10- A REALIDADE COMO ELA NÃO É

  Izabela, Eliseu e seus avós, saíram sedo de carro rumo ao interior paulista. Após horas, chegaram em uma pequena cidade, onde moravam os irmãos de Marli. Foram bem recebidos. O rapaz conheceu alguns de seus tios, tias, primos. Uma família animada, simples, trabalhadores.

Conversaram muito. Veio o almoço com muito barulho de conversas. Izabela alternava momentos de alegrias com vazios em seu coração. Mesmo não identificando o motivo.

O casal chegou de volta à São Paulo no começo da noite. Izabela ficou à portaria de seu prédio e Eliseu foi para sua pensão descansar da viagem. Ao subir e ficar de pé à sala, a moça, agora sozinha no apartamento, sentiu um enorme vazio. Caiu ao chão chorando.

Mais uma consulta com a psicóloga. A moça contou-lhe sobre a viagem que fez com seu namorado para levar seus avós ao interior e dos sentimentos ambíguos.

- Por que você acha que sentiu isso, Izabela?

- Não sei, Márcia. Não foi por maldade, mas ver aquela família unida e feliz me causou tristeza. É como me sinto também quando vejo foto de famílias felizes em redes sociais. – Começou a descer algumas lágrimas: - Por que eu também não pude ter uma família feliz, ficar ao lado de meus pais? Sempre só ouvia palavras duras de meu pai ou mãe, sendo o que eu, àquela menina só queria era afeto, abraço, carinho, proteção...

As sessões de autoconhecimento com a psicóloga começaram a desenterrar coisas, memórias, sentimentos adormecidos de dentro de Izabela. Descobriu-se emocionalmente insegura com sintomas de pessimismo, anti-sociabilidade, sofrimento de fobia social, dismorfia corporal.

Dentro de si passou a ter momentos de revolta. Momento em que estourava, contando com apoio do namorado. Na empresa, só conversava o necessário com as pessoas, passando os dias isolada em sua sala. Havia momentos em que chorava do nada. 

Suas noites passaram a ser solitárias no apartamento, já que seu namorado estava na faculdade, Esteves, Marli e seus pais viajando. E os funcionários do apartamento só ficavam durante o dia. Ela passou a alternar momentos de depressão e ansiedade. Deixou até de ir aos cultos de sua igreja.

Naquelas confusões mentais totalmente fora de seu domínio, Izabela começou a ver a realidade distorcida como ela não é. Dizia, às vezes, ao namorado:

- Eu sou uma bosta. Ninguém gosta de mim...

Eliseu, por estudar psicologia, sabia o que estava se passando com ela. Muitas vezes ele aguentava calado, sentia em seu coração que não podia abandoná-la. Quando falava ao telefone com sua mãe, Marli, ele ocultava para não expô-la e as pessoas pensarem mal de sua namorada. Muitas noites, o rapaz passou de joelhos em seu quarto, pedindo a interseção de Deus para curar as dores emocionais dela.

Algumas vezes, após uma crise inconsciente de revolta, Izabela olhava em seu rosto, clamando:

- Me ajuda, por favor... 

Nos dias em que não haviam aulas, Eliseu passava no bar de Hebert ao final de tarde. Izabela ligava várias vezes ao namorado.

- A mulher está no seu pé? – Perguntou o dono do bar brincando.

- Pois é, Hebert. Elas são sempre assim – respondeu o rapaz sem graça.

Em dias de faculdade, ela, sozinha em seu apartamento, começava a ter fantasias que seu namorado no meio de tantas moças bonitas poderia trocá-la por outra. Sempre tentava ligar entre as aulas.

Isso porque a insegurança surge quando há um falso sentimento de inferioridade. Em relacionamentos amorosos, a insegurança vem acompanhada de ciúme, carência e pensamentos fantasiosos. Izabela, como qualquer parceiro inseguro, passou sem perceber, a idolatrar ou superestimar Eliseu, sentindo-se indigna de ser amada ou desejada.

Em uma sessão com Márcia, a moça confessou:

- Eu não pensei que dentro de mim, existia ainda essa menina com tantos medos, insegura, carente. E que um dia, ela ressurgiria com tantas mágoas, dores e revoltada por não ter sido acolhida e atendida quando precisava em sua infância.

- O importante Izabela é que você conseguiu tirar essa menina do inconsciente e trazê-la ao consciente. Sei que está sendo um processo doloroso que traz medos, pânicos, depressão alternada com ansiedade, raiva de si ou do mundo. Mas só de ter consciência dessa menina, já estamos no meio do caminho. Agora você precisa se preparar para abraçar essa menina, acertar-se com ela e deixá-la partir em paz para que você também tenha paz para seguir sua vida.

À noite, Eliseu passou no apartamento da namorada para jantar. Durante o bate-papo, Izabela revelou:

- Amor, estou pensando em mudar de psicóloga.

- Você está com problema com a sua? – Perguntou o rapaz surpreso.

- Não, mas eu quero experimentar uma linha de terapia diferente.

- Eu acho que é um direito seu, Iza. Dou o maior apoio.

Izabela estava em sua sala com Luiza e Júlio conversando sobre os próximos passos da implantação da Corretora de Investimentos. A executiva comentou:

- Desculpe-me falar Iza, mas estou lhe achando muito reservada nos últimos tempos. Você precisa ser mais comunicativa.

- Eu sei muito bem o que preciso fazer – respondeu a moça automaticamente.

Pessoas inseguras são extremamente defensivas quando alguém aponta suas falhas e erros, pois elas simplesmente não aceitam críticas. Muitas desenvolvem uma personalidade controladora por se sentir ameaçada por outras pessoas. Sem perceber, descarregam suas frustrações sobre os outros.

Luiza e Júlio a olharam espantado, pois não era o comportamento habitual daquela moça doce e amável com todos. A vice-diretora pediu para que o estagiário deixasse a sala. Pegou na mão de Izabela e a levou para se sentarem no sofá.

- O que está acontecendo? Pode se abrir comigo...

A moça, em lágrimas, sentiu que precisava desabafar. Abriu seu coração e contou tudo a Luiza que lhe abraçou com ternura:

- Obrigado por confiar em mim. Fique em paz, passaremos por essa fase juntas, conte comigo!

No consultório de outra psicóloga, Izabela começou a falar de sua baixa autoestima. Das crises que vinha tendo nos últimos meses. Chorando muito, chegou a desabafar: 

- Acho que estão me vendo como uma pessoa ruim, louca, que surta do nada. Eu não sou assim. Não sou uma pessoa má. Mas o que está em minha mente se tornou maior do que eu. De repente, passei a ver e viver uma realidade como ela não é.

- Pode ter certeza Izabela, as pessoas que realmente lhe conhecem, sabem que você não é assim – explicou a psicóloga: - Trazemos muitas vezes de nossa infância crenças e generalizações que fazemos sobre outros, sobre o mundo e sobre nós mesmos. Isso porque acreditamos que são verdadeiras as experiências que vivemos em família, entre amigos e mestres e, realmente, são verdadeiras por representarem os valores fundamentais, referências para o nosso estilo de vida. Contudo, há de se questionar, pois as aparências podem não ser a realidade, como você mesma já assimilou.

- Sim, mas como eu posso me livrar dessas falsas crenças que estavam escondidas em minha cabeça e agora parecem maiores do que eu?

- A mudança de padrão mental começa ao assumirmos que o modo de pensar está confortável, porém não nos levará além do lugar comum. Desconfie quando perceber que a sua vida está apenas seguindo o fluxo sem grandes expectativas. Desconfie quando seus sonhos continuam sendo apenas sonhos. Pergunte a si mesma: O que poderia ser diferente disso?

Izabela novamente abandonou a terapia. Tentou uma terapia psicanalítica, mas depois da segunda sessão não voltou mais. Começou a se cobrar cada vez mais por perfeição que muitas vezes chegava a ser cruel. Uma cobrança, assim como a culpa pela falha, muitas vezes vem da própria história de vida da pessoa.

Semanas depois, Eliseu marcou uma consulta para terapia com hipnose e lhe acompanhou. À sala de espera, o rapaz comentou:

- Estou estudando sobre hipnoterapia na faculdade. Acredito muito que possa lhe ajudar, meu amor.

- Tomara lindo, eu não estou aguentando mais viver assim...

Ela entrou no consultório. Eliseu ficou ali sentado, com o coração animado e pedindo a Deus que aquilo ajudasse Izabela ressignificar e voltar a ser uma pessoa em paz e cheia de alegria de viver.

Quarenta e cinco minutos depois, ela saiu da sala, dizendo brava:

- Vamos embora daqui, Eliseu. Isso é uma palhaçada!!!

As memórias continuavam a perseguir Izabela. Como os descontroláveis momentos de explosões de raivas. Em seguida, ela caia em prantos, orava muito pedindo perdão e ajuda a Deus. Não compreendia o porquê estava passando por tudo aquilo.

Naqueles meses, sem perceberem, entre Izabela e Eliseu estabeleceu-se a codependência, um transtorno emocional que caracteriza-se por uma dependência excessiva de um indivíduo em relação a outro, como se fosse uma prisão, onde o indivíduo suporta qualquer tipo de comportamento e suas consequências, sem perceber que está abrindo mão de sua própria vida e de seus sonhos.

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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