NAMORO AO PÉ DA ÁRVORE - Emílio Figueira / Set. de 2001 - Técnica: Aquarela sobre sulfite
“Em uma província longínqua, num tempo muito remoto que não ficou registrado nas páginas da história universal, a vida passava tranquilamente. Os homens cumpriam todas as suas obrigações quase que monótona e mecanicamente. Como lá não existiam mulheres, os homens satisfaziam suas necessidades afetivas ao se casarem com rosas.
“O que não faltavam por lá eram as roseiras… Brotavam por todas as partes. E havia rosas de todos os tipos: as rotineiras, normais e cotidianas; as simples, trabalhadeiras e de vidas sofridas; as de atitudes e as acomodadas; as educadas, estudadas e as estouradas e sem juízo; as reservadas e as descoladas; as donas de casa; as interessantes; as chiques e as relaxadas; as aventureiras e as românticas. Enfim, seja qual for o estilo, eram todas rosas simples, pois se deixavam viver cada qual ao seu modo!
“Havia ali um moço educado, fino, estudioso e lutador. Mesmo com toda a sua sensibilidade, nunca cruzou com uma rosa que reconhecesse nele um potencial de jardineiro. Em certa altura de sua vida, olhou para uma montanha perto de sua província. Embora bela, florida e de muito verde, soube que ninguém até ali se atreveu em escalá-la. Uma força interna, contudo, o desafiou a subi-la. Não mediu esforços e nem consequências. Simplesmente foi.
“Com toda àquela altura, o moço não se cansava na caminhada. As horas passaram e, ao se dar por si, estava no topo. Um local totalmente desconhecido, nunca antes pisado. Tudo era lindo e harmonioso. Ao olhar o lago cristalino, teve sede. Ao se agachar para beber, notou algo fascinante. Uma rosa rara e de beleza indescritível aos olhos de qualquer poeta. Ela descansava serenamente à beira do lago. Ao olhá-la, a rosa rara virou o rosto. Mas o moço, ante o fascínio, sentou-se e não parou de fitá-la. A rosa, ficando desconsertada, respondeu num discreto sorriso. Conversaram por alguns momentos, mas o chegar da noite se anunciava e o moço teve que descer a montanha.
“No outro dia, uma força maior novamente o levou o para lá. A rosa rara estava no mesmo lugar. Descontraidamente, conversaram muito, momento em que as palavras pareciam uma valsa esquecida. E assim foi por dias seguidos. Sentiam-se bem e à vontade um com o outro. Fascínio nos olhos também havia. E, quando não ocorriam os encontros diários, um já sentia a falta do outro. A rosa era tão rara, que há muito tempo preferiu viver solitária e isolada. Fechou-se para os outros, mas aquele moço era diferente para ela. Mesmo que ela não entendia o porquê de tantos porquês! Os sentimentos, às vezes, precisam ser assim mesmo, sem ser entendidos, apenas vividos.
“O moço passou a desejar a rosa rara como sua companheira. Mesmo seguro de seus sentimentos, não lhe cobrava e nem lhe pedia nada em troca. Sabia que precisaria de paciência para realizar esse sonho. Sua rosa rara necessitava de ter o seu tempo respeitado para se permitir. E o tempo foi realmente o senhor de todas as coisas.
Um lindo dia de sol, a rosa rara, envolvida por um sentimento maior que ela, decidiu descer a montanha com o moço. Não só a montanha física. As montanhas de seus medos, de suas inseguranças, de seus receios. Libertou-se de opiniões alheias das plantas daquele lindo jardim isolado. Dos fantasmas de seu passado que somente ela conhecia. Todos esses sentimentos deixaram de habitar o seu coração. Agora, havia espaço para um amor realmente verdadeiro e sólido.
“Na província, a rosa rara não era rara aos olhos de todos. Mas pelo resto da vida, ela nunca deixou de ser rara ao coração, aos olhos e na vida de seu amado!”
De volta ao presente, o rapaz fecha o livro, medita por alguns segundos dentro daquela sala solitária. A chuva lá fora parece uma canção. Até que, ao abrir um sorriso, diz a si mesmo: “Eu também sou capaz de um dia buscar a minha rosa rara!”.