- Estou emocionada. - Disse Donana.
- Vai se sentar com Seu Valmir, Dona Donana. Eu ajudo
Denise.
-Tudo bem,
filha?
- Tudo bem, mamãe. Pode ir. A Carminha me ajuda.
Donana saiu.
- Ele não veio...
- Ele quem, Denise?
- O Henrique...
- É, realmente eu não o vi entrando. Bom! Isso não
importa. O que importa é que a noite hoje é sua. E hoje você vai brilhar!
- É, isso não importa. – Deu um suspiro: – Mas bem
que eu queria ver ele na plateia.
No palco a diretora fez a
abertura.
- Boa noite a todos. Estamos aqui hoje para assistir
ao concerto da nossa querida amiga Denise Arruda. Esse não será um grande
concerto, como daqueles grandes músicos já consagrados mundialmente. Mas sei
que será muito valioso na vida dessa jovem. Pois esse é seu primeiro concerto.
Bem! Agora quero convidar para entrar no palco e tomar lugar ao piano, a jovem
pianista Denise.
Muitos aplausos. Denise entrou ajudada pela amiga. E
pegou o microfone:
- Muito boa noite. Quero agradecer primeiramente, por
vocês estarem aqui. Como Dona Norma já falou, esse será o meu primeiro
concerto. Confesso estar um pouco nervosa e muito emocionada. Vamos lá. Sei que
todo mundo aqui, deve estar ansioso para ver-me tocar, como também estou
eufórica para tocar. Mas antes gostaria que conhecessem um pouco mais da
história desse instrumento. Passo o microfone a Dona Norma, que irá ler o
resumo que preparei.
- Piano, um instrumento musical de cordas e teclado
surgido no século XVIII e deve-se sua invenção a Bartolomeu Cristófori,
italiano de Florença. Os franceses
reivindicam para si o aparecimento do primeiro piano, com o instrumento construído
por Marius e apresentado à Academia de Ciências de Paris, em 1716, com o nome
de “clavecin à mailles”. Em 1717, na Alemanha, Schoeter e Silbermann
apresentaram instrumentos semelhantes aos de Cristófori e Marius. Coube,
entretanto à Inglaterra, aperfeiçoar o invento. Em 1770 já havia pianos muito
bem construídos, substituindo os antigos cravos, nas orquestras inglesas. O
piano com duas cordas duplas surgiu em 1777, na França com Sebastião Erard e
foi construído com cinco oitavas. Hoje conhecemos dois tipos de pianos: o
vertical e o de cauda. Esse último é o que já conhecemos desde 1711, inventado
por Cristófori; O piano vertical, que se espalhou rapidamente, por ser mais
cômodo e menor, teria sido construído pela primeira vez por Domingos Del Mella,em 1739. no século XVIII, entretanto é que se desenvolveu decisivamente o
aperfeiçoamento do nobre instrumento. Em 1856, Stenway, americano, lançou em
Boston, os pianos de cordas cruzadas, com extraordinários resultados em
sonoridade. Famosas tornaram as seguintes marcas de piano: Pleyel, Steinway,
Ibach, Bechstein, Erard, Gaveau, etc. No Brasil temos as seguintes fabricações,
já em grande escalas: Brasil, Liszt Schwartzmann, Essenfelder e Pianofatura
Paulista, (SP) a maior da América do Sul, commais de 20 marcas e produção de
200 pianos mensais. Em Stutgart, na Alemanha o pianista Heinz Arntz bateu o
recorde de resistência. Tocou durante 720 horas consecutivas, isto é, durante
um mês. Seus dedos percorreram 110.000 quilômetros sobre as teclas.O regulamento
do concurso concedia apenas duas horas diárias de descanso com proibição
expressa de uso de estimulantes. Durante a prova Heinz fumos 3.600 cigarros.
Agora o microfone fica à disposição de quem queira falar.
O prefeito da cidade fez um pequeno discurso e, entre
sábias palavras, ele disse:
- Tomara que Denise seja uma pianista muito famosa e
toque até no exterior!
A Delegada de Ensino, falou do grande valor, o que
representava aquilo para cultura da cidade. Entregou um cartão de prata para
Denise, que ela leu ao microfone: Denise: / Você lutou e conseguiu. Parabéns
pela vitória! / Siga em frente! / Projeto Viver: Arte e Cultura.”
Um jornalista, conhecido na cidade como Seu Jário,
também deu o seu recado. Entre muitas palavras, que emocionaram a todos, disse:
- Somos importantes à medida que acreditamos em nós,
que somos capazes de concretizar um sonho. A família a motivou, e, motivada,
ela nos dá uma lição maravilhosa. Quantos duvidam de si mesmo. Enquanto Denise
Arruda acreditou em si. Todos nós somos capazes de vencer a vida quando
vencemos nossas próprias limitações. Denise dá uma lição que deve ser exemplo
em todo país.
Dona Norma também usou da palavra:
- Eu quando quero homenagear alguém, eu faço uma
crônica. Também fiz uma para Denise. Agora para finalizar, peço permissão para
ler, com o fundo musical do coral.
E ela leu:
PARA VOCÊ... DENISE.
Há dias comuns...
que não sei como se passa ou o que se passa. São dias rotineiros. São na
verdade o cotidiano. Como dizia Toquinho e Vinicius.
... Eu abro meu
Neruda e apago o Sol.
Misturo poesia com
cachaça, e sempre acabo discutindo futebol.
Acordo de manhã,
pão com manteiga... Vou ao trabalho... encontro toda a garotada lá...
Semana...
trabalho... escola...
Crianças...
jovens... fim de Semana.
Aos sábados tomo
uma cerveja e quando vem o sono, morre a noite e dia conta histórias sempre
iguais... Guaraçaí... escola... casa... já é o meu cotidiano... Tudo já é
natural...
Hoje... tudo é
diferente... o mês é novembro... o dia é vinte e dois... na Semana é sábado...
Todos reunidos... alegres... Tudo me parece natural... Mas não... Hoje a nossa
garota... a nossa aluna... a nossa amiga... e porque não dizer, a nossa
filha... Denise... realiza um sonho... após anos e anos de dedicação... de
luta... de persistência...de resignação e de amor...
Das notas mal
tocadas no começo... até o seu primeiro concerto...
Denise... exemplo
vivo...
Nesta noite...
queremos juntos... numa só voz... e em coro...dizer-lhe...
Denise... você é
uma dádiva do Senhor... Muito Obrigada!!!
- Bem. Agora vamos ao recital. Irei tocar nessa
primeira parte, algumas músicas amigas, mas conhecidas por todos e algumas
valsas. Alguns números serão cantados pelo coral. Irei começar com uma música
mexicana, “Besame Mucho!”
Começou a tocar. A plateia ouviu silenciosamente
aqueles momentos de fascinação, aplaudindo a cada número. Depois de meia hora
de concerto, ela disse:
- Agora vamos ter um intervalo de quinze minutos.
E saiu auxiliada por Carminha... No caminho para o
camarim, Denise era cumprimentada pelos mais íntimos. Viu seu pai.
- Estou indo bem, papai?
- Ótima, minha filha. Ótima!
Ao entrar no camarim, só ela e Carminha, ela viu uma
rosa vermelha sobre a velha penteadeira.
- Quem será que mandou? – Perguntou para a amiga.
- Deve ter sido algum fã.
Ao aproximar-se da rosa, percebeu um cartão. Abriu e
leu:
DENISE
“Fiquei muito
emocionado, ao ver seus dedos percorrerem o teclado do piano. Imaginei só eu e
você, sobre o som de seu piano. Talvez algum dia isso aconteça. Mas por
enquanto, peço apenas que dedique um número pra mim, com prova que você está
gostando de meus bilhetes”.
Parabéns!
“UM FÔ
- É dele! – Suspirou.
- “Um fã”?
- É. Mas como você sabe, Carminha?
- Eu já conheço seu suspiro, quando você recebe um
bilhete dele.
- Ele pede que eu toque uma música especialmente para
ele.
- E você vai tocar?
- Vou. E já sei até qual será.
- Qual?
- Você verá... Mudando de assunto. O Henrique não
veio. É, acho que errei mandando aquela carta.
- É, Denise. Pensando bem, você errou. Foi muito de
repente. Ele nem sonhava com isto, recebeu de surpresa a sua carta, ou melhor.
Uma direta daquela.
- É errei, mas não me arrependo nem um pouco. Ou
melhor. Eu não me arrependo nem um pouco de meus atos.
Recomeçou o concerto.
- Agora vou tocar alguns números sertanejos. Acho que
aqui tem muitos que gostam desse estilo de música. O coral de minha querida
escola me acompanhará nesses números.
Tocou três músicas sertanejas e voltou a falar:
- Agora eu quero dedicar esse número a uma pessoa
muito especial para mim. Eu não o conheço. É um fã anônimo, que diz me amar.
Mas tenho certeza que um dia vou conhecê-lo. A música chama-se “Seu amor ainda
é tudo”. A você, “Um fã”!
Começou a tocar, acompanhada pelo coral. Ao acabar,
confessou:
- É, meu fã misterioso. Eu acho que também te amo...
Todos aplaudiram. A diretora voltou a pegar o
microfone:
- Denise agora irá tocar uma seleção de músicas
composta por ela mesma. Pois além de ser pianista, também é uma sábia
compositora. E mais uma vez, o coral irá cantar as letras dessas lindas
músicas, que falam de amor, alegria, tristezas e solidão. Músicas lindas, que
certamente serão muito aplaudidas pela plateia.
Depois dessa seleção, a pianista acrescentou:
- Para finalizar, irei tocar uma música muito
importante para mim. Eu gostaria que todos prestassem atenção na letra e
entendam o que quero transmitir nela. Ela se chama: “Poema para um novo
amanhecer”!
Espero
que o Sol hoje
Nasça
diferente,
Nasça
alegre
Que
as pessoas não olham-me
Como
sempre olharam.
Quero
hoje, viver como todos vivem
Não
quero ser visto com dó
Desejo
neste dia
Ser
como todos são.
Peço-lhes
apenas uma chance
De
mostrar o que realmente sou
Não
quero que pessoas se afastem de mim
E
que me olhem com pena.
Quero
amar, e ser amada
Hoje
quero o amor
Peço-lhes
que esqueçam o preconceito
E
venham até a mim.
Hoje
não quero ficar sozinha
Quero
somente alegria
Viver
um verdadeiro amor
Sem
a ilusão de uma poesia.
Hoje
quero viver
Visto
como todos
Viver
momentos de amor
Quero
hoje, começar uma nova vida.
Terminou o concerto.Foi cumprimentada por muitas pessoas. Entre elas um anão moreno lhe cumprimentou com um belo sorriso. A alegria em todos era geral.
Já saindo do Clube, sendo empurrada pelo seu pai,
Denise se deparou com uma pessoa que lhe tirou a atenção de todos.
- Parabéns...
- Obrigada, Henrique.
- Você merece...
Ele disse saindo. Ela tentou gritar: “Não vá”!
Só que a multidão era muito grande.
- Bem. Agora vamos todos para o CESE, comemorar.
- É vamos... – Concordou ela desanimada por ele ter
ido embora.
Henrique chegou ao bar, perguntando ao atendente:
- Tem Vodka?
- Tem. Quer uma dose?
- Não. Quero um litro!
* * *
No dia seguinte, à tarde, Denise estava no seu quarto, lendo “Feliz Ano Velho”, de Marcelo Rubens Paiva, quando entrou sua mãe:
- Denise, tem visita pra você.
- Quem, é mamãe?
- Você não deve conhecer. É o Zé Baixinho.
- Sim, mamãe. Diga que eu já estou indo.
Denise ao chegar na sala, reconheceu-o. Era o mesmo
anão que na noite anterior tinha lhe cumprimentado pelo seu concerto.
- Minha mãe falou que você quer falar comigo?
- É Denise. Primeiramente eu quero mais uma vez parabenizá-la
por ontem.
- Obrigada, Zé Baixinho.
- Poxa. Você não imagina como eu fiquei contente de
lhe ver dando aquele show. Foi uma emoção tão grande, que sei lá viu...
- Mas por quê, Zé? Você também queria ser pianista?
- Não é isso. Você sabe, Denise... Nossa classe, ou
seja, os deficientes físicos, são muito discriminados. Muito rejeitados. Então
quando eu vejo um de nós se realizar profissionalmente, eu vejo como uma
conquista.
- É. Realmente as coisas para nós são mais difíceis.
- Pelo o que eu vi em suas composições, você ama
muito uma pessoa, não é?
- Amo, Zé. – Confessou desanimada.
- E essa pessoa sabe disto?
- Sabe.
- Mas não corresponde?
- Não, Zé. Nem se quer me cumprimenta. Ou melhor, ele
foge de mim.
- É. Sempre assim... Sabe Denise, hoje de manhã eu estive
conversando com minha namorada, ela também percebeu que você ama muito essa
pessoa. Nas descrições das suas letras, você fala de três pessoas. E tem um que
você fala com mais amor. Ele também percebeu isso, agora ele também vai passar
a sofrer por você...
Nesse momento, ela pensou: “Henrique não irá
sofrer por mim. Mesmo porque ele tem tantas mulheres aos seus pés, que não terá
tempo para pensar em uma paraplégica.”
- ... sabe por que ele vai sofrer, Denise? Quer
queira, quer não, é o nome dele, ou é ele que você está citando na sua música.
Isso se tornará um delírio pra ele. Ele irá sofrer por ter lhe rejeitado.
- Só sei, Zé, que eu sofro muito com isto.
- Sabe o que você tem que fazer, Denise? Faz de conta
que o esqueceu. Não tocar mais no nome dele. Não o procurar mais em versos. Não
mais pensar nele. Não mais cumprimentá-lo. Se ele lhe cumprimentar, faz de
conta que não ouviu, passa direto. Aí sabe o que vai lhe acontecer? Ele vai
perguntar coisas para suas amigas, e elas vão dizer que você nunca mais falou
dele. Ele virá até você, perguntar se você ainda gosta dele. E você responde:
“Eu? Eu nunca gostei de você. Você deve estar me confundindo com alguém”. Ele
passará por bobo. Ai ele que passará a correr atrás de você.
“Que ideia ótima. Vou fazer isto!” - Pensou
Denise.
- Você é tão nova ainda. Tem uma brilhante carreira
musical pela frente. Tente esquecer ele. Um dia você vai encontrar um amor
verdadeiro. Alguém que lhe ame de verdade. Eu levei quarenta e cinco anos pra
encontrar uma namorada. Você também pode esperar um pouco. Eu sei que tem muito
preconceito sobre nós. Já sofri muito com isto. Já fui muito rejeitado. Na
época da faculdade, eu via as pessoas se amando e as moças se afastando de mim.
As pessoas não gostam de nós pessoas com deficiências. Elas julgam umas às
outras, pela beleza física e não pela beleza interior. Elas têm é vergonha de
saírem com um deficiente, uma paraplégica.
- Verdade, Zé. Antes do acidente, era muito paquerada.
Muito cobiçada. Depois do acidente, nunca mais ninguém veio até a mim. Eu vejo
nos bailes, casais namorando, beijando-se. E eu olhando ali. Aquele lindo
espetáculo que é o amor, e as pessoas não me deixam participar desse show, só
por ser uma deficiente física.
- Então, Denise. Faz o que eu lhe falei. Amanhã ou
depois, você verá; vai fazer sucesso. Ele virá atrás de você ai você diz: “A
hora que eu quis, você não quis. Agora é eu que não quero.” Você ainda vai
descobrir um alguém que lhe ame de verdade.
- É, você tem razão. Vou fazer tudo o que você falou.
- Isso. Agora tenho que ir embora. Tchau... - Ele ai
saindo, quando virou e disse: - Afinal, para que a tristeza, se existe a
alegria?
Denise voltou ao quarto e pensou: “Como que pode tanta sabedoria, em tão pequeno homem!?” E, refletindo em tudo o que ele disse, ela compôs:
REDESCOBRIR
O
amor chega.
Pede
licença e entra.
Se
estala, faz-me sofrer.
Eu
estou amando você!
Crio
sonhos que se tornam ilusão.
Por
você sofro uma paixão.
Dentro
de meu coração!
Vou
mudar.
Esquecer
a palavra Amar.
Chega
de sofrer, chega de dor.
Talvez
algum dia eu redescubra o amor!
* * *
Denise contou para Carminha o papo que teve com Zé Baixinho.
- Sabe que ele me deu uma boa ideia...
- Você vai fazer isto?
- Vou tentar, Carminha. Mas vai ser difícil. Quando a
gente ama, enxerga tudo de bom naquela pessoa.
Eu não vejo ninguém melhor do que o Henrique. Vou tentar. Se ele tiver
que ser meu, como disse o Zé, ele virá atrás de mim. Vou dedicar-me somente a
minha carreira e aos meus estudos.
- É isso aí Denise. Agora vamos para o CESE?
* * *
Ela os apresentou para Denise. Um era Rodolfo e o
outro Mário.
- Querem se sentar, rapazes?
- Sim, queremos.
Estava relando um bom bate-papo entre eles, quando
começou a tocar uma seleção romântica. Rodolfo olhou para Carminha.
- Faz tempo que não danço com você. Vamos dançar?
- Vamos. Mário, você faz companhia à Denise?
- Pode deixar...
Eles foram dançar. Mário disse.
- Eu fui ao seu concerto.
- É. E você gostou?
- Eu achei maneiro. – Mário era hippie: – Só não
gostei de uma música sua. Aquela, “Poema para um novo amanhecer”
- Mas por quê, Mário?
- Sei lá, entende? Eu acho que não é nada daquilo.
Não é assim. Muito é fantasia sua, entende? Não existe esse preconceito.
- É, Mário, você pode ter razão. Mas por que será que
depois do meu acidente, ninguém mais veio até mim?
- É aquela velha história, né meu, “já que Maomé não
vai até a montanha, a montanha vai até Maomé.” Você fica sempre pelos cantos,
só olhando os outros. Você também tem que ir atrás, lutar pelos seus ideais
amorosos.
- Eu já tentei. Fracassei. Por isso, tenho medo de
fracassar outra vez.
- Aí, mais um erro seu. Se você errou uma vez, não
significa que você irá errar sempre. Eu sei que em cidade pequena como essa,
realmente tem muito preconceito. As pessoas aqui têm uma mente mais atrasada.
Mas nesse meio, tem gente boa. Você vai encontrar um alguém. Quer ver como
preconceituosa é você?
- Quero...
- Vamos dançar?
- Dançar! Mas eu não posso.
- Está vendo que você mesmo bota obstáculo no seu
caminho.
- Realmente eu não posso, Mário. Como eu vou dançar
de cadeira de rodas?
- Quer ver!? - Ele empurrou-a até o centro do salão:
- Licença, Denise. – Sentou-se em seu colo. Passou o braço esquerdo atrás de
seu pescoço; pegou a mão esquerda de Denise; colocou a perna esquerda no apoio
de pé da cadeira. Colou seu rosto ao dela: - Vamos?
- Vamos...
Com a perna direita, ele começou a dar impulso à
cadeira que começou a andar lentamente em pequenos círculos.
- O que eles estão fazendo? - Perguntou Carminha a
Rodolfo.
- Apenas, dançando, como nós.
- Estar gostando, Denise?
- Muito. Nunca pensei que poderia...
- Você pode. Isso e muito mais. É só tentar.
Acabou a seleção. Eles voltaram para mesa.
- Vamos andar, Mário?
- Vamos Rodolfo.
- Obrigada, Mário.
- Não, Denise. Você não tem nada que agradecer.
Apenas lembre-se de uma coisa: “Cobra que não anda, não engole sapo!”
“É, você tem razão, Mário. Pensando bem, eu vou continuar a fazer o jogo do Zé. Mas isso não significa, que eu não vou dar o bote em alguns sapinhos...” - Pensou Denise.
* * *
No domingo à tarde, Denise estava em seu quarto, pensando nos conselhos que Zé Baixinho e Mário haviam lhe dado. Por um lado, a ideia de fazer pouco caso de Henrique, era boa. Iria mexer com sua cabeça. Mas por outro lado, o que Mário lhe dissera, era válido. Se existia algum preconceituoso ali, era ela.
Sua mãe entrou:
- Filha, deixaram esse envelope pra você.
- De quem é, mamãe?
- Não sei filha, não tem remetente.
“Deve ser dele...” - Pensou ela, abrindo e
começando ler:
QUERIDA DENISE!
“Sei que demorei um
pouco para escrever, pois tive que viajar. Mas aqui estou. Seu “Um Fã!” Fiquei
muito emocionado quando em seu concerto, você dedicou-me àquela música. Comprei
o disco que tem essa música e ouço ela quase o dia inteiro. Emoção maior, foi
quando você disse que acha que também me ama.
Eu senti naquele
momento, que você deve ter vontade de se comunicar comigo. Por isso, se você
quiser, pode escrever-me uma carta. Escreva no envelope: “Para “Um Fã!”, e
deixe na caixinha de correspondência da farmácia. Ficarei muito feliz se
receber uma carta sua.”
Com amor,
“Um Fã !”
Denise, na hora, pegou papel e caneta, respondendo:
QUERIDO “UM FÃ!”
“Aqui estou,
alegremente respondendo sua carta. Eu não sei quem é você, onde mora ou o que
faz. Mas sei lá... Sinto você cada vez mais perto de mim.
Será que eu o
conheço? Ou será que não? Seja quem for, já é bem-vindo em meu coração!
Por favor,
escreva-me falando um pouco de você. Por que você não se revela logo, para
compormos um sonho há dois?
Vou esperar a sua
carta. Por favor, escreva-me breve.
Um beijo:
“DENISE”
Dobrou a carta, pôs no envelope, pedindo para Carminha levar até a farmácia.
* * *
O tempo foi passando. Chegando o fim do ano. A classe de Denise, sabia que seria o último ano deles naquela escola. Por isso, planejaram uma excursão. Marcaram uma reunião para tratar os detalhes. Todos estavam animados. Principalmente Denise.
* * *
Sábado à noite, Denise foi para o CESE com as amigas. Carminha não pode ir, pois voltou para o sítio de seus pais. Lá, as amigas encontram seus namorados e a deixaram sozinha na mesa de sempre. Às vezes, algum conhecido passava, a cumprimentava e ia embora. Em um momento, quando ela estava solitária com seus tristes pensamentos, quem ela amava, passou por ela. Cumprimentando-a:
- Como vai, Denise?
- Bem. E você, Henrique?
- Vou indo...
E continuou a caminhar.
Ela parada ali, teve vontade de correr atrás dele,
mas sua cadeira de rodas não alcançaria entre aquela multidão. Continuou ali,
com tanta coisa para dizer, mas sufocadas em seu silêncio. Começou a tocar
música lenta. Denise viu Henrique dançando com uma linda loura. A pianista
solitária, lembrou de quando também dançou assim com ele.
Isso só aumentou seu sofrimento.
Seu irmão ia passando.
- Zezinho? Você está acompanhado?
- Por enquanto não. Por quê?
- Dá para me levar pra casa?
- Sim, vamos.
Em casa, sua mãe já havia dormido. Ela novamente só,
foi para o seu quarto e escreveu:
ELEGIAS
É noite...
Madrugada!
Mais uma vez, estou
em meu quarto. Esse meu templo sagrado de solidão.
A tristeza,
companheiras de todas as horas, está ao lado dessa pobre poetisa. Ela parece
caçoar de mim, que de tanta ilusão em versos, desiludiu-se. Portadora de sonhos
e composições que nunca foram correspondidas.
As lembranças se
fazem presentes a todo instante. Sempre lembro de tudo o que se passou. Do que
fiz e deixei de fazer. De minhas ex-escolas. Dos colegas que tive e perdi. Das
paixões e amores que tive e não lutei por elas. Deixando o medo e a timidez
tomar conta de mim. Que tola fui!
Como era bom o tempo
de criança! Os amiguinhos. As brincadeiras. A escolinha. Minha bicicleta.
Fui uma criança, que
soube a hora certa de tornar-se mulher. Depois poetisa. Mas quando descobriu o
amor, sentiu necessidade de voltar a ser criança.
Minha vida é sempre
igual...
Somente amor contido
em versos, que todos aplaudem, mas ninguém os corresponde.
De casa para escola,
da escola para casa. À tarde converso com uma amiga. Sempre ilusão de romance que
não irão acontecer. De vez em quando, sento-me em meu piano e componho alguma
coisa.
À noite, às vezes,
saio. Vou para um bar acompanhada por uma amiga. Lá bebemos, comemos,
conversamos e brincamos. Dou uma de louca, para espantar a tristeza, que é o que
realmente o que sinto naquela hora.
Se fico em casa,
vejo televisão. Não telejornal, pois de tragédia já chega a minha, rotina que
nunca muda. De preferência, vejo programa humorístico.
Quando durmo, sonho
com quem amo...
Fim de Semana, é
tudo igual...
À noite vou para um
barzinho com amigas. Depois o clube. Lá todas os caras são iguais. Todos dançam
e se amam. Enquanto eu fico triste e sozinha pelos cantos.
Conhecidos passam
por mim e perguntam: “Como vai? Cadê o namorado?”
Mas ninguém
pergunta: “Quer namorar comigo?”
Vai indo.
Entristeço-me, saio, vou para casa e, mais uma vez, componho...
Como eu gostaria de
ser Denise, sem ser Arruda! Ter passado, sem ter lembranças. Ser alegre, sem
conhecer a tristeza, a solidão. Nunca ter amado. Não ser poetiza, mas ser como
todo mundo. Nascer, brincar, estudar, crescer, trabalhar e casar. Levar as contas
na ponta do lápis. Se preocupar se o salário vai dar no fim do mês. Ter filhos.
Criá-los, educá-los, vê-los crescerem. Aposentar-me e morrer. Isso sim deve ser
vida.
Mas não! Sou
poetisa. Sou triste e solitária. Nunca sou correspondida, ou entendida. Sou
apenas compositora de elegias!
(16-17/05/87)
Ao acabar, pensou: “Não sei se isso é uma crônica ou não. Mas é tudo o que eu sinto nesse momento.”
* * *
Foi para cama e adormeceu. Seu subconsciente começou a funcionar, sonhando:
“Por um amplo gramado repleto de flores, ela
passeava sendo empurrada por Carminha. As duas riam. Estavam felizes. Mas ela
não sabia o motivo de tanta alegria. De repente, tudo escureceu. Carminha
sumiu. Ficou só Denise e sua cadeira naquela extensa escuridão.
- Carminha? Carminha?...
Gritava, mas ninguém respondia. No auge daquele
pesaderio, ela rolava na cama.
Na escuridão, vozes ferozes, como de dragão, sons
de serpentes, começaram aparecer. Ela desesperada, tocava sua cadeira com todas
suas forças. De repente uma luz, uma voz: “Se algum dia, sentires perdida com
medo na escuridão, não apavore. Pois eu serei sua luz, no fim do túnel.”
Acordou assustada. Com sacrifício, passou da cama pra
cadeira de rodas, indo ao banheiro, lavando o rosto e dizendo olhando para o
espelho:
- Eu conheço essa voz...
Voltou para cama e deitou-se. Ao apagar o abajur,
lembrou de quem era a voz:
- É claro. Essa voz é dele!
No outro dia, contou o sonho só pra Carminha.
- Você reconheceu a voz?
- Sim, era voz de... – Revelou de quem era a voz.
- Tem certeza, Denise?
- Sim, tenho, Carminha.
- Então vamos esperar que a luz acenda logo no fim
desse túnel, chamado Monotonia.
- Também espero...