11 - O MUNDO DE ADRIANA

Após uma semana empossada no cargo de direção, Adriana chama algumas das executivas da empresa e oferece promoções.

- Agradecemos Adriana, mas podemos pensar um pouco? – Pede uma delas.

- Por que, meninas? Vocês estão com medo?

- Sabe o que é? Nós adoramos ser mães. Temos medo de não conseguir conciliar as duas coisas.

- Eu também amo ser mãe – observa Adriana: - Até deixei de mudar de país por causa dos meus filhos, para que eles ficassem próximos do pai. Mesmo com todas minhas atribuições, consigo colocar meus filhos na cama todos os dias, olhar a lição de casa deles, tomar café da manhã juntos e faço questão de fazer a janta. Como consigo fazer tudo isso? Tenho uma ótima secretária por trás que organiza muito bem a minha agenda. Vocês também terão essa parceria. 

- Desculpe-nos, ainda não nos achamos capazes de conduzir as duas coisas juntas.

- Tudo bem. Como estou a pouco tempo nesta posição, vou mostrar a vocês que é possível sim manter os dois papéis, inclusive no meu cargo. Sempre temos que respeitar a decisão das outras pessoas. Só que vou dizer uma coisa. É comum as mulheres terem a “síndrome de impostora”, não se sentir competente o bastante para uma promoção quando na verdade somos. A credibilidade da gente na gente em relação à competência é um pouco menos do que a do homem. O homem tem uma segurança que, mesmo que ele não seja competente, o leva a falar que é. A gente raciocina um pouco mais nesse sentido, mas é uma reflexão importante, interna, e não vejo problema nisso. Que é você pensar: “Será que estou dando um passo maior do que eu deveria?”. Consigo fazer isso de uma forma mais calma, mas será que é o momento da minha carreira para dar esse passo. E se não der, como eu me recupero disso? O homem não pensa no “e se”.

* * *

Naquele fim de tarde, Almir resolve passar no Bar 50!. Ao entrar, surpreende-se ao não ver nem um cliente e o estabelecimento funcionando. Só Adriana em uma mesa com algumas plantas e croquis conversando com uma moça e alguns homens trabalhando pelo local. Ela o vê e o chama alegre:

- Almir, venha cá. Que bom que você apareceu. Essa é minha arquiteta. Vamos dar uma reformada aqui e eu quero muito suas opiniões.

- Você vai mudar tudo aqui, Adriana?

- Nem pensar. Irei manter todas as características de época, o que me fez apaixonar pelo local. Vamos dar uma repaginada, pintada, trocar uns móveis que estão detonados. Restaurar o mesmo piano. Eu quero fazer daqui um bar temático dos anos 1950.

- Você gosta mesmo de uma reforma – observa ele, rindo.

- É onde invisto todo o meu capital. Em imóveis. E mudando de assunto, se você quiser tomar sua rotineira cerveja, pega lá no freezer e traz uma para mim. Hoje é por conta da casa.

Ele busca as bebidas e ficam um bom tempo ali à mesa discutindo o projeto, ideias, cores, decorações. A arquiteta e sua equipe vão embora para continuar no dia seguinte. 

- Agora me deu fome – diz a executiva.

Ele, sem perceber, fala em um impulso:

- Moro aqui perto. Podemos ir prá lá e comer uma pizza. Não é legal a gente comer no meio dessa poeira.

- Almir, eu topo. E vou levar mais cervejas para acompanhar.

* * *

Saem caminhando pelas ruas conversando e rindo. Passam em uma pizzaria delivery e compram a pizza. Ao chegarem de frente ao prédio, ele começa a sentir vergonha. Subiram para o simples apartamento, mas ela nem liga, agindo naturalmente. 

Sentam-se no sofá e começar a comer e papear naturalmente. Até que, por estar mais à vontade pela bebida, ele comenta:

- Adriana, você nunca me contou sua história.

- Minha história não tem nada muito animado, Almir. Nasci em uma pequena cidade rural. Filha única de um rico fazendeiro. Tinha aulas de piano, queria ser uma musicista, mas ele dizia que isso era coisa de vagabundo. Pude estudar em escolas e faculdades renomadas e tornei-me advogada. Desde quando ingressei na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, moro aqui em São Paulo. Fiz minha carreira no mundo empresarial. No início fui muito carreirista e, por isto, casei-me um pouco tarde, com 38 anos com um empresário e tive dois filhos maravilhosos. Fui feliz sim no meu casamento, mas uns três anos atrás, meu marido me trocou por uma mulher mais jovem. Pois é... E você, Almir, qual é sua história?

Ele conta tudo, sem esconder nada, enquanto ao fundo, o aparelho de som toca baixinho a música “She”. Inclusive da última viagem que fez para sua cidade. Adriana pensa baixinho.

“É, ela sempre foi muito insegura...”

- O que você disse, Adriana?

- Nada não, Almir, acho que viajei um pouquinho. Por falar nisto, já deu minha hora. Vou chamar um carro de aplicativo.

- Foi muito bom conversar, ficar à vontade ao seu lado. Parece que somos amigos a vida inteira.

- São os mistérios da vida, meu amigo – diz ela sorrindo.

* * *

Certa manhã, Adriana é informada que o diretor-geral americano de sua empresa vem passar três dias no Brasil com uma agenda super extensa e uma reunião com grandes empresários.

Um dia antes da reunião, Adriana vai almoçar com ele e comunica-lhe:

- Eu quero já adiantar minhas desculpas, mas não poderei estar na reunião amanhã com os empresários. É que preciso estar presente na apresentação da banda do meu filho lá na escola. E para ele sou a coisa mais importante. Temos aqui na empresa várias pessoas que podem fazer a minha parte. 

- Entendo perfeitamente, Adriana. Pode ficar tranquila. Acho louvável sua atitude.

* * *

Lá no Mato Grosso, Morielle está morando com seu filho, nora e netos. São tantas as sensações conflitantes. Ao mesmo tempo que se sente livre das opressões vividas por muitos anos em relacionamentos abusivos, ela terá que recomeçar sua história pessoal do zero. Somado a isto, estão os sintomas da insegurança da meia-idade, que para muitos, são parecidos com alguns distúrbios psicológicos, como sentimentos de tristeza profunda, falta de otimismo e falta de fé no futuro. 

Morar com o filho também lhe traz uma sensação inversa. Ela que, anos atrás, passou pela “Síndrome do Ninho Vazio”, caracterizada por um sofrimento excessivo associado à perda do papel da função dos pais, com a saída dos filhos de casa para estudarem fora, casarem ou viver sozinhos. Em muitas culturas, como foi o caso de Morielle, principalmente as mulheres, dedicam-se exclusivamente à criação dos filhos. E a saída deles de casa causa mais sofrimento e sentimento de solidão, em relação a culturas onde as mulheres trabalham e têm outras atividades em suas vidas. 

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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