No sonho, ela comentou alto:
- Um dia, serei como essas mulheres...
- Isso é demais para você – comentou sua mãe com olhos de desesperança: - Procure algo que esteja ao seu alcance.
Em seguida, várias memórias se sucederam, onde Izabela ouvia de seus pais coisas como: Quem nasceu para tostão nunca vai chegar à milhão. Você não vai conseguir.
No presente, ela acordou assustada e suada, sentando-se à cama.
Na empresa, Izabela estava à sala de reunião esperando sua equipe chegar. Aproveitou para riscar em sua agenda o mesmo desenho de sempre, um barquinho com vela se distanciando da praia, sol e nuvens.
O pessoal, diretores e funcionários mais antigos, começaram a entrar e se sentar. Ela deu abertura:
- Bem pessoal, convoquei vocês a pedido de nossa vice-diretora, a Luiza. Ela quer nos apresentar uns dados.
- Obrigado pela oportunidade, Izabela – agradeceu a moça loura, vestida de tailer, levantando-se, ligando o Datashow, indo até a tela apresentar alguns resultados: - Quero mostrar os números do faturamento dos últimos três meses da nossa empresa. Estamos tendo uma queda em nossas assessorias financeiras.
- Na verdade senhores, o mundo financeiro está numa grande mudança de conceito – disse um dos conselheiros: - Nossos clientes querem mais que uma simples consultoria. Precisamos oferecer algo mais.
- E o que os senhores propõem? – Perguntou Izabela.
- Com licença dos senhores, eu tenho uma proposta – declarou Luiza: - Podemos nos tornar uma Corretora de Investimentos especializada de verdade, sem as taxas mensais do banco. Taxa zero para abertura e manutenção de conta. Taxa zero de custódia. E em contrapartida, a gente vende nossos serviços de assessoria, nosso produto principal, aos novos clientes.
- Seremos um novo universo que envolve as operações de compra e venda de ativos financeiros, tais como valores imobiliários, mercadorias e câmbio – disse outra conselheira: - Mais do que uma simples consultoria, operar vendidos na Bolsa de Valores significa montar uma posição na qual é possível lucrar com a queda de cotação de um ativo em específico, como ações, opções, índices, mercado futuro.
Todos começaram a conversar baixinho entre si.
Júlio, um jovem negro, estagiário de economia na empresa, que acompanhava a reunião, rompeu aquele murmulho:
- Se os senhores me permitem uma sugestão, também podemos ter fundos para oferecermos empréstimos. É o alinhamento de interesses. Enquanto alguém tem dinheiro sobrando e precisa de rendimentos, outros precisam de dinheiro para fazer seus projetos andarem. No mercado financeiro, pessoas e empresas tomam e emprestam, de acordo com o momento.
Calaram-se e olharam para ele. Terminada a reunião, todos foram se dirigindo aos seus setores. Júlio aproximou-se da economista-chefe:
- Dona Izabela, desculpe-me eu ter interferido na reunião.
- Primeiro, Júlio, pode deixar a dona de lado. Outra, gostei de sua atitude e iniciativa. Parabéns!
À noite, após o jantar, estavam todos sentados à sala papeando. Seu Antônio e dona Maria foram dormir mais cedo. Izabela comentou:
- Esteves, hoje tive uma reunião com o pessoal na empresa. Eles estão propondo mudanças, novos desafios.
- Eu acho isso bom. Sempre dei autonomia aos meus funcionários para propor ideias, mudanças.
- Sim, mas se você puder nos orientar, eu me sentiria mais segura.
- Izabela, quando lhe escolhi como minha sucessora, sabia que você seria capaz de dar conta de qualquer situação. Bem, está na hora de dormir. Você vem, meu amor?
- Também vou, Esteves – respondeu Marli, acompanhando o marido: - Aproveite meninos e namorem mais um pouco.
Minutos depois de conversa e trocas de carinhos, o rapaz disse:
- Sabe Iza, estou pensando em algo. Aliás, duas coisas que quero compartilhar com você. A primeira é que resolvi voltar a estudar. Vou reabrir minha matrícula na faculdade de Psicologia. Só me faltam algumas matérias e os estágios obrigatórios.
- Que máximo, meu amor. Eu lhe dou todo o meu apoio. Sabe, às vezes, penso em fazer terapia.
- Meu amor, eu lhe dou o maior apoio. Posso até lhe indicar algumas psicólogas.
- Sim, eu quero. E qual é a segunda?
- O que você acha da gente começar a planejar o nosso casamento?
Izabela foi pega de surpresa. Ao mesmo tempo, invadida por um sentimento de alegria e insegurança.
No final do outro dia, Eliseu e Izabela passaram na faculdade para conversar à secretaria acadêmica. Ele conseguiu reabrir sua matrícula e voltar para o curso de psicologia. Em seguida, foram comer lanches na cantina, onde a moça ficou reparando todo aquele movimento de alunos.
- Você não é muito de vida social, né meu amor?
- Não, Eliseu. Na época da faculdade, o pessoal saia sempre. Mas eu não podia. Morava longe na pensão. Tinha um emprego simples, o que ganhava, era só para me manter e pagar as mensalidades. A turma lá no escritório sai sempre depois do expediente para happy hour, mas nunca fui...
- É, eu lhe entendo. No fundo sou como você. O único lugar que eu frequentava de vez em quando era o bar do Herbet. Em seguida, ia para o meu quarto de pensão. Só que agora, tenho a casa da minha namorada para ir. E ir à igreja com o meu amor. Aliás, está quase na hora do culto. Vamos?
Dias depois, Izabela chegou ao consultório, preencheu uma ficha e esperou um pouco sentada. Logo uma moça loura, alta, de jaleco branco aproximou-se com sua ficha à mão:
- Olá Izabela, meu nome é Márcia, sou a psicóloga que vai atendê-la. Por favor, vamos entrar.
No consultório, conversaram um pouco. Até que ela confessou:
- Sabe, eu estou à procura de me conhecer melhor. Agora estou diante de dois desafios, tenho que liderar uma grande mudança numa empresa que praticamente sou a administradora de tudo e nem é minha. O medo de errar é muito grande, decepcionar o homem que confiou em mim. Por outro, sempre fui uma pessoa muito solitária. Agora namoro um rapaz incrível, amo muito o Eliseu. Mas ele começou a falar em casamento e nem sei se estou preparada.
- Então, vou direto ao assunto. Uma pessoa que é insegura não tem confiança em seu próprio valor e em uma ou mais de suas capacidades, não tem confiança em si mesma ou em outros, ou teme que um estado positivo presente seja temporário e irá decepcioná-la e causar-lhe perdas ou sofrimento por "dar errado" no futuro. Você se sente assim, Izabela?
- Sim, me sinto – confessou, deixando correr algumas lágrimas.
Na sala de reunião, Izabela e Luiza preparavam a apresentação. Foram chegando o pessoal da diretoria e conselheiros. A economista-chefe deu início, explicando que aquele encontro seria para apresentar os futuros serviços da empresa. Em seguida, passou a palavra para Luiza.
- Senhores e senhoras, agora mostrarei alguns produtos que nós, enquanto uma futura corretora de valores, ofereceremos aos nossos clientes. Ações de empresas listadas na Bolsa de Valores, Certificado de Depósito Bancário (CDB), Contratos de Índice e de Dólar, Debêntures, Fundos de Investimento Imobiliário (FII), Fundos de Investimento, Letras de Câmbio (LC), Letras de Crédito, Agronegócio (LCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Opções de ações, Títulos do Tesouro Nacional (Tesouro Direto). Como as carteiras são feitas para cada tipo de cliente, são personalizadas.
Izabela voltou com a palavra:
- Sabemos que existem pessoas mais corajosas em investir e outras mais conservadoras. E é ai que entraremos como uma Corretora de Investimentos. Identificar o perfil do cliente e investir o dinheiro dele onde vai gerar lucro e tranquilidade. Até porque com o seu lucro vem o sucesso dessa operação, então você precisa acertar mesmo. A Corretora de Valores, vai intermediar a compra e venda de valores mobiliários como ações e títulos.
Terminada a reunião, foram aplaudidas e o pessoal deixou a sala.
- Luiza, muito obrigada por poder contar com o seu apoio – agradeceu Izabela caindo sentada e transpirando.
- Imagina, estamos juntas nessa e vamos convencer o conselho a aprovar essa mudança - disse a moça sorrindo, pegando seu material e deixando a sala.
- Você foi muito bem na apresentação – comentou Júlio, recolhendo os objetos em cima da mesa de reunião.
- Confesso para você que estou com um pouco de medo.
O rapaz parou a tarefa, sentou-se à sua frente e comentou:
- Esses dias vi em uma matéria da faculdade que antigamente era mais fácil abrir uma Corretora de Valores. Hoje a internet e a globalização mudou muita coisa. É um desafio interessante, que pode dar certo. Mas requer passos firmes em direção do conhecimento. Ganhar na intermediação de investimentos das pessoas é uma ação de alta responsabilidade e exige muito de quem se propõe a fazer. E eu sei que nossa empresa está bem estruturada para esse grande passo!
Após o jantar, Izabela foi até o escritório do apartamento onde Esteves lia um livro. Contou-lhe todas as mudanças que estavam em andamento na empresa.
- Acho ótimo, Iza. E tenho certeza que você dará conta dessas mudanças.
- Esteves, vou lhe confessar algo, tenho muito medo. Estou liderando uma grande mudança em uma empresa que não é minha. E se der errado?
- Mas não dará Izabela. Quando a escolhi como minha sucessora, sabia que você era capaz. E continuo acreditando nisso. E não diga que a empresa também não é sua. Sou casado com a Marli, mãe do Eliseu, seu futuro marido. Todo esse patrimônio que montei e hoje você cuida um dia será dos filhos de vocês.
O suor tomou conta da moça.
Marli e Eliseu entraram no ambiente.
- Chegaram em boa hora, meu amor – disse Esteves: - Meninos, temos uma novidade. Eu e a Marli resolvemos fazer uma viagem de seis meses pela Europa.
- Que máximo mãe, vocês merecem! – Disse o rapaz, abraçando Marli.
Izabela deu um sorriso, tremendo um pouco por dentro.
- Meus pais pediram para passar uns meses com meus irmãos lá no interior. Então vamos aproveitar esse período.
Esteves não perdeu a oportunidade de mais uma brincadeira.
- Isso significa que o apartamento será todo de vocês, meninos...
Em outra sessão, Izabela começou a se abrir com a psicóloga. Contou-lhe de sua infância. E revelou:
- Sabe Márcia, ao mesmo tempo que sou uma pessoa focada, organizada em minhas contas, que lutei para estudar e chegar onde cheguei, ao longo desses anos tenho lutado muito com minha mente que tenta assimilar e reproduzir como se fossem verdades absolutas, tipo. Eu não consigo me organizar. Eu nunca vou conseguir atingir meus objetivos. Eu não tenho direito a ter esta conquista. Eu não sei como posso resolver este problema. Eu não tenho capacidade de aprender isto. Eu não consigo, eu não posso, eu não sei.
- Pois é, Izabela. Muitas vezes, a gente continua respondendo, mesmo já adulto, como se fosse aquela garotinha ou garotinho inseguro, sem direito a nada, de falar, de fazer, de sair e brincar com outras crianças. O caminho será aprender a reestruturar essa criança que todo mundo tem dentro de si. Todo mundo carrega sua infância na memória, tenha ela sido boa ou não. Se você rejeitar essa criança, por medo ou por vergonha, você vai manter essa criança mal resolvida aprisionada e ela vai lhe atormentar pelo o resto da vida.
- Eu quero me libertar dessa criança.
- De modo geral, muita gente sofre por isso, como criança tenha sofrido indignações, humilhações, ela merece ser redimida. A criança que cresceu percebendo o mundo como um lugar perigoso, sem poder se expressar, sem ter vez, com medos, pois estavam sempre gritando com ela, debochando ou a deixando de lado fazendo de conta que ela não estava ali. Essa criança cresceu e virou um adulto que nem sabe como ou porque, mas está lidando com o mundo que tem agora como se fosse aquele mundo da infância, e isso não é justo, as consequências são muito negativas.
Izabela estava em sua cama pensativa, quando Marli entrou no quarto.
- Iza, posso conversar um pouco com você? – Perguntou, sentando-se à beira da cama: - Nos últimos dias estou achando você tão quieta. Algum problema?
- Não, Marli. Apenas pensativa. Há várias mudanças acontecendo em minha volta. Decisões importantes na empresa. O Eliseu voltando para a faculdade. Seu Antônio e dona Maria voltando para o interior. Você e o Esteves indo passar uma temporada na Europa.
- Mas isso é tudo temporário. Logo estaremos todos de volta.
- Eu sei...
- A gente parte amanhã. Você vai ficar bem, Iza? Me promete?
- Sim Marli, ficarei bem em nome de Jesus!