8 - NOVOS DESAFIOS PARA JOSÉ RENATO

  José Renato volta à São Paulo para ver como estão os negócios e visitar fornecedores. Desta vez, ele pode ficar hospedado no apartamento do velho amigo. No final de tarde, resolvem ir ao Bar 50!. 

Bebendo cerveja à mesa, ele revela:

- Sabe, Almir, eu ando meio esquisito, sentindo-me um pouco vazio. Posso dizer que fui bem-sucedido na vida. Fiz um bom casamento, tenho filhos maravilhosos iniciando faculdades. Peguei uma simples marcenaria de família e a transformei em uma grande fábrica de móveis planejados, vendo para todo o país. Lá na nossa cidade, sou bem-conceituado.  Só que, parece que não tenho mais sensações de aventura, emoção e prazer, como se a vida tivesse perdido o significado... 

Na faixa de idade deles, as pessoas sofrem grandes transformações na personalidade por meio se uma crise pessoal. Essas mudanças drásticas na personalidade são inevitáveis e universais, porém o período natural de transformações necessárias e benéficas. Ironicamente, ocorrem porque as pessoas foram bem-sucedidas na tarefa de atender as demandas da primeira metade da vida, investindo muita energia nas atividades preparatórias — estudos, carreira, família, reconhecimento social. Agora, na meia-idade, essa preparação já terminou, desafios foram vencidos, mas ainda há energia considerável, sem lugar para onde ir, que precisará ser recanalizada para atividades e interesses diferentes.

- José Renato, eu me lembro que quando éramos jovens, seu sonho era cursar Letras, escrever. Você pode delegar várias tarefas da empresa e entrar em uma faculdade. Mesmo porque, você lê muito, nunca deixou de estudar.

- Verdade, meu amigo. A única diferença agora é que posso cursar e curtir a faculdade por prazer, sem a obrigação em pensar em uma carreira.

Eles brindam. Almir é surpreendido por Adriana que entra ao bar. Desta vez, ela não está de executiva. Veste calça jeans, blusa leve estampada e botinhas. Aproxima-se da mesa deles, cumprimentando-os simpaticamente:

- Boa noite, pessoal.

- Boa noite, dona Adriana. Deixa-me lhe apresentar. Este é o José Renato, dono da fábrica de móveis planejados. José Renato, esta é uma de nossas clientes, dona daquele apartamento que lhe falei hoje à tarde.

Trocam aperto de mãos. Ela pede-lhe:

- Vamos tirar essa formalidade. Podemos nos tratar só pelos nomes. E afinal, hoje sou apenas mais uma de vocês. Eu vim aqui tocar um pouco – revela ela sorrindo.

- Tenho a impressão que já lhe conheço – observa José Renato.

- Você pode estar me confundindo com alguém. Ou pode ser um déjà vu...

Elias se aproxima deles, dirigindo-se à ela:

- Adriana, o seu piano já está à sua espera.

Ao som da música a conversa entre os amigos continua. 

- E você, como está sua vida aqui sozinho? – Pergunta José Renato.

- Estou me adaptando.

- Você precisa de uma companheira, Almir. 

- Acho que estou velho para isso. É tarde demais...

- Essa é aquela velha e falsa sensação que não dará mais tempo de realizar nossos sonhos. Cara, li recentemente que muitos em nossa idade desenvolve a percepção de uma vergonha associada ao fracasso, o que é, na maioria das vezes, exacerbada, correspondendo muito pouco à realidade. É a falsa e distorcida sensação na maioria das vezes, de que o tempo está a passar e não se fez nada da vida e provavelmente já não se terá tempo de fazer. Que já não vale a pena lutar pelos sonhos porque se acordou tarde demais para a vida.

- Será José Renato? – Pergunta ele cético. 

- Na nossa idade, só estamos no meio da vida. Ainda há muito por se fazer, conquistar. Almir, o buraco é mais embaixo. Nada ocorre milagrosamente e por sorte. É algo que exige muito trabalho, esforço e principalmente muita coragem de se abrir ao desconhecido. Muitas vezes precisamos deixar ir o que somos ou temos hoje. Abrir mão do que lhe é familiar, que lhe faz mal, mas que lhe é conhecido. É preciso abrir mão, exatamente para a mão ficar livre para receber outras coisas. É preciso deixar fluir, meu amigo. O rio flui em uma represa? Pois é! A sua vida também não vai fluir se você não abrir suas represas tão cuidadosamente construídas e protegidas pelos seus medos.

- Sabe o que me lembrei agora, José Renato? Àquela vez a cartomante nos disse que tinha alguém morrendo de amores por mim e me enviaria cartas de amor. Acho que ela realmente morreu, pois eu nunca recebi carta nenhuma...

Eles dão gargalhadas. Almir lhe conta o que viveu com Morielle.

- E você vai dar essa história por encerrada?

- Como assim, José Renato?

- Como se diz lá na nossa terra, por vezes o cavalo passa arreado por nós. Se não montarmos, ele vai embora! Está na hora de você esquecer o passado...

Ele fica apenas pensativo. 

Quando Almir vai ao caixa pagar a conta, pergunta:

- Elias, por que você falou “seu piano” para a Adriana?

- Foi ela quem comprou o bar... – Revela-lhe beixinho.

* * *

Dias depois, Almir pensa muito no que conversou com José Renato. Lembra-se que assim como foi platonicamente com Cátia, Morielle também fez seu coração adormecido sentir sentimentos por ele esquecido. Só que com ela foi mais real. Tiveram vários passeios, momentos, conversas descontraídas, dançaram. Gostavam da companhia um do outro. Está certo, Morielle sempre atravessou um grande problema em silêncio. Só que ele sabe que é diferente dos homens que ela se relacionou até ali. A tratará com respeito, valor e carinho que ela sempre mereceu e nunca recebeu enquanto mulher!

Toma uma atitude e vai à clínica de Cátia. Ao entrar, ela está arrumando a sala onde se reúne com o pessoal para palestras, bate-papos. Vai direto ao ponto:

- Cátia, eu preciso falar com a Morielle.

- Almir, eu só quero lhe explicar uma coisa. Quando aproximei vocês, também não sabia a verdadeira história dela. Achei que vocês tinham tudo haver, que quase rolou um namoro no ginásio. Acreditei que agora vocês poderiam realmente se entenderem.

- Sua intenção foi boa, eu lhe agradeço muito. Mas onde posso encontrá-la?

-  Tarde demais, Almir. A Morielle resolveu deixar São Paulo. Faz mais ou menos uma hora que ela foi para rodoviária...

* * *

Almir sai correndo da clínica e chama pelo celular um carro de aplicativo. Quase quarenta minutos preso pelo trânsito e sinais/faróis vermelhos, chega à Rodoviária do Tietê. Desce correndo até a área de embarque, procurando como louco. Encontra Morielle sentada em um banco, esperando seu horário de partida.

- Por favor, não vá, fique comigo – pede ele com respiração cansada pela correria.  

- Almir, você é uma pessoa sensacional. Agradeço tudo que você fez por mim. Passei momentos maravilhosos ao seu lado. Só que essa é uma decisão que tomei depois de muitas sessões de psicoterapia. Não posso me ligar em ninguém agora. Seria só uma nova transferência de minha dependência emocional. Vou para o Mato Grosso, onde mora um de meus filhos. Aprender que não preciso de outra pessoa para viver o meu dia. Depender do parceiro para realizar as tarefas. Preciso aumentar o meu círculo de amizades e não viver só para um companheiro, libertando-me dos sentimentos destrutivos, pois mesmo em um relacionamento cada um tem sua individualidade. Não é saudável se apegar a outra pessoa para viver. Preciso me solidificar nessas crenças e sonhos para que um companheiro seja alguém com quem possamos dividir o peso dos acontecimentos da nossa vida, não o objetivo dela. Esse é o primeiro passo do tratamento, fortalecendo-me individualmente, o que me trará crescimento pessoal e um relacionamento estável e feliz.

Almir sente que precisa respeitar o momento dela. Minutos após, o ônibus encosta na plataforma. Ele fica olhando quando Morielle põe suas malas no bagageiro, dar-lhe mais um aceno com a mão e embarca. Os motores são ligados e o carro parte.

Parado ali na porta de vidro, sem ação, olhando o ônibus se distanciar, ele pensa: Mais um amor que não vivi...

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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