Capítulo 9 - OS INCÔMODOS POLÍTICOS

  Uma região de muita pobreza e miséria, onde de tempo em tempo a seca assola todo o Nordeste. Nessas épocas as paisagens são desoladoras, onde só se vê caatingas, açudes secos, esqueletos de bois, cactos, poeira cinzenta e o mais triste de tudo: pessoas esquálidas e doentes, procurando e tentando com as autoridades alguma coisa para comer. Uma área que convive com uma vegetação bastante heterogênea composta de árvores como o juazeiro e imbuzeiro, as cactáceas como o xiquexique e mandacaru e a família de ervas ou plantas rasteiras, as bromeliáceas, como por exemplo, o caroá e a gravatá. Na região os solos normalmente rasos e arenosos e com clima de baixa pluviosidade. 

O movimento “Cristãos Sem Bandeiras” chegou à região com muita força. Certo dia, ouviram da boca de um morador:

- Droga de vida onde o pobre nunca tem vez. 

O pessoal do movimento começou a levar comida, combatendo a carência de alimentos no organismo por períodos prolongados, causando sensações de desconforto e dor, significando Fome, cujas principais consequências são a desnutrição, devido à falta de nutrientes, proteínas e calorias, o Raquitismo, devido à carência de Vitamina D, a Anemia, provocada pela ausência de Ferro e Vários Distúrbios e doenças causadas pela falta de Vitaminas A e do Complexo B. A pior de todas as consequências é quando todos estes estágios chegavam a um limite, levando o indivíduo à morte.

Só que o movimento também começou a proporcionar o acesso ao uso da água, com o aproveitamento da água acumulada nas grandes represas, açudes e barreiros, perfuração de poços, construção de barragens subterrâneas, de cisternas rurais, por parte da população excluída.

Tudo isso passou a incomodar a “Indústria da Seca”, termo utilizado para designar a estratégia de alguns políticos que aproveitavam essa tragédia na região nordeste do Brasil para ganho próprio. O termo começou a ser usado na década de 1960 por Antônio Callado que já denunciava no jornal Correio da Manhã os problemas da região do semiárido brasileiro. O golpe da Indústria da Seca, enquanto os pobres passam fome, quase todos os grandes proprietários conseguem financiamento do governo. Espertos, aplicam em outros setores não agrícolas. Depois os grandes jornais e a televisão noticiam a tragédia da seca. Essa leva a culpa da morte das plantações que nunca existiram. Os proprietários não pagam suas dívidas, usando a seca como uma espécie de seguro, pois diante de acidentes naturais não há como cobrar dívidas...


Os problemas sociais no chamado “polígono da seca” eram bastante conhecidos por todos, mas nem todos sabiam que não precisava ser assim. A seca em si, não é o problema. Países como EUA que cultivam áreas imensas e com sucesso em regiões como a Califórnia, onde chove sete vezes menos do que no polígono da seca, e Israel, que consegue manter um nível de vida razoável em um deserto (Negev), são provas disso.

A Indústria da Seca é movida por um ciclo vicioso que remonta ao período colonial e à primeira república, quando era comum o favorecimento das elites pelas ações governamentais, sobretudo nas compensações eleitoreiras.

Contudo, nesta região, a peculiaridade recai sobre o fato de a água ser uma forte moeda de troca, muito mais valiosa do que qualquer outra. Com efeito, os políticos interessados aproveitam francamente da tragédia da seca na região nordeste e se beneficiam a olhos vistos.

Ora, sabemos que esta é mais uma forma de manter o voto de cabresto para comprar votos, reforçando um regime de clientelismo conhecido como coronelismo. De fato, estas elites locais manipulam a distribuição das verbas concedidas pelos fundos de combate às secas, remanejando as pessoas e propriedades de seus interesses, geralmente onde possuem redutos eleitorais, afilhados e parentes.

Nesse processo, é muito comum o desvio de verbas e o superfaturamento, praticados com o uso de enormes quantidades de verbas públicas para custear a contratação de empreiteiras, geralmente ligadas às referidas elites.

No outro lado estão os empresários, que se beneficiam dos créditos especiais oferecidos, além das renegociações e condições facilitadas obtidas por aqueles que declaram falência ou moratória, ocasionadas devido aos prejuízos da seca. Assim, todos conseguem seus favores políticos e fazem esta engrenagem girar.


Toda a ação do movimento “Cristãos Sem Bandeiras” passou a mudar a Cultura de Doação, indício da maturidade e evolução da consciência coletiva de uma sociedade de um país, onde pessoas possuem o entendimento de que elas também são parte da transformação positiva da sociedade, responsáveis para que essa transformação aconteça. 

Só que isso começou a incomodar velhos caciques políticos nordestinos que se beneficiavam da Indústria da Seca. Alguns homens mal-encarados e até armados, apareciam do nada para ameaçar àqueles voluntários que distribuíam todo tipo de ajuda.

Mas o pessoal do movimento “Cristãos Sem Bandeiras” não se intimidou. Pelo contrário, começaram a usar as redes sociais e blogs para denunciar as ameaças e seus possíveis mandantes. O Ministério Público entrou no caso. Toda a população das localidades começou a proteger e dar suportes para que os voluntários continuassem a missão. Mais do que isso, Clubes de Motoqueiros entraram no movimento, ajudando a levar doações para moradores de todas as regiões nordestinas.


O movimento também chegou a Região Norte do Brasil, onde as igrejas evangélicas se multiplicavam consideravelmente na maior em extensão territorial, formada por sete estados: Amazonas, Pará, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e Tocantins. Lá localiza-se a Floresta Amazônica, a maior floresta tropical do mundo; o rio Amazonas, o maior do mundo em extensão; a Bacia Amazônica, a maior bacia hidrográfica do mundo; e Pico da Neblina, o ponto mais alto do Brasil.

Povos ribeirinhos são os habitantes tradicionais das margens dos rios, em condições oferecidas pela própria natureza, adaptando-se aos períodos das chuvas. Tendo a pesca artesanal como principal atividade de sobrevivência, cultivam pequenos roçados para subsistência (consumo próprio) e práticas de atividades extrativistas.

O agroextrativismo ocorre quando atividades como a agricultura, cultivo de árvores frutíferas, pesca etc., combinam-se com atividades extrativistas gerando o que se chama de conjunto de sistemas complexos de produção agroextrativista. Porém, a viabilidade econômica dessas atividades depende muito das oportunidades de comercialização que variam de acordo com cada cultura.

As políticas mais importantes para isto são as de apoio (sobretudo assistência técnica, crédito para investimento, beneficiamento e comercialização), a pesquisa de tecnologias de produção e industrialização, ampliação da infraestrutura e organização dos produtores. Uma maneira de melhorar os sistemas agroextrativistas é adicionando valor por meio do processamento local de produtos como o óleo de copaíba, o açaí e buriti, a castanha-do-brasil etc. 

Nessa região, como nas demais do país, faltavam várias escolas. O Ministério Público, cansado de cobrar governantes locais sobre isso, teve uma ideia inspirada no movimento “Cristãos Sem Bandeiras”, começou a pedir doações de materiais de construção, acabamento e mobiliários a empresários, comerciantes e pessoas em geral. De posse deles, convocou a população de cada localidade para mutirões de mão de obra. Vários prédios escolares foram erguidos em diversas cidades e em aldeias indígenas. Tendo os prédios prontos, aí sim, Ministério Público conseguiu que esses governantes mantivessem funcionários, professores, materiais, merendas, transportes escolares e verbas de manutenção para o funcionamento dessas escolas!


Nas grandes cidades, hoje chamadas de Comunidades – as antigas chamadas favelas! -, o movimento também se proliferou, tanto pelas mãos de seus próprios moradores, de ongs e projetos sociais, quanto de voluntários cristãos moradores de bairros de classe média. Com a ocupação urbana crescente, os investimentos em infraestrutura não foram suficientes e, consequentemente, a população buscou espaços deixados de lado pela urbanização formal, o que deu origem às favelas brasileiras. Muitas são ocupações irregulares de terrenos públicos ou privados ou, ainda, em áreas não recomendadas para moradia, os chamados locais de riscos, como encostas e morros muito altos.

Certa vez, o pessoal do movimento “Cristãos Sem Bandeiras” ouviram da boca de um respeitado pastor que há décadas fazia um sério trabalho de evangelização e caridade nos morros cariocas:

- A maioria dos livros teológicos, pregações e congressos no Brasil, são todos fortemente moldados pelas teologias americanas. Aliás, eles falam tanto de cristianismo, mas lá passam de sessenta mil pessoas vivendo nas ruas, das quais vinte cinco mil são crianças. Onde fica a caridade norte-americana? Por aqui poucos sabem da nossa realidade. O que nós pastores dessas comunidades passamos do caminho de nossas casas até a igreja. De como temos que consolar pais e famílias nos enterros de crianças, jovens e adultos vítimas de balas perdidas. De como é falar do amor de Jesus para pessoas que acordam e nem sabem se naquele dia elas terão o que comer.

Mesmo com boa intenção, muitos voluntários encontravam resistência de traficantes que dominavam essas comunidades, lugar de comando ocupado pela ausência de poder e de políticas públicas. Outras vezes eram impedidos por falsos líderes religiosos locais, muitos que usavam suas igrejas nos morros para lavar dinheiro do tráfico ou de políticos aliados, fazendo dali seus currais eleitorais. Mas a missão precisava continuar...

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Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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