7 - FORTES VENTOS VOLTAM

 

A cumplicidade e carinho entre Luiz Esteves e Marli aumentava a cada dia. Ele fazia de tudo para vê-la feliz. Ela se dedicava cada vez mais a cuidar dele como uma boa esposa. 

Encontravam a felicidade na busca do amor-companheiro, menos intenso e mais tranquilo. Com emoções fortes e, ao mesmo tempo, calmas e estáveis, permitindo espaços para prazeres provenientes de outras fontes além das aparências físicas e de posses. Com princípios de respeitos, sentimentos de admiração e confiança, sendo o amor sinônimo de paz e tranquilidade. 

Um relacionamento de trocas e com cuidado um pelo outro, permitindo uma verdadeira felicidade para o casal, realizando-se pelo ato de se precisar um do outro com o desejo de sua presença. O cuidado com o ajudar, fazer alguma coisa pelo ser amado.

Só que haviam momentos de vazios dentro de seu coração. Certa tarde, Marli estava no escritório observando os traços de seu desenho emoldurado, pendurado na parede. Traços simples, uma praia com coqueiro e grama, um sol com carinha sorrindo entre nuvens, o mar, peixinhos e um barco com uma vela pequena. Esteves entrou em sua nova cadeira elétrica e a olhou.

- Lembra-se o que lhe falei àquele dia? Você ainda tem muita vida pela frente, Marli. E pode ajustar suas velas e conquistar as terras longínquas que a vida insiste em esconder com medo do que vai ou não encontrar lá. A vida sempre sutilmente nos chama para viver! 

- Talvez esteja mesmo chegando o momento dos ventos começarem a bater em minha vela e eu partir, Luiz. Pelo menos para procurar algumas respostas.

- Sabe meu amor. Há dois tipos de se viver. Os Essencialistas, acreditando que todas as coisas já estão pré-determinadas, que nascemos com uma essência que não vai mudar. O que tiver que ser, será e com isso nos acomodamos diante da vida, sem se arriscar, usando essa postura comodista. Outros são os Existencialistas, acreditando que nossa essência é construída com a possibilidade de ser. Pessoas que correm atrás de seus objetivos e sonhos. Buscam oportunidades, não temem em se arriscar nas mais diversas ocasiões. Fazem das frustrações acúmulos de experiências para não errarem nas próximas tentativas. Fazem das vitórias motivações para sempre progredir. Deixe o vento soprar, bater em sua vela. Parta sem medo e sem pressa. Seja uma existencialista. Eu ficarei bem aqui no nosso porto lhe esperando com o meu amor.

Marli correu até ele e deu-lhe um beijo apaixonado.

Semanas passaram. Chegou a hora de Izabela voltar do nordeste. Ao passar pelo portão de desembarque empurrando o carrinho de bagagens, Eliseu a esperava de pé no saguão com um buquê de flores nas mãos. Abraçaram-se apaixonadamente.

- Eu quero continuar de onde a gente parou – pediu ele, beijando-a.

Após cortarem parte da cidade de carro, chegaram à Avenida São João e ele entrou no estacionamento do prédio de Esteves.

- Lindo, pensei que iríamos para a pensão deixar minhas malas.

- Iza, recebi ordens para trazê-la para cá – respondeu sorrindo.

Subiram e foram recebidos com alegria pelos anfitriões. Todos se sentaram na sala para papear. Até que Marli revelou:

- Iza, estive conversando com o maridão aqui. Você diz que me tem como sua segunda mãe. Você é a filha que eu sempre quis ter. Então queremos que você venha morar conosco. Este apartamento é grande, têm muitos quartos.

- E se a maridona aí é sua segunda mãe, eu quero ser seu segundo pai – disse Esteves sorrindo. 

- Estou emocionada – confessou Izabela enxugando as lágrimas: - Aceito, claro que aceito.

Esteves tinha outra surpresa que nem Marli sabia:

- Bem, já que você aceitou entrar para família, vamos ser práticos. Decidi me afastar da direção da empresa para descansar e curtir a vida com minha esposa. E já que ganhei uma filha, nada mais justo que você Izabela, assuma o meu lugar.

- Eu, Esteves??? Nem sei se tenho capacidade para ser uma economista-chefe...

- Lógico que tem, menina. E qualquer coisa, estarei sempre aqui na retaguarda.

Os quatros se abraçam. Esteves olhou para Eliseu:

- E você rapaz, muito respeito com a moça. Agora ela tem um pai por perto para cuidar dela.

Deram muitas gargalhadas.

No outro dia pela manhã, Eliseu parou seu carro em frente de um abrigo público de idosos. Olhou a fachada e pensou: “Chegou a hora de me reencontrar com meu passado para continuar navegando minha vida por águas tranquilas!”

Entrou e pediu para falar com uma senhora. Foi levado ao seu quarto.

- Boa tarde, tia Fabiana.

- Ora, ora, o bom sobrinho lembrou-se da velha tia – ironizou a mulher sentada na cama com aspecto acabado, rugas do tempo e amargurada: - O que você quer?

- A verdade, só a verdade – disse ele, puxando uma cadeira e sentando-se: - E por favor, seja verdadeira pelo menos uma ver na vida.

Ficaram se olhando fixamente por instantes. Eliseu quebrou o silêncio, indo direto ao ponto:

- Por que minha mãe me rejeitou quando eu era bebê?

- Bem, vou ser verdadeira. Não tenho mais nada a perder na vida. Sua mãe nunca lhe abandonou. Fui eu que lhe arrancou dela.

- Mas por quê, tia? – Questionou o rapaz já derramando lágrimas.

- Seu pai, meu irmão, morreu em uma fatalidade de uma bala perdida – começou a narrar Fabiana, falando pausadamente: - Decidi colocar meus pais em um asilo como esse para não ter trabalho com eles. Naquela favela havia um traficante, Celso, amigo de infância nosso. Não sei o porquê, mas ele tinha uma inveja doentia de seu pai e sempre queria tudo o que era dele. Pediu-me para ajudá-lo a ficar com sua mãe, porém não queria cuidar do filho de outro homem. Pediu a minha ajuda, ameaçando-me.

- Como assim, por que ele lhe ameaçava?

- Na adolescência, eu e Celso fomos amantes, eu queria ser do cara que mais tinha dinheiro na comunidade. Na época que Giorje, seu pai morreu, eu já estava vivendo com um desembargador de justiça, rico, bem influente socialmente. Celso ameaçou contar tudo a ele se eu não o ajudasse. Pela influência que meu marido tinha, foi fácil para eu seduzir um juiz e consegui ficar com sua guarda definitiva. Dava dinheiro para o Celso pagar um falso advogado para enganar a tonta de sua mãe.

Eliseu chorava cada vez mais, ouvindo calado. Fabiana continuou:

- Eu não tinha a menor vontade de ficar com você. Consegui aquele orfanato esquecido de crianças pobres. Dava uma ajuda mensal para eles ficarem com você. Até seu nome troquei, arrumei documentos falsos. Depois contei para o Celso que você fora adotado por um casal estrangeiro e nunca mais tive notícias.

- Trocou meu nome?

Ela levantou-se, foi até uma velha cômoda de canto, abriu a gaveta, pegou um velho papel dobrado, voltou, sentou-se novamente à cama e entregou-lhe:

- Toma. Esta é a sua verdadeira certidão de nascimento.

O rapaz não teve coragem de abri-la. Colocou-a no bolso da camisa. Permaneceram em silêncio por um tempo, o que foi quebrado pela lamentação de Fabiana:

- A vida dá muitas voltas mesmo. O desembargador morreu. Esbanjei todo o dinheiro que ele me deixou com compras, festas e viagens. Sem ninguém na vida, acabei aqui, em um asilo público, tendo o mesmo destino que dei aos meus pais.

- Pode deixar, tia. Vou lhe dar assistência. Ao contrário da senhora, eu não vou lhe abandonar... Jesus nos pediu, “perdoai setenta vezes sete”!

Eliseu levantou-se, caminhou até a porta. Virou-se e indagou:

- Só ficou uma dúvida. Meu pai realmente morreu de bala perdida, ou foi mais uma maldade desse tal de Celso?

- Isso nunca saberemos, Eliseu. Anos depois o infeliz do Celso morreu da mesma maneira.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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