UMA QUESTÃO DE ATITUDE

DESENHO GRÁFICO SEM TÍTULO – Emílio Figueira / 1990

Uma surpresa inesperada. Essa frase até parece uma redundância, mas foi realmente o que aconteceu. Como numa velha rotina, o meu relógio biológico me acordou. Olhei o despertador na cabeceira e percebi que era mesmo o horário de me levantar. Caminhei mecanicamente para o banheiro, rumo ao encontro matinal com a escova de dente e a água no rosto. 

Nada de anormal naquela rotina se ela não tivesse sido interrompida por um toque na campainha. Enxuguei o rosto com pressa e, ainda com a toalha enxugando as mãos, caminhei para a porta da frente. Dei duas voltas na chave, permitindo-me acesso ao mundo exterior. Lá, um homem estava caído na soleira. Corri para ver quem havia tocado a campainha, mas não havia ninguém além daquele homem caído no corredor. Deduzi que o ele próprio tivesse tocado e caído em seguida. Agachei-me, tocando-lhe com as pontas de meus dedos, concluindo que aquilo não seria possível. Aquele corpo estava frio e rígido: alguém que havia falecido há várias horas... E defuntos não tocam campainha.

Voltando para dentro de minha residência, caminhei rumo ao telefone, pois precisava avisar a polícia, mas aquela caminhada nunca foi tão longa como naquele momento. Inúmeras indagações invadiram minha mente: Quem tocou a campainha? Quem era aquele homem morto? Como explicar para polícia que minha campainha fora tocada por alguém que sumiu como fumaça? Explicar que, em vez do meu jornal, recebi um defunto em minha porta pela manhã... E se eu ainda fosse responsabilizado por homicídio ou por estar contando uma história maluca?

Tive que vencer todas essas interrogações no momento de discar 190, surpreendido por alguém me indagou do outro lado da linha: “Central de Polícia, em que posso ajudar-lhe?”.

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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