

- Que dia tão lindo. O azul do céu está belo. Os raios do Sol, estão mais brilhantes. Os pássaros cantam canções de amor. O ar puro, traz a noite e o luar, que nos convidam para amar!

- Que lindo!... – Exclamou Lena, emocionada.

- Para o dia se completar inteiramente belo, a senhorita poderia me dar a honra de ir comigo no baile do arraiá?

- Sim, cavalheiro...

E os dois saíram de mãos dadas. Rogério disse ao público:

- Ah! Se é pra fazer isso, é fácil!

Denise entrou do outro lado. Rogério olhou para o público:

- Lá vou eu...

Chegou perto dela como um romântico:

- Aceita ir no baile comigo hoje!?

- Não!!!

- Como não!? O dia tão lindo! O céu está todo estrelado. As vacas pulam em galho e galho. Os pássaros estão alegremente pastando.

Nesse momento ele parou de falar, sentou-se no chão com as pernas cruzadas, mãos na cabeça, disse desanimado:

- ... não adianta, eu sou mesmo um desajeitado. Nunca vou conseguir nada...

Denise como que estivesse com dó, colocou as mãos em seus ombros:

- Não, você não é um desajeitado. Você tentou, apenas não se deu certo com as palavras. Mas tentou. Isto que é importante.

Ele perguntou triste:

- Você acha?

- Acho... E pensando bem, eu gostaria de ir com você no baile de hoje. - Ele não diz nada. Ela o chamou-o: - Vamos?

Ele levantou-se...

- Vamos...

Começou a empurrar sua cadeira e saíram. De repente, ele voltou, dando um pulinho, dizendo alegre à plateia: 

- É hoje...!

E saiu correndo. Fim da peça. São muito aplaudidos. A diretora anunciou as férias de julho.


Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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