2 - VIVENDO NO COTIDIANO PAULISTANO

  Começo de noite, José Renato chega ao apartamento onde Almir mora perto do centro antigo de São Paulo. Um prédio antigo. Ao entrar, abraça alegre o velho amigo. A mãe de Almir, vem recebê-lo com muita alegria.

- Menino, que bom revê-lo depois de muito tempo. Como vai a sua família?

- Muito bem, dona Ione. Minha mãe lhe mandou um abraço e esta cesta cheia de doces. Minha esposa está bem, meus filhos estão se preparando para o vestibular. 

Eliane, irmã do amigo, seu marido e casal de filhos estão morando com eles. À mesa do jantar, ela conta:

- Sabe José Renato, depois que o Alan foi demitido da metalúrgica, as coisas ficaram muito difíceis. O jeito foi vir morar aqui apertados com minha mãe e o Almir.

- Se vocês precisarem algum dia, minha empresa lá na nossa cidade está sempre precisando de profissionais qualificados. É só voltarem que emprego eu garanto.

Após a refeição os amigos de infância sentam-se sozinhos em um canto da sala.

- Quem diria Almir, hoje   pouco mais de cinquenta anos de idade estamos os dois aqui em uma noite paulistana.

- E sou muito feliz por você, cara. Fez um bom casamento, teve bons filhos. Herdou a marcenaria de seu pai, fez dela uma fábrica de móveis planejados bem-sucedida. Dá empregos para muita gente, tanto lá na região, como para vendedores e montadores por todo o país.

- Pois é, quem diria. Eu, filho de família negra, morando em um Estado que isso não é muito comum, que as chances são ainda menores.

- Fico feliz em sempre recebê-lo aqui em casa. Pena que no momento não posso hospedá-lo.

- Não esquenta, Almir. Estou na cidade para reuniões com nossos fornecedores de matérias-primas. Digo nossos, porque tenho maior orgulho em ter você aqui como um dos meus principais representantes comerciais. Pena que você não pôde ficar lá em nossa cidade para crescermos juntos.

- Você ainda estava começando na marcenaria. Meu pai faleceu, estava difícil encontrar serviço. Minha irmã queria estudar mais. Então decidimos vir todos para São Paulo em busca de mais oportunidades.

- Eu entendo.

- E você sabe, tive o meu motivo para também deixar nossa cidade.

- Só que seu motivo continua por lá – observa José Renato sorrindo.

* * *

Almir com seu porte mediano, cabelos curtos e bem barbeado, de terno e gravata, pasta debaixo do braço, desce do metrô Moema, região nobre, situado na zona centro sul do município de São Paulo, considerado como a melhor qualidade de vida da cidade, formado pelas classes média alta e alta, limitando bairros de Vila Olímpia, Vila Nova Conceição, Vila Clementino, Jardim Lusitânia, Planalto Paulista, Campo Belo e Brooklin.

Ele caminha pelas ruas, observando pessoas, executivos, moças bem-vestidas, andando apressadamente. Repara também em vários casais, de diferentes idades, andando de mãos dadas.

Chega de frente de um prédio em final de construção, entra e sobe para se encontrar com o cliente que lhe espera para encomendar a mobília do novo apartamento.

Após fechar o contrato de venda, ele desce um andar pelas escadas, reparando outro apartamento com a porta aberta com tudo ainda rústico e pedreiros estão começando a trabalhar nos acabamentos. Resolve entrar, apresentando-se:

- Senhores, meu nome é Almir, sou representante comercial de uma fábrica paranaense de móveis planejados. Por gentileza, gostaria de conversar com o encarregado da obra.

- Ele não está. Mas a proprietária do imóvel está para chegar. O senhor pode esperar alguns minutos.

Almir fica por ali de pé, observando eles trabalharem. No canto, um radinho de pilha, sujo de massa de reboque, toca a música “She” do cantor francês Charles Aznavour.  Uma voz feminina o surpreende por traz:

- Posso ajudá-lo, senhor? Meu nome é Adriana, sou dona do apartamento.

Ao se virar, ele vê uma moça magra, alta, cabelos lisos, negros e cumpridos, bem maquiada, vestida como uma executiva. Ele se apresenta e lhe entrega um grosso catálogo dos móveis planejados da fábrica de José Renato. Enquanto ela folheia, o representante explica-lhe:

- Nossos móveis sob medida são produzidos exatamente de acordo com as dimensões do seu espaço. Destinam-se a preencher todo e qualquer cantinho, pois são fabricados milimetricamente para o ambiente. Nesse caso, um marceneiro qualificado virá aqui tirar todas as medidas e elaborar o projeto do mobiliário em módulos padrão que se encaixam, sendo finalizados com acabamentos específicos e personalização, atendendo sua necessidade.

- Olha seu Almir, gostei de sua apresentação e dei uma rápida olhada no catálogo. Confesso que eu ainda não pensei em mobiliário. Mesmo porque esse é um projeto só para investimento, não pretendo morar aqui. Posso ficar com o mostruário para eu analisar com mais calma?

- Com todo o prazer, dona Adriana. Deixarei meu cartão caso a senhora queira maiores explicações sobre nossos móveis.

* * *

Adriana, caminhando com o seu porte de mulher fina, desce, chega ao subsolo onde seu motorista a espera, abrindo a porta de traz do carro preto. Parte para a cede da empresa multinacional de produtos dentários, onde ela é uma das altas executivas.

Em sua sala grande de muitas janelas, sua secretária lhe passa a extensa agenda do dia seguinte. Em seguida, ela participa de algumas reuniões com seus colaboradores e parte com pressa para sua residência.

A executiva mora em uma ampla casa em um condomínio fechado, junto com um casal de filhos adolescentes. O rapaz já se prepara para o vestibular. Ela sempre fez questão de ser uma mãe presente. Ao entrar em casa, sempre a primeira coisa que faz é ir falar com eles, saber como foi o seu dia, ver as tarefas da escola.

Em seguida, Adriana vai ao seu quarto, tira toda sua roupa social, toma banho, coloca um moletom ou pijama. Desce para cozinha. Mesmo tendo os funcionários da casa, ela os dispensa e prepara a janta. Depois faz as refeições juntos com os filhos descontraidamente. Hábito que ela mantém desde que eles ainda eram muito pequenos.

Só que naquela noite, ela precisa ser um pouco rápida. Há um jantar na casa de um dos diretores da empresa, oferecido a um grupo de acionistas. Apesar dela não curtir essas reuniões sociais, sempre dá um jeito de marcar uma rápida presença só por questões profissionais.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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