RECORDAÇÕES CARIOCAS

RELEITURA DE MONET - Emílio Figueira / Nov. de 2000 - Técnica: Óleo sobre tela. Med. 1,00 x 1,20

  Vinte e quatro de dezembro. Lúcio foi passar a noite de Natal na casa de sua tia, que morava em São Gonçalo, no Estado do Rio de Janeiro. Fazia tempo que não ia mais lá. Uns dez anos, aproximadamente.

Durante todo o dia, chegaram muitos parentes.

A casa ficava em uma ruela formada por casas padronizadas, sendo sete de cada lado. Todas pintadas de verde e contornadas por uma faixa branca, tendo uma janela na fachada, um portão ao lado que dava acesso ao quintal dos fundos e uma varanda toda azulejada com uma mureta coberta por mármore. A calçada tinha uns 80 cm. Depois, tinha um rebaixamento formando uma ruazinha de uns três metros até o outro lado. Ali, não transitavam carros e, no centro da vilinha, havia um enorme poste de ferro com duas luminárias.

As mesas foram colocadas na rua em frente à casa de sua tia. Muita animação. Faltavam quinze minutos para meia-noite. Lúcio sentou-se na mureta da varanda para apreciar a tudo e a todos. Ao olhar a casa da frente, aparentemente vazia, algumas imagens foram liberadas de seu subconsciente, trazendo velhas lembranças há algum tempo esquecidas.

Elas se referiam ao último Natal em que passou ali. Naquela casa diante de seus olhos, morava uma menina chamada Carla. Certo dia, sentado naquela mesma mureta, numa tarde de sol, ele viu quando ela saiu em sua varanda para observar os meninos na rua. Na ocasião, Carla o cumprimentou quando seus olhares se cruzaram. Ali, nasceu uma linda amizade e muitas conversas.

Lúcio achava sempre muito bom dialogar com ela. Havia algo que os atraía. Ele contava com 17 anos e a jovem com 15 primaveras.

Um dia, Carla o convidou para ir a uma praia distante. Só os dois! Sentados na areia, olhavam o mar, tudo era bonito. E, naquele clima, surgiu o primeiro beijo entre eles. Tudo se tornou um romance bonito e puro.

Até que as férias se acabaram e ele teve de partir. A despedida foi muito difícil, mas o rapaz partiu prometendo voltar e dizendo que escreveria para ela de algum lugar. Um último beijo aconteceu.

Lúcio logo conheceu outras garotas e mulheres que lhe ofereciam novas e as mais fascinantes aventuras, o que o fez julgar Carla como um ex-caso qualquer. Para que haveria de perder tempo escrevendo para ela?

Só que, naquele momento, sentado na mureta da mesma varanda de sua tia, ele percebeu que todas as mulheres que teve não significaram nada. Com Carla, sim, ele teria tido uma vida diferente, mais séria e feliz.

Apesar de movido pela nostalgia, não tinha no momento coragem de perguntar para sua tia por onde Carla andava. Afinal, para onde sua família havia se mudado e o que tinha sido feito de sua vida? Depois daquelas férias, seu Natal nunca mais foi o mesmo. Sempre faltava algo, sentia isso mesmo que inconscientemente!

Começou a tocar “Happy Xmas”, de John Lenonn. Os segundos avançavam e deu meia-noite. Muitos cumprimentos e alegrias por parte dos convidados presentes.

Motivado pela ocasião e por aquela saudade, Lúcio começou a chorar, mesmo que disfarçadamente.

De repente, sua tia apontou para o início da rua, de onde vinha um casal de mãos dadas e gritou:

– Olha lá, a Carla, filha de uma ex-vizinha minha.

Ele foi surpreendido com aquela imagem. Ela veio passar o Natal na casa de alguns parentes que moravam ali perto e resolveu passar na sua antiga rua para cumprimentar os velhos conhecidos.

Surpreso, Lúcio ficou no mesmo lugar. Após os cumprimentos, sua tia os deixou próximos e o perguntou se ele se lembrava daquelas férias.

Carla estava muito bonita, uma mulher atraente. Sorriu para Lúcio meio num “como vai?” e, sem jeito, apresentou-o ao seu marido, como se Lúcio fosse apenas um velho conhecido, o que ele realmente passou a acreditar que foi.

Começou a tocar uma música romântica e todos foram dançar. Como tudo era festa, um dançava com a parceira do outro. Aproveitando-se disso, Lúcio tirou-a para dançar.

A música, como num passe de mágica, os permitiu voltar ao passado.

– Fiquei esperando a sua carta, Lúcio. 

– Não pude escrever – mentiu.

Ele começou a se levar pelo fascínio de seu olhar. Não queria nunca que aquela dança parasse. Foi duro vê-la ali em seus braços sem poder beijá-la, pois seu marido estava por perto e, além de que, ela não mais lhe pertencia. Tomou coragem e comentou: 

– Se eu pudesse ter mais uma chance...

– Agora sou uma mulher casada – disse olhando em seus olhos.

– Não faz mal... Quem sabe quando você estiver velhinha e viúva, sentada numa cadeira de balanço, à beira de uma varanda, fazendo tricô, você pense em mim. E se um idoso bater a sua porta na noite de Natal, atenda. Quem sabe serei eu pronto a dizer: afinal, Feliz Natal!

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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