10 - NADA É PARA SEMPRE

  Um mês após, Almir tem que viajar à sua cidade para um curso de reciclagem e conhecer a nova linha de móveis planejados da fábrica. Como das outras poucas vezes que voltou lá, ele chega no início da noite e da rodoviária, vai direto à casa do amigo ficar hospedado.

Na manhã seguinte, passa na casa de sua irmã para visitá-la, rever os sobrinhos e, em seguida, vai com o cunhado para a fábrica. Revendo alguns conhecidos, caminha pelas barulhentas máquinas observando a tudo. Chega ao depósito, onde um funcionário ouve rádio. Uma canção de Tim Maia lhe chama atenção e este verso lhe faz viajar no tempo: “Foi bom eu ficar com você o ano inteiro / Pode crer meu amor, foi amor verdadeiro...”

- Ainda bem que lhe encontrei, Almir – diz José Renato, interrompendo o devaneio do amigo: - Preciso acompanhar pessoalmente uma entrega para nossa melhor cliente. Só que fui chamado para resolver uma pendência na Prefeitura. Quebra esse galho pra mim, vai...

Almir sai no banco de passageiro do caminhão de entrega. Passando pelas ruas, praças e o centro comercial, suas lembranças são ativadas. Chegam ao portão de uma casa de alto padrão. Uma funcionária autoriza a entrada. 

- Vocês podem começar a descarregar. A patroa já vem acertar o pagamento.

Minutos depois, uma mulher magra de corpo bem definido, rosto redondo, cabelos ruivos, lisos e bem cumpridos, aproxima-se dele. Ao cruzarem os olharem, paralisam por alguns segundos. Ele quebra o silêncio:

- Regineide, é você?

- Quanto tempo, Almir.

- Aliás, quantas décadas – observa ele sorrindo.

- Já acabamos de descarregar – diz um funcionário interrompendo os olhares deles e voltando ao caminhão.

Ele entrega as notas e Regineide lhe passa o cheque de pagamento.

- Eu gostaria de conversar um pouco com você. Acho que mereço isso.

- Aqui não é uma boa ideia, Almir.

- Pode ser naquele parque do bosque?

- Tudo bem, hoje à tarde lhe encontro lá.

* * *

No horário marcado, Almir chega ao bosque. Caminha entre as árvores cuja copas fazem muita sombra. Senta-se em um banco de frente para o lago. Está um pouco ansioso. Minutos depois, Regineide de vestido, óculos escuros e bolsa, aproxima-se com seu caminhar elegante. 

- Você continua linda como sempre!

- O que você quer falar comigo? – Pergunta ela, ignorando o elogio, sentando-se.

- Sabe que ao seu lado eu vivi os melhores anos de minha vida, Regineide?

- Foi uma época linda mesmo. A cidade era menor, não haviam escolas particulares. Ricos e pobres estudavam no mesmo grupo escolar público. Éramos todos amigos. Foi aí que nos apaixonamos no ginásio. A filha do fazendeiro e prefeito e o filho de um casal de operários.

- E decidimos namorar escondidos. O proibido era mais gostoso, mais desafiador. Nossos encontros em festinhas dos amigos, nos bailes do clube de madeira. Você sempre bem-vestida, eu sempre com a mesma roupa.

- Só que eu nunca vi essa diferença entre nós, Almir. Realmente gostei muito de você. Quantos passeios tivemos de mãos dadas aqui mesmo neste parque. Foram anos de muita pureza, sonhos. Até que meu pai descobriu e proibiu nosso namoro. Nada é para sempre...

- Mas Regineide, quando minha família decidiu ir para São Paulo, a gente combinou fugir juntos. Por que naquela noite, você não apareceu na rodoviária? Eu havia até comprado sua passagem. Seu lugar foi vago até lá.

- Naquela noite, eu fiquei atrás de uma árvore vendo o ônibus se distanciar. Tive muito medo de ir. Meu pai sempre foi muito dominador. Ele mandaria pessoas atrás de mim.

- Não só o banco do ônibus foi vazio. Meu coração está vazio até hoje. Você Regineide, até hoje foi o único amor que tive. Um amor interrompido bruscamente, sem ter se resolvido, sem briga, sem motivo de incompatibilidade. Você ainda é o meu grande amor – conta ele, deixando cair algumas lágrimas.

- Não fala assim, Almir. Sou uma mulher casada.

- Você é feliz, Regineide?

- Eu nunca menti para você. Casei-me com o filho de um deputado a pedido de meu pai. Tornei-me uma esposa correta, boa mãe para meus filhos. Aliás, eles são a grande alegria da minha vida, estão todos em faculdades, já se preparam para cada um seguir seu caminho. Digamos que sempre cumprir direito o meu papel conjugal.

- Entendi sua resposta.

- O que nós vivemos foi lindo, Almir. Mas nada é para sempre.

- Droga, Regineide, você continua com a velha mania de dizer que nada é para sempre???

- E nada é para sempre mesmo. Entender que a vida é feita de ciclos faz com que você fique em paz com tudo que chega e com tudo que se vai.

Nesse momento, alguém passa com o volume alto do rádio, tocando “Leva” do Tim Maia: “Tão bom encontrar com você sem ter hora marcada / Te falar de amor bem baixinho quando é madrugada / Tão bom é poder despertar em você fantasias / Te envolver, te acender, te ligar / Te fazer companhia”.

- Hoje é a segunda vez que a escuto. Essa era a nossa música.

- E eu nunca a esqueci, Almir.

- Alguns versos dizem, “No carro, na rua, no bar / Estou sempre contigo / Toda vez que você precisar, você tem um amigo”. Lembro-me que uma vez, aqui mesmo neste parque, segurando minhas mãos, você me disse que, acontecesse o que acontecesse, jamais queria perder minha amizade. Digo que nunca deixei de ser seu amigo, Regineide. Mesmo no silêncio.

Levantam-se e se abraçam forte. Ela fala:

- Sempre serei sua amiga. Essa é a despedida que nos foi roubada lá atrás. Vá Almir, abra seu coração para as possibilidades. Reconstrua sua vida sentimental e viva feliz pelos anos que ainda estão pela frente. Sempre orarei por você!

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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