AS VOLTAS QUE A VIDA DÁ

HARMONIA DO UNIVERSO - Emílio Figueira / Nov. de 2000 - Técnica: Óleo sobre tela. Med. 0,40 x 0,60

O clima é de 24 de dezembro, véspera de Natal. Ruas e casas enfeitadas, uma certa emoção por parte de todas as pessoas, em uma típica rua de bairro de uma média cidade de interior.   

 Eunice, caminha pela calçada com suas sacolas de compra. Duas vizinhas que conversam no portão à cumprimentam num sorriso amigável: 

- Boa tarde, dona Eunice. Foi fazer as suas compras? 

- Pois é, dona Maria - retribuindo o sorriso. As coisas estão pela hora da morte. mas o que se há de se fazer, precisamos comprar alimentos e sobreviver... 

  A outra vizinha lhe diz: 

- Dona Eunice, hoje iremos preparar uma ceia de Natal lá em casa. Se a senhora quiser tomar parte conosco, será um grande prazer...  

- Muito obrigada dona Cláudia, mas prefiro passar esta noite sozinha. Como diz aquele ditado, cada louco com a sua mania! 

Eunice sorri novamente e continua a sua caminhada, afastando-se das vizinhas que continuam a conversa: 

- Coitada de dona Eunice, sempre sozinha. Leva essa vida há mais de dez anos. Nunca teve ninguém com ela... Nem um parente se quer! 

- É mesmo... Mas também ela tem uma história meia esquisita, a senhora não acha? 

- Ela é muito reservada. Pelo pouco que sei, quando era nova, chegou a ser casada, teve um casal de filhos e morava em uma cidade longe daqui. De repente, foi vítima de uma grave doença, sendo abandonada pela família no momento que mais precisava. 

 E a outra vizinha diz como um desabafo: 

- É, como tem gente ruim neste mundo... 

  Dona Eunice mora em uma residência típica de uma pessoa de classe média, com muita simpatia e aconchego. A televisão, na sala, em um volume, médio, está ligada em um telejornal, onde os apresentadores falam sobre da alegria daquela noite de Natal. Enquanto ouve as notícias da cozinha, prepara um jantar especial, embora pretendesse passar aquela noite sozinha, como nos anos anteriores. Mexe em vasilhas, tigelas em cima da pia, pega algumas verduras na geladeira, vai até o forno ver como está o peru. Ao fechá-lo, passa o guardanapo de pano nas mãos e lamenta consigo: “Que sina... Mais um ano sozinha...”  

Nesse momento, batem palmas lá fora no portão. Pergunta a si mesma: 

- Quem será essa hora? Já sei, deve ser alguma vizinha que se esqueceu de comprar algo e veio pedir emprestado... 

 E vai atender. Em frente da residência, dois jovens muito bem vestidos, aparentando 15 e 17 anos de idade, em pé no portão esperam. 

Eunice abre a porta e sai para atendê-los, num sorriso: 

 - Pois não, no que posso ser útil a vocês? 

O rapaz dá uma olhada para a moça e pergunta sem jeito: 

- Por favor, é aqui que mora a dona Eunice?  

- Sim, sou eu. Desculpem, mas não estou reconhecendo vocês...

 A moça com timidez e sem muito jeito, tomou a conversa e se apresentou, dizendo apenas os seus nomes: 

- Meu nome é Lúcia. Este é meu irmão Eduardo... 

Eunice toma um choque misturado com alegria, pondo as mãos no rosto e exclamando:  

- Não posso acreditar!!! - Corre em direção a eles, abraçando os dois ao mesmo tempo, com muita emoção por parte de todos. 

- Feliz Natal, mamãe... - Diz Lúcia com lágrimas nos olhos. 

Dentro da residência, Eunice e os filhos estão postos à mesa, num feliz jantar de Natal. Enquanto se alimentam, rola o diálogo: 

- Confesso a vocês que já havia até perdido as esperanças de um dia viver este momento... - Declara a mãe. 

- Já algum tempo, quando ficamos sabendo que a senhora estava viva, começamos a procurá-la. 

- Foi difícil... Mas graças a Deus, aqui estamos hoje - confessa Eduardo.  

- É, foram longos anos desde que eu fui... - Eunice engasga e fica com medo de continuar o que ia dizer. 

 Eduardo a incentiva: 

- Pode falar mamãe... Nós já sabemos de toda a verdadeira história! 

 Eunice, nostálgica, começa a recordar: 

- Pois é... Como eu ia dizendo, foram longos anos desde que eu fui abandonada naquele hospital... 

Em uma volta ao passado, como se fosse um flashback em preto e branco, um jovem casal, com dois filhos pequenos e uma senhora de idade, estão numa gostosa tarde em sua modesta casa, entre brincadeiras, sorrisos e muito afeto. A voz calma de Eunice, no presente, aparece narrando: 

- Éramos uma família feliz. Morávamos eu, o seu pai, vocês e minha sogra, a vó Cibele. Até que um dia comecei a ter umas dores no peito e na costa, febres, perda de apetite, peso e muita tosse. Resolveram me levar ao médico. Após vários exames, descobriram... 

 Na mente de Eunice volta a cena de quando era mais jovem e seu antigo marido - apreensíveis -, em um consultório, observam o médico, que analisando as chapas do pulmão, diz-lhe com certa calma e cuidado: 

- É, infelizmente não tenho uma notícia muito boa para lhes dar. A senhora contraiu em seus pulmões a bactéria "mycobacterium tuberculosis", chamada de bacilo de Kock. Simplificando, a senhora está com tuberculose, adquirida por uma infecção pulmonar... 

 Neste momento, os dois se abraçam, buscando forças um no outros. Eunice, desconsolada, questiona: 

- Meu Deus... Por que isso agora?  

- Porém, o caso não me parece tão grave assim... - Confessa o médico. 

 Seu marido, sem conseguir entender, pergunta-lhe: 

- Como não, doutor. O senhor diz que minha mulher está com tuberculose, mas não é tão grave assim!? 

 - Hoje a tuberculose não é mais uma doença tão grave como no passado. Com o advento das melhores condições de vida para a população, com a evolução dos programas preventivos, melhores informações, ampliação do arsenal terapêutico quase que específica, a tuberculose vem ser tornando uma doença compatível com a vida e, consequentemente, curável... E o seu caso, dona Eunice, está no início, certamente será curada. Conheço um excelente hospital na cidade de São José dos Campos, conceituado e com uma estação climática favorável e se vocês quiserem, posso pessoalmente, encaminhá-la para o tratamento...  

 Dias após, Eunice e seu marido chegam no hospital e vão passando pelo longo portão, carregando uma mala. 

- Foi uma longa viagem – continua ela narrando no presente. - Realmente era um hospital especializado em pessoas tuberculosas. Sua aparência era de uma instituição moderna para sua época... Era longe do centro da cidade, discriminado, cercado de longos pinheiros e bonitos jardins, onde passeávamos para respirar aquele ar que ajudava no tratamento. Difícil mesmo, foi a despedida de seu pai... 

- Pelo jeito, passarei um bom tempo por aqui... - Diz Eunice ao seu marido. 

- Mas será para o seu bem. O importante é que você se cure. Tudo dará certo... Tenha fé em Deus...  

 E abraçaram-se fortemente. 

- Cuide bem de nossos filhos... 

- Pode deixar... Os trarei sempre aqui para vê-la. Prometo! 

 Naquele momento ela foi beijá-lo na boca, ele virou-se, pegando no rosto. 

- Os dias foram passando e o tratamento correndo. Escrevi algumas cartas a família, mas...   

 Eunice dá uma pequena pausa, relembrando quando no passado no hospital, aproximava-se da secretaria, onde outros pacientes estavam contentes retirando as suas correspondências, e ela perguntava à enfermeira: 

- Há alguma coisa pra mim? 

 E a enfermeira respondia simpaticamente: 

- Infelizmente, hoje não há nada para a senhora... 

E saía caminhando desconsolada.

- Durante os seis meses que fiquei internada, não recebi nenhuma notícia de vocês, correspondências e muito menos visitas. Durante o período de internação, conheci pessoas de todos os tipos. Embora muita coisa já havia melhorado, a discriminação ainda era grande. Alguns eram traumatizados pela natureza em ter lhe imposto a doença, dificultando assim o seu tratamento. Outros chegavam ao clímax de vingança, desejando que a doença se propagasse. Alguns companheiros, não tendo condições psicológicas ou apoio familiar, não suportavam a luta contra doença, suicidando-se. Haviam àqueles com comportamentos corajosos, auto afirmativos, vistos como uma cortina de fumaça para cobrir a grande mágoa e trauma por serem discriminados pela doença. Outros apegavam-se a religião e a todos que podiam dar-lhe apoio necessário, atitude social e apoio a outros doentes. Mas eu só tinha um objetivo. Curar-me para poder voltar e viver ao lado de vocês. Até que, curada, tive alta, porém não havia ninguém me esperando para irmos embora...  

 Eunice se emociona, calando-se por alguns instantes. 

- Por favor, mamãe, se a senhora quiser, pode parar de contar essa história - pede Lúcia. 

- Não, preciso me abrir com vocês - declara ela, enxugando os olhos e continuando. - Saindo pela portaria do hospital com minha mala na mão, decepcionada por não ver ninguém. Dentro de um ônibus de viagem, fui olhando tristemente pela janela. Mas de repente abri um sorriso. Achava todo aquele silêncio muito estranho. Só que, a ansiedade de voltar para casa, dizer que eu estava curada e sobretudo rever e estar novamente junto a vocês, animava-me. Porém a minha tristeza seria ainda maior... Ao chegar em frente a nossa antiga residência, uma mulher saiu para me atender. Todos haviam mudado, sem deixar qualquer endereço para encontrá-los. Ainda os procurei por algum tempo, mas cheguei à conclusão que estava sendo discriminada por causa de minha doença, pois a tuberculose naquela época era uma coisa terrível.  

 Os três continuam jantando e conversando, enquanto ela arremata suas recordações. 

- Então, para não continuar sofrendo naquela cidade onde fomos felizes, a partir daí, resolvi vir morar aqui nesta cidade, de onde todos falavam bem e tentar a vida, porém sempre sozinha, sem nunca ter tido uma única notícia de meus familiares... Venci, e hoje posso dizer que, apesar das fortes marcas do passado, tenho uma vida boa e aconchegante, graças a Deus. 

- Nós já sabíamos dessa história mamãe - confessa Lúcia. – A cerca de dois anos, o papai nos revelou tudo e a partir daí, começamos a procurá-la...  

- É, a minha espera não foi em vão. Vejam vocês... Hoje estão aqui, crescidos, lindos, comigo nesta ceia de Natal... 

- E se a senhora permitir mamãe, nós viemos para ficar - diz Eduardo. 

-  Mas é claro, meu filho. Nunca mais quero me separar de vocês... 

 Lúcia e Eduardo se olham rapidamente como se alguma coisa incomoda-os. A moça toma a iniciativa de dizer: 

- Mas há algo que precisamos lhe contar, mamãe. 

 E Eduardo completa com jeito: 

 - Certo dia, papai, embriagado, deixou escapar que a senhora não havia realmente morrido. Nós começamos a forçá-lo a contar a verdade sobre o seu desaparecimento. Quando nos revelou, acho que por remórcio, e por outros motivos, caiu na bebida, tornando-se um alcoolista e anda caído pelas ruas, acabado. 

 A imagem do pai cambaleando, sujo, com uma garrafa na mão, caído na calçada em frente a uma porta de bar vêm à mente de Lúcia, revelando à sua mãe: 

- E o que é pior. Ele contraiu AIDS... - Faz uma pequena pausa. - A vó Cibele está muito doente, sem qualquer condição de cuidar dele... 

- Então a vó gostaria que a senhora voltasse para apoiar e cuidar de papai...  – Completa Eduardo. 

 Eunice toma um choque com o pedido. Agora, o que fazer? Devolver o troco na mesma moeda? Ou exercer o seu lado caridoso e fazer o bem sem olhar à quem? 

No típico quarto de uma casa de porte médio, com todas as coisas como guarda-roupas, penteadeiras, e duas camas de solteiros, onde Eunice aconchega seus filhos.  

- Eu sempre deixei este quarto preparado. Parecia que eu tinha a certeza que um dia vocês voltariam. Intuição de mãe... 

Ao cobrir Lúcia, a filha lhe diz: 

- Desculpe mamãe, por ter lhe contado isso sobre o papai nesta noite de Natal. Mas era preciso... 

- Não tem importância filha. Amanhã a gente conversa sobre isso... Dorme com Deus... - E lhe dá um beijo na testa. 

 Como se o presente fosse misturando com o passado, Eunice caminha pela sala à meia-luz pensativa. Volta aos anos 60, relembrando várias cenas de um casal feliz e apaixonado, passeando como houvesse um fundo musical romântico. Em seguida, sua memória retorna a um baile orquestrado, uma jovem (ela), encontra um rapaz no meio do salão, olhando fixo um para o outro. A orquestra começa a tocar The Great Pretender, com os The Platters. Sem nada dizerem, começam a dançar bem apaixonados. Ela encosta a cabeça no ombro dele que lhe pergunta: 

- Eunice, você quer se casar comigo?  

 Ela levanta a cabeça e olha para ele com ternura. 

- É a coisa que eu mais quero neste mundo... 

 E volta a apoiar a cabeça no ombro dele.  

 Voltando ao presente, emocionada e lágrimas nos olhos, diz a si mesma, olhando fixa para o infinito: 

- Meu Deus... Nós éramos tão felizes juntos...  

 De repente volta em sua mente uma cena como um filme em preto e branco, onde ela está saindo do hospital sem haver ninguém para recebê-la, começando a descobrir e sentir a rejeição, representada em sua face. Volta ao presente e entristece. 

“Mas toda felicidade não é eterna...” – Pensa. 

  Lúcia e Eduardo se levantam pela manhã e ao chegarem à copa, encontram a mesa do café posta e um bilhete dizendo: “Meus amados filhos. Fui ao trabalho e em seguida passarei no hospital onde tenho ajudado como voluntária. Deixei o café pronto para se alimentarem bem. Volto na hora do almoço, pois não vejo a hora de voltar para casa e abraçá-los novamente. Beijos, mamãe...” 

Lúcia, alegre com o bilhete na mão, exclama ao irmão: 

- Mamãe realmente é incrível!!! 

  Em um hospital, Eunice com o avental de atendente-voluntária, caminha entre alguns leitos de doentes, cumprimentando uns, servindo água ou alimentação a outros... De repente, Lúcia e Eduardo chegam por trás, dizendo: 

- Surpresa!!! 

- Meus filhos... O que vocês estão fazendo aqui? - Indaga ela alegre. 

 E Eduardo lhe responde: 

- Não aguentamos ficar esperando a senhora e viemos ao seu encontro... 

 Os três se abraçam. Eunice prossegue dando continuidade ao seu serviço de atendente-voluntária sendo ajudada por eles, enquanto conversam. Lúcia confessa: 

- Bonito trabalho que a senhora está realizando aqui, mamãe. Isso me deixa muito orgulhosa de ti.  

- É um trabalho que me dá muito prazer. Essas pessoas que aqui estão hoje, são em sua maioria, vamos dizer, esquecidos por suas famílias. Estando internados, não recebem mais notícias de parentes ou quando recebem alta, ninguém os vem buscar e o abandono é confirmado. Crianças, jovens, adultos e geralmente idosos. Alguns por motivo de dificuldade financeira de suas famílias. Porém muitos por discriminação por parte das mesmas... Infelizmente, essa é uma realidade que se repete diariamente em todos os hospitais. 

 Lúcia, com um ar de curiosidade, questiona: 

- E o que são feitos deles, mamãe? 

- Os que necessitam de continuar o tratamento são encaminhados para algumas instituições internas; alguns são encaminhados para albergues noturnos onde podem passar até cinco dias. Há aqueles que, de posse dos dados, as assistentes sociais vão atrás das famílias; umas até acabam aceitando o parente de volta; porém, outras que deixaram endereços falsos, nunca são localizadas. As crianças são encaminhadas para instituições de menores e ficam sob a guarda do estado. Cada caso é um caso, mas todas têm duas coisas em comum: a rejeição e o descaso familiar... 

 Lúcia, sem jeito, volta ao assunto do dia anterior: 

- Mamãe, desculpe-me tocar nisto, mas aproveitando esta nossa conversa, a senhora já tomou alguma decisão com relação ao papai? 

 Eunice para o que está fazendo, apoia-se na cama do paciente e cruzando os braços, fica um pouco pensativa, respondendo-lhe: 

- Ainda não minha filha, mas estou pensando muito sobre isto. 

 Eduardo quebra o clima, confessando: 

- Hum... Estou morrendo de fome. Que tal irmos almoçar? 

- Sim meu filho. Vamos... Ah sim, eu já ia me esquecendo. Hoje à noite, vou dar uma palestra sobre tuberculose para um grupo de alunos do ensino médio. Vocês querem ir comigo?  

 Lúcia e Eduardo respondem juntos: 

- Sim, vamos com muito prazer!!! 

 E saem os três abraçados. 

  À noite e em outro local, uma senhora, Dona Cibele, a ex-sogra de Eunice, está arrumando a mesa para o jantar. Carlos, entra pela porta da rua, mal arrumado, embriagado e cambaleando. Dona Cibele murmura para si mesmo: 

-Meu Deus, Carlos bebeu de novo...  

- Onde estão as crianças? 

- Já disse que eles foram fazer uma viagem com alguns colegas da escola. Devem voltar logo - continuando a arrumação. 

- É sempre assim. Um homem trabalha a sua vida inteira e quando chega em casa, não há se quer um membro de sua família para recebê-lo.  

 Dona Cibele rebate: 

- Quem ouve você falar assim, vai acreditar que sempre ligou muito para a sua família. Aliás, você já teve uma ótima família por sinal... 

 Carlos cai no sofá mergulhando num flashback, relembrando do tempo de noivado com Eunice, de sua família com sequências de antigas imagens em sua mente, resmungando para si mesmo com amargura: 

- É, realmente fomos uma família feliz...! 

   É um pátio de uma escola. Período noturno. Vários alunos estão sentados para ouvi a palestra. Lúcia e Eduardo estão na primeira fila. Eunice, com o seu avental de assistente do hospital, caminha lentamente fazendo a sua exposição: 

- Bem, o assunto que hoje trago para vocês pode parecer meio chato, mas prometo que não será. Aliás, é um tema que volta a ser necessário nos dias atuais: a tuberculose, doença bactériana, descoberta por Robert Koch no século XIX, sendo por isto, chamada de Bacílo Koch. Geralmente em 90% dos casos, ela ataca apenas os pulmões, mas poderá também atacar as outras partes do corpo. São algumas as formas que poderemos contrair a tuberculose; sua transmissão ocorre quando alguém sã aspira gotículas de catarro eliminadas pela tosse, pelo espirro ou pela fala de uma pessoa doente. Poderá ser contraída também quando se aspira poeira contaminada por essas gotículas. 

Uma aluna levanta a mão, pois os alunos começam a participar, demonstrando interesse. Eunice a aponta com simpatia: 

- Sim, pois não? 

- E quais os principais sintomas? - Quer saber a aluna. 

- São eles; tosse com expectoração, ou seja, com secreção, por mais de quatro semanas; emagrecimento, a pessoa perde peso; febre vespertina e sudoreses noturnas... Mas já que você me perguntou sobre os sintomas, vou falar também com relação ou procedimento; aos primeiros sinais da doença, procure urgentemente um especialista; não abandone o tratamento, o que tem acontecido muito. Hoje ele é gratuito, fácil e realizado em seis meses; adote uma alimentação razoável; encaminhe as pessoas que convivem no ambiente domiciliar aos postos de saúde para serem submetidos aos cadastros toráxicos, sintomáticos respiratórios, exame de escarro e raio x para identificar se existem outros casos. 

Outro aluno indaga: 

- Senhora, hoje quais são os grupos de riscos para contrair a doença? 

- Hoje há quem diga que a tuberculose é uma doença da pobreza, espelhando a condição sócio-econômica do nosso povo. Isso quer dizer que aquelas pessoas com menos condições financeiras e vivendo em estado precários estão mais propensas a desenvolver a doença. Mas isso não era uma exclusividade só da pobreza; ela foi a grande ameaça que aconteceu do século XVIII até algumas décadas atrás, causando epidemia e matando grande quantidade de pessoas, ricas ou pobres. Hoje a tuberculose na maior parte dos casos é curável; alguns até não mais a considera uma doença, sendo esquecida pelo governo. Mas acredito que a realidade não é bem assim, uma vez em que sua ocorrência vem aumentando e persistindo.   

  Na manhã seguinte, Lúcia encontra outro bilhete na sala deixado por sua mãe, lendo em voz alta, enquanto Eduardo senta-se à mesa do café: 

- Meus filhos. Devido a um compromisso urgente de última hora do hospital, tive que fazer uma rápida viagem de alguns dias. Volto logo. Não se preocupem. Há bastante alimento na dispensa. Cuidem-se. Beijos, mamãe... 

- Podemos aproveitar essa repentina viagem de mamãe e ir ver como anda papai e a vó Cibele - sugeri Lúcia.   

- Também acho... Podemos ir. 

   Em um típico bar onde homens se encontram no final de tarde para beber, jogar dominó, bilhar, ouvir pagode e conversar. Carlos, embriagado, aproxima-se de um homem bebendo no balcão.  

- Aí compadre, paga uma aqui pro seu camarada...  

 O homem, também embriagado, responde-lhe: 

- Qualé chará, tá me estranhando? Vê se tenho cara de quem sustenta malandro... 

 Neste momento, Eunice aparece na porta do bar e fica observando disfarçadamente por detrás de uma coluna. A briga continua. Carlos diz: 

- Você é folgado. 

- Folgado é a senhora sua mãe - retruca o homem empurrando-o. 

 Começam a brigar, quebrando tudo e vão para o meio da rua. Muita gente em volta. Eunice observa a tudo espantada. Na briga, Carlos leva a pior e fica desmaiado no chão. Todos se vão e Eunice vai acudi-lo nervosa. Segurando o rosto dele, olha para os lados e grita: 

- Por favor, alguém me ajude!!! 

 O destino coloca a vida de Carlos nas mãos de Eunice.  

  Em um quarto de hospital, Carlos está desacordado na cama coberto por um lençol, enquanto uma enfermeira confere os equipamentos e o soro nos quais ele está ligado. Começando a acordar, pergunta: 

- Onde estou? 

 A enfermeira vai ao seu encontro para acalmá-lo: 

- Calma meu senhor. O senhor tomou um tombo, batendo a cabeça e desacordando por algum período. Agora já está no hospital sobre os nossos cuidados e vai ficar tudo bem... 

- E quem me trouxe prá cá? 

- Foi uma senhora, mas não quis se identificar... 

   Eduardo e Lúcia, chegando à casa de Dona Cibele, entram pela porta da rua, colocando as suas mochilas em cima do sofá. O moço fala alto: 

- Vó Cibele, chegamos... 

- Estranho, ninguém aqui na sala ou na cozinha - repara Lúcia... 

A voz de vó Cibele, murmulhando, vindo do quarto: 

- Estou aqui dentro... 

Os dois olham-se estranhando e correm lá para dentro. 

 É um quarto simples. Dona Cibele está na cama coberta e aparentando muito mal. Lúcia e Eduardo entram e tomam um susto ao vê-la naquele estado: 

- O que houve vó... 

 E ela responde com dificuldades: 

- Estou me sentindo muito mal... 

 Lúcia ordena a Eduardo: 

- Rápido, vá telefonar e chamar uma ambulância... 

 Eduardo sai correndo do quarto. Lúcia vai até a cama confortá-la: 

- Quanto tempo a senhora está assim? 

- Desde ontem não me levanto desta cama... 

- E o papai, cadê? 

- Também não aparece desde ontem. 

 Eduardo volta correndo: 

- Já telefonei. A ambulância está a caminho... 

  No saguão do hospital, ambiente claro, leve e florido, alguns médicos, enfermeiros e serventes caminham rumo às suas tarefas; outros, sentados folheando revistas e jornais, sendo pacientes ou familiares à espera. Eunice, de óculos escuro, entra, caminhando até o balcão da recepcionista, retirando o óculos: 

- Por favor, eu gostaria de saber informações de um senhor que deu entrada ontem. Não sei o nome, mas ele se envolveu numa briga de rua. Fui eu quem o socorri. 

 A recepcionista diz num sorriso: 

- Assim, acho que já sei de quem se trata. Só um momento. - Vai ao teclado do computador, faz algumas consultas e volta para informar Eunice. - Seu nome é Carlos e está no quarto 312. Passa bem, mas continua em observação devido a pancada na cabeça e outras complicações. 

- Que tipo de complicações? 

 A recepcionista responde em voz baixa e meia sem jeito, quebrando sua ética: 

- Ele é soropositivo... Mas, independente disso, se a senhora desejar, pode visitá-lo. 

- Não, não é necessário. Todavia, sou voluntária de alguns hospitais em minha cidade e gostaria de saber se é possível visitar e conhecer o hospital aqui de vocês... 

- Sim, com muito prazer. Aguarde só um minutinho que vou pedir para a assistente social lhe acompanhar... 

 E a recepcionista vai ao telefone. 

 Acompanhada por uma jovem assistente social, Eunice caminha pelas dependências do hospital observando as explicações. Passam por elas uma mulher de meia idade, representando uma paciente com ar de tristeza. A assistente social a cumprimenta: 

- Oi, Maria... Como tem passado? 

 Maria dá uma paradinha, respondendo desanimada: 

- Mais ou menos, estou ao Deus-dará... 

 Maria se vai. Elas continuam caminhando lentamente e Eunice comenta: 

- Ela me pareceu triste... 

- Realmente, ela tem todos os motivos para estar assim. Maria teve tuberculose e foi internada aqui conosco para tratamento. Está curada. Porém, sua família desapareceu e ela não tem condições, nem um nível de escolaridade e nem idade para recomeçar a vida sozinha... Então nós decidimos ficar com ela aqui no hospital até acharmos uma saída para o caso... 

 Eunice faz um comentário em voz baixa: 

- É deve ser uma situação bem triste... 

- Muito triste. Ser rejeitada pela própria família e abandonada no momento que mais precisa. Pode ser também que algumas famílias tenham atitudes como essa por medo de não saberem lidar depois com a pessoa, preferindo abandoná-la aos cuidados de pessoas mais capacitadas. Acho que se isso acontecesse comigo, eu nunca os perdoaria. E a senhora? 

- É uma situação difícil. Só passando para saber...  

 No final, de volta ao saguão, Eunice diz: 

- Agradeço a oportunidade da visita... 

- O prazer foi todo nosso. Quando quiser, nossas portas estarão sempre abertas. Volte sempre... 

 Despedem-se com três beijinhos. Eunice se vira para sair. Neste momento, dois enfermeiros entram empurrando uma maca onde está vó Cibele. 

- Por favor, abram caminho - pede um dos enfermeiros... 

 Eduardo e Lúcia, vindos logo atrás, dão de cara com Eunice. 

Todos demonstram surpresos. A moça exclama: 

- Mamãe, o que a senhora está fazendo aqui? 

  Minutos após, os três estão na lanchonete do hospital tomando um lanche. Eunice declara: 

- Fiquei curiosa para saber qual realmente é a gravidade do problema de seu pai... 

- E a senhora já tomou alguma decisão com relação a ajudá-lo ou não? - Quer saber Eduardo. 

- Estou pensando, meu filho... Ainda vou passar alguns dias por aqui para me decidir. 

- Se a senhora quiser, pode ficar lá na casa da vó Cibele com a gente. 

- Acho melhor não. Já estou hospedada num hotel e preciso mesmo é ficar sozinha para pensar. Aliás, gostaria que nem o pai e a vó de vocês soubessem que estou por aqui. Por favor... 

 Lúcia concorda desanimada: 

- Tudo bem mamãe.  A vó Cibele está mesmo muito mal. Acho que seria um choque revê-la... 

- Mas esse será um reencontro inevitável. Quem sabe, a partir dele poderei tomar a minha decisão? 

À noite, Eunice sentada na poltrona de seu quarto no hotel à meia-luz pensando, com olhar fixo no nada. Em sua mente voltando ao passado, repassaram algumas cenas de quando ela estava internada - durante o tratamento - dos momentos de solidão até quando ela saiu pelo o portão e não encontrou ninguém a sua espera. “Meu Deus, como eu sofri aquele período” - pensa com algumas lágrimas. Relembra quando estava chegando em frente de sua antiga casa e não encontrou ninguém. Volta a refletir: 

 “Não compreendia o porquê estava sendo abandonada. O que tinha de errado comigo? Por que um amor tão forte entre eu e o Carlos deu lugar a discriminação? Aliás, nesses últimos anos, quantas pessoas eu também não assisti sendo esquecidas nos hospitais e o meu consolo era ampará-las mesmo sem entender o por quê?” 

 Nesse momento, recorda-se de quando caminhava com a assistente social, pensando com um fundo de eco: 

 “Pode ser também que algumas famílias tenham atitudes como essa por medo de não saberem lidar depois com a pessoa, preferindo abandoná-la aos cuidados de pessoas mais capacitadas”.  

 Eunice indaga a si mesmo em voz alta: 

- Será esse um dos motivos de tanta discriminação? Dizem que o que passou, passou... Hoje é Carlos quem precisa de mim. E se eu lhe negar ajuda, não estarei cometendo o mesmo erro pelo qual fui vítima e sofri todos esses anos? - Passa a mão pelo rosto. - Meu Deus, o que eu faço??? 

 Toca o telefone e Eunice, tomando um pequeno susto, levanta-se para atender. Do outro lado é Lúcia: 

- Pronto... 

- Mamãe, aqui é Lúcia. Desculpe estar lhe incomodando a esta hora... 

- Tudo bem filha, não tem problema. O que houve? 

- É que a vó Cibele piorou muito e não para de chamar o seu nome. Desculpe, mas não deu para eu e o Eduardo deixar de dizer que a senhora está aqui na cidade. Ela quer muito falar com a senhora. Diz que é muito importante. A senhora vem? 

 Eunice faz uma pequena pausa, respondendo: 

- Quem sou eu para negar esse pedido. Claro filha, é só o tempo de me trocar e chegar até aí... 

 No quarto do hospital, vó Cibele, coberta por um cobertor, aparenta muito mal e dificuldades de falar. Lúcia e Eduardo estão ao seu lado. Eunice entra devagar e para, olhando a todos. Lúcia caminha até ela e segura em seus ombros. 

- Que bom que a senhora pôde vir... 

- Como ela está? 

- Muito mal... Acho que tem algo para lhe dizer. - Revela Lúcia, que olha para Eduardo, chamando-o: - Vamos... 

 Os dois saem. Eunice caminha lentamente até o leito, passa a mão na testa de vó Cibele, dizendo com ternura: 

- Como vai, dona Cibele?  

 Dona Cibele demonstra alegria ao revê-la: 

- Graças a Deus que você pôde vir. Mas como está bonita? 

- É bondade de sua parte... 

- Eu lhe devo um pedido de desculpas, minha filha, pelo que lhe fiz no passado. 

- Esqueça isso, dona Cibele. O passado não importa mais. O importante é que hoje estamos todos aqui juntos novamente.  

- Importa sim, minha filha. Fui uma das responsáveis pelo Carlos ter lhe abandonado no hospital. Dias antes de você ser internada, descobri que aquele grande amor que Carlos tinha por você não era bem assim. Ele mantinha um caso secreto com uma moça no serviço. Logo após você ir para o hospital, nós tivermos uma conversa... 

Neste momento, a mente de Cibele entra em uma espécie de flashback branco e preto, conversando com Carlos na sala da antiga casa: 

- Carlos, já estou sabendo tudo com relação à Joana... 

- Tudo o quê, mãe? - Indaga Carlos sem jeito. 

- O caso de vocês... 

 Carlos gagueja um pouco: 

- Mãe, entenda. Gosto muito de Eunice, da nossa família, mas aconteceu, e eu e Joana nos envolvermos naturalmente... Ela é uma mulher bonita, inteligente, envolvente... 

 Dona Cibele o interrompe: 

 - E sadia... 

- O que a senhora quer dizer com isso? 

- Eunice está lá no hospital. A sua doença pode ser fatal... 

- Mas o médico disse que... 

- Não interessa o que o médico disse. Para eles tanto faz assinar ou não mais um atestado de óbito. Eunice agora é uma doente. Que futuro ela pode oferecer a você e seus filhos? Aliás, se ela tiver futuro... Joana não. Ela está com tudo em cima. Poderá ser uma boa companheira para você e cuidar muito bem de seus filhos... 

- A senhora está sugerindo que... 

- Convide Joana para ser a sua companheira... 

- Mas e a Eunice? 

- A gente pensa em um jeito... 

 Voltando ao presente, no quarto do hospital, Dona Cibele continua relatando tudo à Eunice: 

- Ele mesmo, após falar com a Joana, teve a ideia de mudar e abandonarmos você. Foi o que aconteceu. As crianças eram pequenas, não entendiam nada. Dissemos a elas que você havia ido para o céu e que o papai precisava de se casar de novo para eles terem uma nova mamãe. 

 Eunice, deixando as lágrimas rolar, faz uma pequena pausa, rompendo o silêncio e pergunta com dificuldade: 

- Eles viveram muito tempo juntos? 

- Quase dez anos, até que...  

 Dona Cibele interrompe a fala. Eunice percebe e insiste: 

- Pode falar, Dona Cibele... 

 - Até que ela descobriu o envolvimento de Carlos com outras mulheres, não suportou a traição e partiu sem deixar notícias. Ele continuou mulherengo e se envolveu com bebidas, até que adquiriu o virus HIV, que agora está se desenvolvendo. 

- É, eu já sei... 

- Eu já estou sem forças. Carlos precisará de alguém para apoiá-lo nesses seus últimos tempos... - Vira o rosto para Eunice, e já sem forças, pede: - Gostaria de pedir o seu perdão. E por favor, ajude-o... 

 Cibele deixa a cabeça cair, falecendo. Eunice, novamente em lágrimas, passa a mão na cabeça dela com ternura, dizendo: 

- Está perdoada, dona Cibele. Descanse em paz... 

 E lhe dá um beijo na testa.  

Em seu consultório, um médico assina alguns papéis, quando uma enfermeira entra para anunciar alguém: 

- Doutor, há uma senhora aí fora querendo conversar com o senhor... 

- Tudo bem, pode mandar entrar. 

- Com a sua licença... 

A enfermeira saí, entrando Eunice. 

- Com licença doutor. Gostaria de conversar com o senhor sobre um de seus pacientes. 

- Pois não, minha senhora. Por favor, sente-se - diz o médico que aponta a cadeira com a mão. 

 Eunice, após sentar-se, continua: 

- Obrigada. Como eu ia dizendo, é com relação ao estado do senhor Carlos... 

- O que a senhora é dele? 

 Eunice faz uma pausa pensativa, respondendo: 

- Bem, sou esposa dele... 

- Então a senhora deve estar ciente da realidade... 

- Mais ou menos doutor. É que estamos há um tempo separados. Agora, gostaria que o senhor não me escondesse nada. Por favor... 

- Infelizmente o quadro clínico do senhor Carlos não é dos melhores. Como a senhora já deve estar sabendo, ele é soropositivo. 

- Sim, já estou a par desse fato... 

- Seu quadro inspira bastante cuidado. Não posso afirmar com certeza, pois ainda estamos fazendo os exames, mas segundo consta, pela falta de imunidade no corpo, seu Carlos adquiriu tuberculose... 

 Eunice toma um choque, demonstrando surpresa: 

- Como!? Tuberculose... 

- Isso é comum quando uma pessoa com AIDS atinge a fase avançada, adquirindo outras doenças. Até algumas décadas atrás a tuberculose era o grande mal que desafiava a medicina e a ciência, sendo efetivamente grave para a população em geral. Hoje com a sua quase extinção e, consequentemente, o desaparecimento das preocupações e cuidados advindos das implicações clínicas e sociais existentes quase não há mais... Atualmente a tuberculose só existe como doença oportunista da AIDS. Isoladamente, quando aparece, tem o seu tratamento com a regressão do quadro clínico imediato. 

- Podemos dizer que a tuberculose no caso de Carlos, pode ser fatal? 

- Sendo sincero, digo que talvez! Como eu já disse, estamos tendo um aumento muito significativo de casos de tuberculose ligados à infecção pela AIDS. Mas quando ela é acoplada, nosso primeiro passo é assumir todos os cuidados e exigências preventivas, curativas, sociais e psíquicas ligadas à síndrome. Faremos tudo o que estiver ao nosso alcance...  

- Entendo doutor - diz Eunice dando uma respirada. - Como eu já lhe disse, há muito tempo estou separada do meu marido. Durante esse tempo, trabalho como voluntária em hospitais e já deparei com inúmeros casos desse tipo... Agora meus filhos me pedem para vir apoiá-lo. E preciso tomar uma decisão. 

- Então a senhora está bem consciente da realidade do senhor Carlos e sabe que o melhor remédio neste caso, é o apoio de todos e principalmente da família. Ele precisará muito de vocês...   

- Sim, estou consciente doutor... 

- E já tomou uma decisão sobre a atitude que a senhora irá tomar? 

 Eunice respira fundo para responder: 

- Já... 

  No quarto de Carlos, ele está na cama, com Lúcia e Eduardo, um de cada lado o acariciando. Eunice caminha de braços cruzados e observa-os. Carlos a olha, dizendo: 

- Pensei que nunca mais iria reviver esta cena. Nós quatro aqui reunidos. 

- Pois é, a vida tem dessas coisas, Carlos - comenta Eunice. 

- Eunice...? 

- Sim... 

 Carlos a olha por algum tempo, falando em seguida com certa ternura: 

- Obrigado por não me abandonar no momento que mais preciso de você. Aliás, de todos vocês. 

 Eunice dá-lhe apenas um sorriso. Depois vira-se para o outro lado, pensando consigo: 

 “Pois é, Dona Eunice, a vida tem dessas coisas. Tantos já precisaram de mim, e sempre estive pronta a ajudar. E com Carlos não poderia ser diferente. Sei que daqui para frente, o fantasma da morte poderá algumas vezes nos rodear, mas juntos teremos forças para vencer. Importante agora é devolvermos a Carlos novamente a alegria de viver. Todos nós precisamos ter em mente que a morte não é algo exclusivo de quem a tem pré-anunciada. Por isso, precisamos viver a cada segundo como se fosse o último”. 

FIM

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem