6 - O VESTIDO VERMELHO

  Depois de mais um dia de trabalho, Izabela partiu rumo ao supermercado. Lá foi escolhendo coisas básicas do seu dia a dia. Entrou no setor de eletroeletrônicos. Olhando com calma, a promoção de um modelo tablet brilhou aos seus olhos. Pegou nas mãos, olhou com carinho e desejo. Era exatamente do jeito que ela desejava. O preço bom, dava para ela pagar tranquilamente. Voltou aquele suor e a mensagem em sua mente: “Eu não sou merecedora!” Um batimento forte em seu coração. Colocou o tablet rapidamente na prateleira e empurrou o seu carrinho de compras até o caixa.

No estacionamento, acomodou as sacolas plásticas ao seu lado em um banco de madeira, sentou-se, fechou os olhos e respirou fundo. Suas memórias voltaram à infância lá no nordeste. Lembrou-se que quando pequena nunca havia tido nada de novo. Suas roupas sempre eram usadas, vinda de outras crianças. Seu material escolar era o que sobrava de seus irmãos mais velhos dos anos anteriores. Seus brinquedos eram os que outras crianças não queriam mais, às vezes quebrados, sujos. O sentimento de não ser digna de ter algo novo, de ser uma pessoa de segundo plano foi crescendo junto com ela. Introjetou a errônea ideia que não poderia ter nada novo para si. E assim toda às vezes que ia comprar algo, àquela menina parecia gritar lá do fundinho do seu inconsciente: “Não compre, isto não é para você!!!”

Esteves teve alta do hospital. Marli e Eliseu foram buscá-lo. Seu apartamento já estava arrumado pela sua cuidadora que a partir daquele momento, passou a se dedicar a ele com muito carinho. Um enfermeiro foi contratado por algumas horas por dia para vesti-lo, dar banho e cuidar da higiene pessoal.

Eliseu sentiu a necessidade de voltar algumas vezes à psicóloga, começando a se soltar. E em uma dessas consultas, ele começou a falar:

- Sabe, doutora, minhas recordações desde muito pequeno é de estar sozinho no meio das crianças em um orfanato muito pobre. Éramos muitos. Nunca recebíamos atenção das pessoas que cuidavam de nós – as lágrimas correram na face do rapaz: - Quantas vezes eu chorava com fome, frio, dor e ninguém vinha ao meu socorro. Carinho? O que é isso? Eu nunca tive... Quando criança e até à adolescência, nunca recebi uma visita se quer.

Esteves começou a administrar sua empresa do escritório de casa. Marli estava na cozinha, quando foi chamada por ele, indo até lá.

- Sabe, eu sempre gosto de cuidar bem dos meus funcionários. E você é muito mais do que isso. Você é muito importante para mim, Marli.

- Você também é, meu amigo – confessou ela, enxugando lágrimas: - Farei tudo de melhor por você.

- Quero lhe dar um presente que toda mulher merece. Uma tarde em um bom cabelereiro e um banho de loja.

- Não precisa, Luiz. Eu nem sei como fazer isso.

Tocou a campanhia e ela foi atender.

- Surpresa – disse Izabela sorrindo, entrando com muitas pastas nas mãos.

- Amiga, o que você está fazendo aqui?

Foram até Esteves.

- A Izabela trabalha no meu escritório, Marli. Ela é a melhor economista da empresa.

- Obrigada Esteves, bondade sua. Vim trazer uns documentos para você assinar.

- Aliás, Izabela, você vai fazer outro favor para o seu chefinho. Amanhã à tarde, vocês duas vão ao salão de beleza e às compras. Tudo por minha conta – e sorriu.

   No início da noite, Izabela estava saindo da pensão para ir ao culto, quando Eliseu apareceu.

- Iza, vim te pegar, vou ao culto com você.

Na igreja, a pregação novamente tocou muito o coração de Eliseu ao falar de abandono e amor espiritual.

Após o culto, Eliseu convidou a moça para jantar. Foram momentos agradáveis como sempre. De volta à pensão, ele desceu do carro para despedir-se. Abraçam-se e Eliseu repousou sua cabeça no ombro de Izabela, permitindo um afago.

- Não me abandone, por favor – murmurou o rapaz.

- O que você disse, Eliseu? Não entendi.

- Nada não, Iza, falei que você é muito especial!

Mais uma sessão com a psicóloga. Eliseu cada vez mais estava se abrindo. Naquele dia fez outra revelação:

- Doutora, tenho um defeito, pelo menos umas três vezes por semana, eu procuro garotas de programas. Nunca tive relação carnal com elas. As pago para só me fazerem carinho. De repente, uma raiva inconsciente vem, as empurro com força, as expulso do quarto.

- Você as expulsa porque sabe que aquilo só durará o tempo de um programa e, ao terminar, elas vão lhe deixar. E para não ser abandonado como foi quando bebê, não correr o risco da dor que ainda está muito latente, você toma a iniciativa de expulsá-las.

Na mesma tarde, Marli e Izabela passaram algumas horas no salão de beleza. Partiram para bater pernas e fazer compras. Em certo momento, Marli precisou deixar um pouco a amiga e ir ao banheiro.

Caminhando, Izabela passou pela vitrine de uma loja onde um lindo vestido vermelho estava exposto. Paralisou e o vestido pareceu brilhar diante de seus olhos. Mais ainda, num relâmpago de segundo, ela viu a imagem de Jesus Cristo aparecer do lado do vestido vermelho lhe sorrindo e desaparecendo.

Sem entender, a moça encontrou forças para voltar a caminhar e apressada foi de encontro à Marli sem lhe contar o que houve. Só que aquele vestido vermelho continuava fortemente em sua mente.

Marli chegou feliz em casa com as compras. Animadamente, mostrou tudo para Esteves. 

- Obrigada meu amigo. Nunca ninguém fez isso por mim. Acho que nunca ganhei um presente. 

- Isso não é nada, Marli. Agora precisamos de um motivo para você estrear essas roupas novas. Que tal a gente sair hoje à noite, assisti a uma peça de teatro e depois jantar?

Horas depois, Esteves esperava na sala. Marli entrou toda de preto, meias finas, sapatos salto alto, cabelos arrumados, soltos.

- Desse jeito eu me apaixono...

- Não brinca, Luiz Esteves. Comporte-se diante de uma dama.

Riram. Chamaram o taxista de sempre e foram ao teatro. O pessoal da segurança o ajudou com a cadeira de rodas. O local era todo acessível. Durante o espetáculo, sem perceber, Marli pegou na mão de Esteves e segurou por um bom tempo.

Depois jantaram ali mesmo no restaurante do teatro. Algumas pessoas olhavam àquela cena de um homem quase paralisado em uma cadeira de rodas conversando descontraidamente com uma bela mulher. Eles não estavam nem aí para tais olhares.

Era madrugada quando chegaram em casa. Ele pediu para ficar ainda um pouco na sala.

- Marli, sente-se aqui na minha frente, precisamos conversar sério.

- Nossa, assim você está me assustando – disse ela, sentando-se.

Esteves pediu para segurar suas mãos, indo direto ao ponto:

- Marli, case-se comigo.

- Nossa Luiz, hoje você está brincalhão, hein...

- Não, é sério. Desde a nossa adolescência eu gosto de você. Nunca tive coragem de lhe dizer. Agora nesta altura da minha vida estou tendo mais uma chance, não posso deixar passar. Case-se comigo. E se não for por amor, pelo menos casa-se para me fazer um favor. Talvez o último.

- Desculpe-me, mas agora não entendi essa última parte.

- Eu não tenho nenhum herdeiro. Acumulei um bom patrimônio. Se eu morrer, ficará tudo para o governo. Case-se comigo pelo menos para eu deixar tudo para você. Não me negue esse pedido...

- Deixa de ser bobo, senhor Luiz Esteves. Você não vai morrer tão cedo. Agora vem, vou lhe colocar na cama. Hoje você já estourou sua cota de falar bobagens.

Marli deixou Esteves de pijama, deitado e coberto. Foi para seu quarto, colocou a camisola. Iria apagar a luz quando se viu refletir no espelho. Passou a mão pelo pescoço, admirou-se por alguns instantes. A imagem ali refletida parecia trazer de volta uma mulher a muitos anos adormecida. Sentiu o desejo de amar e se deixar ser amada sem medo, viver o momento.

No impulso voltou ao quarto de Luiz. Subiu na cama, ficando de joelhos e, olhando fixamente em seus olhos, declarou:

- Eu vou me casar com você sim, mas não por um favor. É porque àquela adolescente romântica e sonhadora do passado, nunca admitiu. Mas ela era apaixonada pelo bobão do seu melhor amigo.

Marli o beijou. Amaram-se intensamente dentro das possibilidades dele. E adormeceram abraçados.

Naquela mesma noite, sozinha em seu quarto na pensão, Izabela ainda pensava no vestido vermelho. Foi vencida pelo sono e adormeceu serenamente. Um sonho começou. Ela se viu caminhando em uma linda estrada florida rumo ao céu. De repente, Jesus lhe apareceu de frente sorrindo-lhe e perguntando-lhe: 

- Minha filha amada, por que você não comprou o vestido vermelho?

- Meu amado Salvador, o Senhor sabe que eu não sou merecedora...

- Por que não, filha?

- O Senhor sabe de todo o meu passado. Das feridas e traumas que tanto me bloqueia nas compras. Eu não preciso lhe explicar.

- Eu realmente sei de tudo minha filha. Sei que assim como você eu também tive uma infância humilde, cheia de privações. Procure na Bíblia, quando eu era criança nunca tive um brinquedo ou roupas novas. Tente ver esse fato como eu vi.

- Desculpe-me Senhor, mas não entendi.

- Filha, você não teve coisas novas na infância não por ruindade ou punição por algo.  Mas por àquelas pessoas não terem noção do que era importante para você. Por estarem tão envolvidas em tantas coisas, cobranças e obrigações da vida que não se atentaram para os desejos e sonhos de uma criança. Muitas vezes, os pais também são vítimas. Eles só repetem inocentemente comportamentos aos quais foram submetidos em suas próprias infâncias.

- Eu sei meu amado, mas eu não consigo me livrar desse passado, dessas lembranças – e suas lágrimas começaram a rolar.

- Mesmo antes do seu nascimento, você já era amada pelo nosso Pai. Durante toda a sua infância e adolescência Eu e Ele estávamos bem pertinho de você naqueles momentos mais difíceis.

- Senhor, por que passei por tantos momentos tão difíceis, sentia-me tão sozinha, angustiada?

- É que entre o Egito e a terra prometida existe um deserto. E só passa pelo deserto as grandes almas escolhidas, amadas e purificadas pelo Pai. Almas que são preparadas para grandes obras nesta terra.

- Senhor, como eu posso participar de uma grande obra se eu mesmo não me valorizo?

Jesus lhe abraçou, levou-a à beira de um lindo lago onde sua imagem foi refletida.

- Olha que moça linda que Deus concebeu. Olhe-se principalmente pelos olhos do espírito. Você filha vale tanto ao nosso Pai, quanto para Eu e custou o meu próprio sangue. Será que isto já não é mais que suficiente para você mudar suas crenças pessoais e se gostar mais? Quebrar paradigmas de falsas convicções não significa dizer remexer em seus valores. Filha permita-se rever e revisar o quanto esses valores estão alienando seus sonhos. Às coisas que você deseja realizar para sua vida.

- É verdade, Senhor. Desculpe-me Senhor, mas não espero mais nada para minha vida!

Jesus lhe deu um sorriso, dizendo:

- Ora filha, nós sabemos que isto não é verdade. Dentro de si há uma moça linda gritando para viver. Uma moça que ainda tem muita vida pela frente. Vida e vida com abundância. Você começará a ver tudo como um lindo arco-íris de cores belas reais e celestiais.

A moça continuou muda, apenas lhe olhando com um fascinante brilho nos olhos. Ele continuou:

- Quando as pessoas perdem a esperança, perdem também a capacidade de percepção e passam a viver num estado de sonolência mental e até mesmo espiritual e a habitar em uma triste rotina de acomodação. Em todo o universo de Deus filha ninguém é igual a ninguém. Você é uma joia rara e única. Mesmo com as marcas do seu passado, Deus lhe deu forças, tomou caminhos inesperados. Muitas vezes você nem notou, mas Eu e meu Pai tomamos caminhos em sua vida, conduzindo-a ao estudo, há uma carreira segura, independência financeira. Então filha, sempre que você quiser fazer algo ou comprar algo novo, vá e compre. Você é mais que merecedora. Você é filha do Deus altíssimo e minha irmã legítima. Todos os dias nós lhe pegamos no colo e lhe afagamos como nossa filha profundamente amada!!! Não se curve e se pune por um passado que não volta mais... Que não tem como ser mudado...

- Eu vou tentar mudar, Senhor.

- Não filha, você vai conseguir. Filha, como querer resultados diferentes repetindo sempre os mesmos comportamentos? Se seus pensamentos são castradores e limitadores? – Jesus deu uma pequena pausa, prometendo: - E vou lhe dar uma prova que o nosso Pai daqui para frente só quer que você tenha coisas boas como uma verdadeira filha Dele!

A moça acordou em um repente, enquanto uma luz resplandecente estava se apagando do seu quarto.

Na manhã seguinte, Esteves estava no escritório do apartamento. Marli foi levar o seu café.

- Bom dia, meu amor – disse ela sorrindo, entrando com a bandeja.

- Bom dia, minha gata. O nosso casamento será hoje à noite.

- Como assim, Luiz? Você está maluco? – Indagou ela, colocando a bandeja em cima da mesa.

- Sabia que você se casaria com um homem charmoso como eu. Como tenho seus documentos, dei entrada nos proclamas já há alguns dias. Hoje à noite virá aqui um juiz de paz. Agora corre, precisamos convidar nossos amigos e organizar uma festa.

- Realmente, você é maluco Luiz!

Izabela acordou com grande vontade de comprar o vestido vermelho. Passou o dia pensando nele. Ao terminar o expediente, correu para o shopping. Estava realmente decidida a comprá-lo. Ao chegar de frente da loja, o vestido vermelho não estava mais exposto. Entrou e perguntou à vendedora por ele, ouvindo:

- Eu sei senhora qual é. Infelizmente, ele foi vendido ontem à tarde. Desculpe-nos.

A moça agradeceu e saiu da loja entristecida.  Concluiu que o sonho fora apenas um sonho. Naquele imenso shopping sentiu-se novamente sozinha. Pensou em até ligar para Eliseu, mas ele estava trabalhando como motorista de aplicativo.

Estava uma noite linda, quente. No apartamento, Herbert, Eliseu, o pessoal que trabalhavam no bar e pessoas da pensão conversavam todos animados. Garçons serviam os convidados. 

No quarto, Izabela ajudava a noiva se arrumar.

- Sabe, Marli, estou tão feliz por você. Eu nunca lhe disse. Você é como a minha segunda mãe. Uma das pessoas mais importantes da minha vida.

Abraçam-se fortemente e derramam algumas lágrimas.

- Você Iza é a filha que eu gostaria de ter tido.

Ao entrarem à sala, Marli foi aplaudia. Luiz Esteves, em sua cadeira de rodas ao lado do juiz, brilhou seus olhos ao vê-la. O casamento foi celebrado e selado como romântico beijo do casal.

A festa corria animada. Eliseu chamou Izabela para conversar de canto.

- Iza, apesar de todo este lindo momento, vejo uma ponta de tristeza no seu olhar. O que foi?

Izabela já tinha confiança e abertura com Eliseu. Contou-lhe do sonho e a decepção mais cedo na loja.

- Calma, Iza. Ainda conheço muito pouco, mas a Bíblia diz que Deus toma caminhos que a gente menos espera. Tenha fé, garota!

- Posso lhe pedi um abraço, Eliseu...?

- Claro, vem cá.

Abraçaram-se longamente. E Eliseu se sentiu muito bem e confortável naquele instante, sem o desejo de fugir.

Na manhã seguinte, Izabela levantou-se sem nem uma vontade de trabalhar. Tinha que ir, pois era o dia da festa de aniversário da empresa e ela fazia parte do amigo secreto. Ainda mais essa, participar de uma festa sem ao menos estar motivada.

O que animou-a, era que Esteves e Marli estavam na festa. Entre idas e vindas, quem lhe tirou como amiga secreta lhe entregou uma caixa com o seu presente. Ao abrir, Izabela ficou sem ação. Era justamente o vestido vermelho. Enquanto o apreciava, todo o sonho se reproduziu em sua memória, mesmo no meio daquela bagunça. Junto ao vestido havia um cartão com o rosto de Jesus sorrindo e os dizeres escritos: “As pessoas que me seguem têm o poder divino de criar, mudar. Precisam usá-lo para renovar suas condições e realizar uma verdadeira transformação em suas vidas. Algumas dores virão. Mas o remédio será o potencial, a fé, a persistência e a determinação. Sobretudo, não temam. Eu estarei com cada um de vós. Que o nosso Pai Celestial vos abençoem!”

Sua amiga lhe disse:

- Ontem à tarde eu passeava pelo shopping procurando o seu presente, vi este vestido vermelho na vitrine. Imaginei você dentro dele direitinho. Então comprei para a moça mais linda e admirada entre todos os seus colegas!

Mais uma sessão com a psicóloga. Eliseu levou-lhe algo:

- Doutora, quando eu era pequeno, desenhava muito uma prainha com coqueiros, um sol sorrindo entre nuvens e um barquinho com vela ao mar. Achei um desses desenhos hoje em minhas coisas. Toma, dê uma olhada.

A psicóloga pegou, observou por alguns instantes e deu uma devolutiva:

- Eliseu, não posso afirmar com exatidão. Esse desenho pode ter duas interpretações. Pode significar a vontade de se isolar naquela época que você vivia entre tantas crianças no orfanato sem ter sua privacidade. Ou significar uma vontade grande de se lançar, descobrir e ganhar o mundo sem fronteiras. Deixar que o vento bata na vela e lhe leve sem medo.

- Acho que atualmente estou preferindo essa segunda opção.

- Em uma de nossas sessões, você me disse que até sua adolescência, nunca recebera uma visita. E depois, alguém lhe procurou?

- Sim, no orfanato aparecia uma mulher às vezes, dizendo ser minha tia, única parente que eu tinha e que por muitos anos ela estava me procurando. Era uma mulher muito fria, sem sentimentos. Contava-me que quando nasci, meu pai morreu em seguida. Minha mãe me odiava e quis me jogar fora. Abandou-me no orfanato e nunca mais apareceu – relembrou Eliseu, chorando um pouco: - Ao completar dezoito anos, tive que morar com ela e o marido. Era tratado como um empregado. Cheguei a cursar quase quatro anos da faculdade de psicologia, as matérias mexiam muito com coisas e lembranças que eu queria manter sufocadas dentro de mim, então abandonei o curso. Deixei a casa dessa mulher e fui lutar sozinho pela vida.

À noite, enquanto Izabela apreciava o vestido vermelho estendido sobre a cama, Deus visitou o seu coração. Lembrou-se daquela sandália que combinaria com ele. No outro dia, foi até a loja, entrou de cabeça erguida, pediu para buscá-la no depósito e pagou no caixa toda confiante de si.

Lembrou-se do tablet. Partiu para o supermercado. Ele não estava mais em exposição. Resolveu perguntar ao vendedor do setor, que lhe pediu um tempo. Foi ao depósito e logo voltou com um tablet na mão, dizendo:

- Olha, vendemos todos na promoção. Ficou só este que um moço de barba e cabelo cumprido reservou, mas não veio buscar. – Entregou-lhe completando e sorrindo: - Este tablet realmente era para ser da senhora! 

Eliseu foi ao encontro de Izabela no culto. Depois saíram para tomar lanche. Animada, ela contou-lhe tudo que acontecera. Ele feliz, disse-lhe:

- Viu como Deus é bom, Iza? Isso também alimenta minha fé.

- Tem uma outra coisa que não lhe contei – revelou ela sem jeito: - A missão da igreja foi marcada para a próxima semana. Eu fui convocada...

- E você vai? – Perguntou ele com medo da resposta.

- Eliseu, é uma chance que terei para rever minha família. E trabalhar um pouco na obra de Jesus. Será só um mês. Hoje à tarde conversei com o Esteves. Como tenho férias vencidas, ele me liberou. Logo eu voltarei. Prometo.

Uma semana depois, Marli e Eliseu levaram Izabela ao aeroporto. No saguão, o rapaz foi comprar uma garrafa d’água. Enquanto isso, as duas conversaram:

- Iza, uma vez, sem querer, vi um barquinho com vela ao mar desenhado em sua agenda. Que bom, agora você está permitindo que o vento bata na vela e a leve sem medo para outros lugares e descobertas. A vida sempre nos chama para viver. E quando achar que é hora de voltar, estaremos aqui para recebê-la com o amor de sempre.

Marli deixou que eles fossem sozinhos até o portão de embarque se despedirem.

- Eliseu não se esqueça, eu volto logo. Isso não é um adeus.

- Sei que não, Iza. E nesse período que você estiver fora, eu continuarei indo aos cultos.

- Fico tão feliz em ouvir isso.

O assunto acabou. Olharam-se fixamente. Veio uma força maior e se beijaram pela primeira vez.

No dia seguinte, Eliseu foi à sessão de terapia. Estava feliz.

- Ontem a Izabela viajou ao nordeste para ficar um mês. Hoje ela é a pessoa mais importante da minha vida. Ao contrário de antes, não vi essa partida como mais um abandono. E sim, um até breve como uma linda história que continuará. A ferida causada pelo abandono não é fácil de curar. A pessoa saberá que está curada quando os momentos de solidão não forem vistos como desamor e rejeição, e, dentro de si, existirem diálogos positivos e esperançosos.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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