3 - SONHAR É PRECISO... VIVER, QUEM SABE!?

 Aquele devaneio foi interrompido por sua secretária.

  – Doutor Leandro, a reunião da diretoria já vai começar.

Rapidamente, ele guardou as fotografias na pasta.

– Ah, sim. Já estou indo.

Na reunião, o presidente solicitou:

– Recebi e li o seu relatório sobre o projeto de implantação de responsabilidade social aqui na empresa, Leandro. Você poderia explicar em rápidas palavras a ideia à diretoria?

– Sim. Estamos vivendo transformações socioeconômicas nos últimos vinte anos que afetam profundamente o comportamento de empresas, acostumadas à pura e exclusiva maximização do lucro. Ao mesmo tempo em que o setor privado tem cada vez mais lugar de destaque na criação de riqueza, é bem sabido que com grande poder vem grande responsabilidade. Recentemente surgiu a ideia de responsabilidade social incorporada aos negócios, com novas demandas e maior pressão por transparência nos negócios, obrigando as empresas a adotar uma postura mais responsável em suas ações. Só que não podemos confundir responsabilidade social com o conceito de filantropia, mas as razões por trás desse paradigma não interessam somente ao bem-estar social. Também envolvem melhor performance nos negócios e, consequentemente, maior lucratividade. Além do que, será muito positivo para a imagem da empresa.

– Como além disso já li o seu relatório detalhado, também concordo. Se nenhum dos senhores diretores tiver algum comentário ou sugestão a acrescentar, vou considerar o projeto aprovado. – Após uma pequena pausa, continuou: – Ótimo. Leandro, de agora em diante você será responsável pela implantação do conceito de responsabilidade social aqui na empresa e em nossas filiais. A partir da próxima semana, você pode começar a visitá-las, divulgar a ideia e treinar o pessoal. Você tem carta branca.

– Agradeço pela confiança, senhor presidente.

Naquela mesma noite, sozinho em seu apartamento, sem o terno e já de pijama, o rapaz voltou a pegar aquelas duas fotografias. Olhou-as por alguns instantes. Como teria sido a vida de casado?

* * *

Bem empregado na usina de açúcar, Leandro financiou a compra de uma aconchegante casa quase no centro de Guaragudos. Com algumas economias e a ajuda do pai de Milena, reformaram e mobiliaram a residência do jeito que sempre sonharam.

Adaptando-se à vida de casados, iam conhecendo melhor um ao outro. No início, como qualquer casal, viveram dois momentos: os amorosos e os inseguros. Os amorosos eram aqueles recheados de carinho, galanteios, elogios, em que tudo é muito prazeroso, até mesmo os programas e atitudes mais singelos. Os inseguros eram os que mais se aproximavam da realidade: dividir a cama. À noite acordar e perceber que jogou seu amor para fora da cama. Acordar e perceber seus cabelos em pé, olhar para o lado e ele não perceber que ela não estava tão bonita como sempre, e ainda assim a amava. E vice-versa. Viveram a divisão da intimidade que faz parte da adaptação inicial do casamento. Dividir os gostos, os prazeres de só quando se está a dois, co-habitando é que se descobrem as manias, os jeitos reais da pessoa, porém, acima de tudo, o início do casamento é o momento em que realmente se desenvolve a prática da palavra respeito. E respeitando o outro é que o amor cresce e jamais se apaga.

Ao terminar o turno na usina, ele chegava antes em casa, ia adiantando o jantar, já banhado para esperá-la. Ou passava pela loja para juntos fazerem o fechamento e irem para casa. Quando um já estava em casa e o outro chegava, parava o que estava fazendo, sentavam no sofá de mãos dadas para conversar como foi o dia. Eram parceiros também nos deveres domésticos.

Andavam abraçados pelas ruas, pelo comércio, faziam compras juntos, cozinhavam. Frequentavam restaurantes, lanchonetes, pizzarias. Às vezes, nas noites quentes de verão, iam de bermudas, camisas leves e chinelos à sorveteria. Assistiam a muitos filmes na sala, ou televisão deitados na cama. Quando surgia algum problema, crise, eram maduros o suficiente para sentar, conversar e resolver. Jamais deixavam um problema para ser resolvido no dia seguinte. Eram moderados nas palavras, na compreensão do mundo um do outro de idades diferentes, em que o individual colaborava cada vez mais para uma relação a dois. Gritar, usar termos ofensivos nunca tinha espaço entre eles. Tinham a consciência de que do outro lado havia um coração que amava em recíproca. E um coração machucado poderia demorar a se recuperar. Ou não se recuperar nunca mais. Embora casados há pouco tempo, tinham um relacionamento já estável.

Aos domingos, todos se reuniam na casa dos pais dela. Seus tios, primos, avós, amigos. Havia churrasco ou almoço com muita massa. Ou iam viajar todos em família, comer fora, fazer turismo rural, pescar. Pelo menos duas vezes por mês, o casal recebia os parentes e velhos amigos de Milena para um jantar, comer pizza ou churrasco, bater papo sem compromisso com a vida. Ou eram convidados para ir às casas deles. Havia os bailes, as quermesses, as festas beneficentes, com as quais eles sempre colaboravam comparecendo ou participando diretamente das comissões organizadoras.

Era uma vida de casal em uma cidade pequena de interior, onde não se precisava de muito para ser feliz!

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem