7 - AMBIENTE DE TRABALHO

A segunda-feira começa na empresa. Tudo permanece na mesma rotina, onde a maioria das pessoas permanecem, pelo menos, um terço do seu dia em contato com boa parte dos estímulos estressores dos ambientes de trabalho. Fatores que vão desde o medo de perder a hora e chegar atrasado, até o medo do desemprego. Situações que precisam ser bem administradas para não levarem o indivíduo às fases patológicas do estresse. Sintomas de ansiedade são praticamente inevitáveis. Um colega que chega mau-humorado, traz o medo de desentendimentos. A quantidade de tarefas do dia sempre parece ser maior que a jornada de trabalho. O salário quase nunca é suficiente para passar o mês. Pressão exercida pelo relógio ou pelo chefe, são quase insuportáveis. E até a campainha do telefone ou o toc-toc dos teclados de computador parecem ensurdecedores. 

Na filosofia moderna, o funcionário tem que desempenhar o maior número de papéis possível dentro de uma empresa, profissionais multi-uso, do tipo que trabalha por dois e ainda ajuda o outro setor quando acaba mais cedo. Esta sobrecarga e a necessidade de se batalhar para não perder a vaga para outro é o principal fator estressor na vida da maioria dos trabalhadores. Internet, Mundo Digital, Redes Sociais, Multimídia, Download são termos que invadiram a vida do trabalhador quase sem pedir licença. E a cada dia descobrem-se mais novidades. As máquinas vão ficando menores e mais potentes. Mas é preciso que alguém saiba mexer com elas, pois não funcionam sem que seus botões sejam pressionados, obrigando ao profissional, bem como todas as pessoas, devem estar em constante trabalho de reciclagem, exigindo mudanças e adaptações, vistas sob a perspectiva do crescimento, não como uma obrigação tediosa, inútil e humilhante, que favoreça o descontentamento e o estresse patológico. 

Murielli, sabendo que Henrique é uma pessoa com quase nenhuma experiência no campo sentimental, imagina que precisará ter iniciativas para manter o ambiente e amizades deles como antes. Na hora do almoço, vai à sala dele, dizendo num sorriso: 

- Vim buscar o meu amigo para almoçar comigo...

No refeitório, como antes, ela o ajuda servir e levar para sua mesa. Sentam-se juntos. Murielli vai puxando assunto, percebendo que ele está sem graça. De repente, João aproxima-se. Nem cumprimenta o rapaz, falando direto com ela:

- Murielli, hoje depois do expediente o pessoal vai dar uma esticada até um barzinho. Você quer vir...?

- Obrigada João, mas hoje tenho aula de inglês. Fica para uma próxima...

João se afasta. Ela percebe que Henrique ficou um pouco abatido com a situação. Mas, talvez para confortá-lo, comenta:

- Já não aguento mais esses programas de sempre...!

* * *

Após a confissão, algo de pesado sai de dentro dele. Mas no decorrer dos dias, Henrique passa a vivenciar sentimentos até então desconhecidos. Ao mesmo tempo em que precisa continuar convivendo com Murielli – sem perceber que ela disfarçadamente tenta manter o clima de amizade -, sente ciúmes dos rapazes que dela se aproximam, cortejando-a; dos passeios que ela faz com os colegas e ele nunca está incluído. 

No domingo à tarde, encontra seu amigo na cede da Associação. Marcos Antônio, por ser uma pessoa experiente e maduro, não teme em perguntar:

- E aí, como está a sua convivência com minha irmã depois de sua confissão?

- Continua na mesma. A Murielli é uma pessoa muito legal. Continuamos amigos como sempre. Mas é um sentimento esquisito, você estar ao lado de uma pessoa que gosta e não poder fazer nada. Tocá-la, acariciá-la, beijá-la...

- Entendo. Isso lhe incomoda?

- Um pouco. Ao mesmo tempo, vejo-a com muitas amizades, frequentando lugares que acho que nunca poderei frequentar...

- Aí também você está sendo pessimista. O mundo dá voltas. E você é tão capacitado como qualquer outra pessoa, meu caro. O seu destino está exatamente em suas mãos. Você pode fazer dele o que quiser. Ou permanecer na lamentação, ou partir com otimismo para modificá-lo para melhor!

Henrique permanece algum tempo pensativo, deixando escapar:

- Sabe, até pensei em pedir demissão da empresa para não ter que conviver com a mulher que gosto. Mas esse emprego é a primeira oportunidade que tive de verdade. Não vê-la todos os dias sendo paquerada por rapazes mais capacitados que eu me ajudaria esquecê-la. E depois esse dinheiro está sendo muito importante para mim e minha mãe.

- O que você está falando, Henrique? Esse emprego pode ser a porta para a modificação de vida que acaba de dizer. Depois isso só seria um comportamento de fuga. E será que fugir dos nossos problemas é a melhor forma ou um ato de covardia?

- Concordo, mas o que devo fazer, meu amigo?

- Você tentou. Só que não deu certo. Então talvez seja momento de esquecê-la e seguir em frente em busca de um outro alguém...

- Mas não é fácil, meu amigo. 

- Sabe Henrique, vou contar-lhe uma história. Certo dia, num mosteiro zen-budista, com a morte do guardião, foi preciso encontrar um substituto. O grande mestre convocou todos os discípulos para descobrir quem seria o novo sentinela e, com muita tranquilidade, falou: "Assumirá o posto o monge que conseguir resolver o primeiro problema que eu vou apresentar". Então ele colocou uma mesinha magnífica no centro da enorme sala, em cima dela, colocou um vaso de porcelana muito raro, com uma rosa amarela de extraordinária beleza. Disse apenas: "Aqui está o problema". Todos ficaram olhando o vaso belíssimo, de valor inestimável, com uma maravilhosa flor no centro. O que representa? O que fazer? Qual o enigma? Nesse instante, um dos discípulos sacou a espada, olhou o mestre, os companheiros, dirigiu-se ao centro da sala e destruiu tudo, com um só golpe. Tão logo o discípulo retornou ao seu lugar, o grande mestre disse: "Você é o novo guardião".

- Sim, Marcos Antônio. O que você quis me dizer com isto?

- Não importa que o problema seja algo lindíssimo. Se for um problema, precisa ser eliminado. Um problema é um problema, mesmo que se trate de uma mulher sensacional, um homem maravilhoso, um grande amor que se acabou ou que nunca foi correspondido. Por mais lindo que seja ou tenha sido, se não existir mais sentido para ele em sua vida, deve ser suprido. Muitas pessoas carregam a vida inteira o peso das coisas que foram importantes no passado, mas que hoje somente ocupam espaço, um lugar indispensável para criar vida. Pense nisto, meu amigo...

* * *

Em uma determinada noite, Murielli acorda soada, após sonhar ter beijado Henrique. Mesmo sem ainda ter noção, o rapaz está mexendo consigo. O momento da confissão sempre voltava em sua mente. “Mas por quê?” - Indaga-se. Talvez por ele ser uma figura especial por não se revelar fútil como todos os rapazes do seu círculo de convivência. Alguém de hábitos simples e de muita sinceridade, e que no fundo ela sempre almejou em um homem. 


Nas reuniões de famílias da Associação, ela passa a observá-lo com mais atenção e desenvolver um sentimento a mais por ele. Sua limitação não é tão importante assim. Por ela ter um irmão e conviver com pessoas com vários tipos de deficiências, Murielli aprendeu a procurar no ser humano a essência e não a aparência. Ela consegue ver nessas pessoas a expressão de suas afetividades até mesmo em seus músculos faciais que demonstra os sentimentos. E em Henrique ela sentia muita sinceridade e uma capacidade de ser um companheiro como sempre desejou. 

Toda atração e gostar de alguém sempre será o reforço positivo. Gostamos daqueles que nos gratificam e desgostamos daqueles que nos punem. Somos atraídos por aqueles prediletos e fatores recompensadores, uma balança entre custos e benefícios que nos levam a sentir atraídos por alguém pelas suas qualidades pessoais, suas similaridades conosco, a familiaridade a proximidade, elementos como honestidade, lealdade, confiabilidade, atitudes, valores, interesses, personalidade também pesam em nossas escolhas. 

Só que Murielli, confusa, começa a temer esse sentimento que nutre por Henrique. Sem contar para ninguém, resolve guardá-lo só para si. E deixa os dias passarem...

* * *

Os fins de tardes nos barzinhos com o pessoal da empresa já não trazem prazer à Murielli. Seu pensamento está cada vez mais voltado para Henrique. Todos na mesa conversam animadamente, enquanto ela permanece em silêncio. Uma colega nota:

- Você está muito quieta hoje, Murielli. O que foi?

- Nada, acho que estou apenas cansada...

- Cansada ou apaixonada? – Indaga outra colega.

Murielli dá apenas um sorriso sem graça.

- É paixão mesmo, pessoal – comenta a primeira colega, seguida por um coral: - Conta, conta, conta...

O vermelho da vergonha toma a sua face. Transparece sua timidez. O coral continua. Uma moça propõe um jogo de adivinhação:

- É alguém da empresa?

- É... – Responde sem jeito.

- Ele está aqui na mesa?

- Não...

- Pelo menos e do nosso grupo de amigos?

- Bem, não, mas todos o conhecem...

- Conta, vai, Murielli. Somos todas suas amigas. Não é justo ter segredos pra nós. Quem sabe podemos lhe dar uma forcinha...

Ela busca coragem lá no fundo. Respira, olha de frente para todos, soltando de uma vez:

- É o Henrique da informática.

Um silêncio total toma conta da mesa. Umas olham para outras com cara de espanto. Algumas pessoas têm vontade de rir, segurando. Há até quem se engasgue com a bebida. João, que está entre os rapazes, pensa alto:

- Isto só pode ser uma piada de mau gosto...!

- Por que, não posso ter meus gostos pessoais? – Indaga Murielli séria, encarando-o.

- Não é bem isto – uma colega tenta contornar a situação: - É que você pegou-nos de surpresa. O Henrique nem é do nosso círculo de relacionamento. Você tem certeza desse sentimento?

- Sim, tenho...

- Você já conversou com ele?

- Não, ainda não...

- Minha amiga, se me permite, acho que você não deveria levar isto adiante – comenta outra colega com cuidado: - Vocês vivem em mundos diferentes. Você é uma moça de um nível superior, uma executiva de sucesso, propensa há uma carreira internacional. Precisa casar-se com um moço de boa aparência, com posição social e que lhe possa oferecer um futuro tranquilo.

- Senhoras conselheiras de mesa de boteco, agradeço a preocupação, mas dispenso os conselhos. Agora se me derem licença, passarei pelo caixa, pagarei minha parte e me colocarei rumo à minha casa. Passem bem...!

No caixa, João chega por trás, pegando em seu braço, puxando-a para o canto, exclamando:

- Não acredito que você vai me trocar, por aquele mal-vestido, barbudo, sem nenhuma cultura e acima de tudo, um aleijado!!!

- Eu não vou lhe trocar, mesmo porque você não foi, não é e nunca será nada meu. Solta o meu braço, senão começo a gritar. Aliás, se você fosse um homem de cultura como disse, deveria saber que o termo “aleijado” além de ser muito preconceituoso, não se usa mais. Não deveria estar na boca de quem se julga de alto nível...!

* * *

Murielli chega à sua casa, entra pela porta da frente sem acender as luzes, fecha-a, encosta-se nela. Dá um forte suspiro.

- Algum problema, minha irmã? – A voz de Marcos Antônio atravessa a escuridão.

- Você está aí... – Diz ela, acendendo o interruptor da energia elétrica, fazendo surgir a imagem de seu irmão sentado em sua cadeira de rodas ao centro da sala.

- Eu lhe fiz uma pergunta.

- Viver já é um problema! – Exclama, indo sentar-se no sofá perto dele: - Por que será que nossas vidas sentimentais precisam ser tão complicadas...?

- Ou será que nós que a complicamos, Murielli? Deixamos nossos medos de sermos rejeitados, nossas inseguranças falar mais alto. Com isto, não nos arriscamos mais na vida. Preferimos acreditar em milagres ou em contos de fadas, onde a pessoa da nossa vida surgirá como num passe de mágica e nos levará para um castelo encantado. E por ser tudo tão mágico, não precisaremos nos esforçar para encontrar nossos parceiros e muito menos, não corremos o risco de sofrer desilusões. Aliás, o medo de sofrer é o que realmente nos faz acomodar.

- Mais uma vez, você está certo, Marcos. Nossa, como temos medo das decepções amorosas...!

- Quem é ele?

- Ele quem?

- Não disfarça, Murielli. Uma pessoa pura como você não sabe como mentir e muito menos ocultar os sentimentos.

- Por incrível que pareça, estou gostando do Henrique. – Murielli explica ao irmão como o rapaz foi lhe cativando com a convivência entre eles, suas qualidades que superam suas limitações motoras, concluindo: - Só tenho medo de uma coisa. Do nosso relacionamento não dar certo e eu fazê-lo sofrer.

- Mas esse é um risco que corre qualquer casal, independente de haver ou não uma deficiência. Namorar é o ato de se conhecer, de procurar as identificações necessárias para levar ou não o relacionamento adiante ou não. Sofrer por amor é parte da vida de qualquer ser humano. Mas, sobretudo, não devemos entrar numa nova história de amor já pensando em fracasso...

Murielli conta ao irmão a conversa que ainda há pouco teve com suas colegas de empresas. As coisas que lhe disseram, os conselhos que lhe deram, causando uma enorme insegurança.

- E você acha o quê, Murielli? Que num mundo de corporativismo, jogos de interesses, de aparências, de grandes concorrências e falsos status em que você vive, alguém acharia bonitinho o seu sentimento? 

- Você mais uma vez tem razão. Pensando bem, desde que eu cumpra os meus deveres profissionais, ninguém tem nada a ver com minha vida particular, de quem eu goste ou deixe de gostar!

- Concordo, mas posso lhe dar um toque!? Se você realmente está decidida com relação ao Henrique, acho bom correr logo. Ele está decidido a esquecê-la.

* * *

Segunda-feira pela manhã. Murielli dirige seu carro rumo à empresa. No caminho, meio ao tumultuado trânsito, vai pensando em tudo que lhe foi dito nos últimos dias. Mas principalmente em seu sentimento e nas características e qualidades que enxerga em Henrique. Sobe pelo elevador e, deixando a sua personalidade de uma mulher bem-resolvida, com boa autoestima, interessante, bem-humorada e decidida em suas vontades, vai até a pequena sala onde o rapaz desenvolve o seu programa de computador. Colocando-se à porta e não perdendo tempo, vai direto ao ponto:

- Henrique, você ainda gosta de mim como mulher?

- Eu!? – Engasga o rapaz, levantando-se em um susto.

- Fiz uma pergunta e preciso de uma resposta! – Exclama, olhando-o firme.

- Bem, você é a única pessoa que gostei na minha vida.

- Então isto é para você...

Murielli vai até ele em passos largos, abraço-o forte, dando-lhe um profundo beijo na boca. Henrique treme entre um misto de sentimento de susto e emoção. Caem sentados na poltrona. Ela continua abraçada a ele o afagando por algum tempo. Depois a moça confessa que desenvolveu um afeto maior que amizade por ele e que está disposta a viver aquele romance.

Veio a hora do almoço. Murielli e Henrique dirigem-se para o refeitório de mãos dadas. Ao entrarem, todos olham e um silêncio toma conta do ambiente. Mas o casal comporta-se com naturalidade. Como sempre, ela ajuda a servir a bandeja do rapaz, leva-a até a mesa e volta para servir-se. Ao voltar, sentou-se ao ladinho dele. Durante a refeição, notam alguns olhares desconcertantes em direção ao casal. Só que, para deixar claro que aquilo não os afeta, após a refeição, permanecem durante algum tempo abraços, conversando à mesa.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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