9 - AS TRÊS LÁGRIMAS

“Amanhã será um outro ano. Eu não queria que esse ano acabasse. Ele foi tão importante pra mim. Tanta coisa boa nele aconteceu. Coisas marcantes. Por que será que o homem achou um jeito de contar os dias? Eles apenas descobriram um jeito de envelhecerem mais rápido. Não gosto de mudar de ano!”
– Pensou Denise.

Naquele dia, todos se preparavam-se para o grande baile de Reveillon. Todos alegres. Menos ela. Seus pais, suas amigas, todos iam ao baile. O último dia do ano, era triste, como um velório para ela: “O ano seguinte será melhor? Será que meus sonhos vão se realizar? Será que conseguirei o meu maior ideal?? O Amor!? Não sei... Vou esperar. Amanhã será um outro ano. Uma nova esperança...”

* * *

Reveillon no Guaraçaí Clube. Denise fingia estar contente, vestia uma linda blusa vermelha com uma jardineira branca e sandálias de fios.

O baile era animado com um bom conjunto mexicano, “Uma noite em lá Merico”. A decoração no mesmo estilo. Devido ao calor e o grande número de gente, Denise pediu a Carminha, que a levasse para dar uma volta pela praça. Lá, sendo empurrada pela grande a amiga e com mais uma ao lado, cantavam a “Valsa da despedida” e uma música de Roberto Carlos, “Despedida”! Estavam despedindo do ano que se acabava. O sino da igreja deu doze badaladas. Era o fim de 1987. Os fogos começavam a estourar. Denise pensou: “É, acabou...” Todo mundo se cumprimentava, sob o gosto das champanhas.

- Feliz ano novo, Carminha!

- Feliz ano novo, Denise! Vamos lá pra dentro?

- Sim, vamos...

Lá dentro a alegria era geral. Todo mundo cumprimentando e abraçando todo mundo. O conjunto cantava: “Adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize, no ano que vai nascer. Muito dinheiro no bolso. Saúde pra dar e vender!”

Denise foi à mesa de seus pais, que ficava na curva da varanda.

- Feliz ano, papai... mamãe... Zezinho.

- Feliz ano novo, filha!

- Feliz ano novo, Denise!

Todos que passavam por ali, a cumprimentava. Zé Baixinho, Mário, Sâmara, Lena, Tininha, o pessoal da escola, professores, colegas, a diretora Dona Norma, enfim, todos. Foi quando ela viu Henrique vindo pela sua esquerda. “Vou cumprimentá-lo!”, pensou.

- Henrique? – Estende a mão: – Feliz ano novo...

- Feliz ano novo pra você, Denise. Tudo de bom...

- Obrigada...

Ele aí saindo, mas voltou num repente:

- Denise?

- Oi?

- Eu quero falar com você.

- Pode falar.

- Aqui não. Posso lhe levar até a praça?

- Sim, vamos.

 

Eles foram. Lá ele sentou-se em um banco e ela ficou na cadeira de rodas.

- Hoje está quente. Essa minha cadeira é de couro. Soa para caramba.

- Posso lhe passar para o banco?

Denise pensou um pouquinho:

- Pode.

Henrique a pegou no colo. Ela pensou: “Que bom se sempre fosse assim!”

Colocou-a no banco, começando a falar:

- Sabe o que é, Denise...?

- Espera aí, Henrique. Eu sempre esperei está frente à frente com você. E para esse momento, eu me preparei. E recitou:

 

Eu lhe peço perdão,

por ter sonhado com o seu beijo.

Saciando minha vontade e todo meu desejo.

 

Perdão por ter lhe amado.

Por amá-lo por beijá-lo.

Procurando o tão desejado.

 

Perdão por possuir o seu retrato.

 Ver nele você,

Todo o seu ser.

Encontrando nele, todo um amparo.

 

Por que peço perdão?

Que culpa tenho eu,

se um dia lhe amei?

E só você, eu desejei!

 

Será que errei?

Ou será que não?

Mas mesmo assim, 

eu lhe peço perdão!

 

- Não, Denise. Você não errou. Se alguém errou, fui eu rejeitando-a. E ao descobrir esse erro, também descobri uma coisa muito importante. Descobri que lhe amo, acima de tudo. Quero que namore comigo.

Denise tomou um choque que mudou alguma coisa dentro dela:

- Bem que eu queria, Henrique. Mas não vai dar.

- Mas por que, Denise...?

- Nosso amor nunca iria dar certo. Você não é cara de ficar preso a só uma pessoa. Gosta de frequentar lugares agitados. Sempre muito badalado por muitas mulheres. Não é nem um pouco romântico. Eu sou totalmente diferente. E depois, eu iria tornar um peso em sua vida mais tarde.

- Não Denise. Não será assim. Eu nunca amei como amo você agora. Posso provar. Até largo tudo isso por você. Por favor, Denise...?

- Eu vou embora pra São Paulo. Não quero começar nada agora, para ter que acabar daqui alguns dias. Eu sei que você deveria ser a luz no fim do meu túnel. Mas acho melhor que ela não se acenda.

- Será que você tem outro?

- Nada sério ainda. Mas tenho “Um Fã”...

- Ele você aceitará?

- Não sei responder...

- Bem, eu não vou insistir. Quer que eu a leve para dentro?

- Não, Henrique. Está uma noite tão bonita. Tão fresca. Quero ficar um pouco aqui sozinha. Por favor, avise Carminha, sim.

- Tudo bem.

Ele saiu caminhando lentamente de cabeça baixa. De repente, virou-se e gritou:

- Eu lhe amo...

E continuou sua caminhada. Ela sem dizer nada, pensou: “Eu também lhe amo. Mas foi melhor assim...” 

* * *

 Os minutos foram passando. Denise continuava no banco.

Carminha chegou toda feliz.

- Denise, você não sabe da maior!

- O quê, Carminha?

- Enquanto você estava aqui, o Mário me tirou para dançar. De repente, ele me pediu em namoro. E eu aceitei.

- E o Henrique?

- Esqueci no momento do primeiro beijo que ele me deu.

“Eu também queria esquecê-lo...” - Pensou Denise.

As duas olharam pra esquina e viram Mário.

- Deixa eu ir. Ele está me esperando.

- Vai Carminha. Boa Sorte.

Ela continuou no banco. De repente, alguém de máscara negra se aproximou e parou diante dela.

- Você deve ser o “Um Fã”?

Ele balançou a cabeça positivamente e tirou a máscara.

- Você!?

- Eu sabia que você iria ficar surpresa.

- Nunca imaginei que fosse você.

- Posso me sentar?

- Ah sim, pode...

- Eu peço desculpa se eu lhe decepcionei.

- Não. Você não me decepcionou, Cássio. Mas por que só agora você resolveu se revelar?

- É. Primeiro eu fiquei com medo da sua reação ao saber que era eu. E depois porque fiquei sabendo de sua partida.

- Como você ficou sabendo?

- Todo esse tempo eu tive uma informante. Pode se lembrar que eu sabia o momento certo de lhe escrever. Foi essa informante que pôs a rosa em seu camarim. Ela me contava tudo de você.

- Quem é ela?

- Carminha. Meus pais são empregados do sítio dela. Fomos criados juntos. Ela me incentivou muito.

- E por que você parou de estudar?

- Eu não parei de estudar. Fui para Londrina, estudar artes plásticas. Já estou pintando alguns quadros. Sabe Denise? Eu estou muito arrependido do que fiz.

- Mas por que, Cássio?

- Como eu disse, quero ser um artista plástico. E pintor não tem um amanhã seguro. Não poderia lhe dar um futuro garantido...

Ela colocou a mão de leve em sua boca.

- Chega. Você já falou muito. E isso de futuro não importa pra mim. 

Ela lhe deu um beijo. Cássio deixou rolar a primeira lágrima...

- Você me aceita do jeito que eu sou?

- Bem que eu queria. Também passei a lhe amar mesmo não sabendo quem era. Como você sabe, vou embora. Acho melhor levar as lembranças do que não começou, do que começou e teve que acabar.

Desculpe-me, mas será melhor pra nós dois.

- Agora quem falou muito foi você.

Ela deixou cair a segunda lágrima.

- Você não voltará um dia?

- Talvez no verão.

- Posso lhe esperar?

- Não sei...

- Posso?

Denise olhou dentro de seus olhos.

- Pode...

E recitou:

 

Quando o verão chegar em Guaraçaí

eu voltarei para te encontrar.

Serão quatro meses de calor,

aventura e muito amor.

 

Quando o verão chegar em Guaraçaí,

tudo será diferente.

Você verá que eu também sou gente.

Terei na boca, um beijo ardente.

 

Quando o verão chegar em Guaraçaí,

estarei mudada.

Pronta para ser sua namorada.

Andaremos de mãos dadas.

 

Quando o verão chegar em Guaraçaí,

estarei pronta para o amor.

Deixarei na gaveta a solidão e a dor.

Terei no corpo, uma longa espera.

Nos lábios o beijo saciando

 em sua boca todo o meu desejo.

Terei o brilho no olhar.

No beijo do reencontro

nosso amor irá se concretizar!

 

Quando o verão chegar em Guaraçaí,

as emoções estarão em seu coração.

Eu e você, seremos nós.

Juntos iremos dizer:

“Te Amo”, em uma só voz.

 

Quando o verão chegar em Guaraçaí,

não haverá mais preconceitos.

Iremos esquecer nossos defeitos.

Serei como todo mundo,

nosso amor, será tudo.

Você irá sorrir pra mim, e eu pra você.

Juntos iremos passear pelo jardim.

Peço-lhe apenas pra me esperar.

Tudo será lindo

Quando o verão chegar em Guaraçaí!

 

Na união de dois lábios, rolou a terceira lágrima...

 FIM...

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem