ENCONTRO NÃO MARCADO

DESENHO GRÁFICO - Emílio Figueira / outubro de 1999


A sala está iluminada, um típico apartamento no Rio de Janeiro. Em um canto está a máquina do tempo, alta. Ao seu lado está uma mesinha com ferramentas. Há sofás, tapete, quadros na parede; em outro canto uma escrivaninha com um computador; uma mesinha de centro com telefone e uma outra com uma televisão, estantes de livros, enfim, tudo o que uma sala de classe média pode ter.

  Sérgio um rapaz anos 90. Usa jeans, tênis e camisa por fora da calça. Cabelo com rabo de cavalo e bem barbeado. É estudioso, gosta de inventar máquinas malucas e é apaixonado por literatura. Entra à sala com um livro aberto nas mãos estudando algo, caminhando lentamente até a máquina do tempo. Coloca o livro em cima da mesinha, onde estão algumas ferramentas, pegando uma delas, fazendo fazer alguns ajustes. Enquanto trabalha, diz a si mesmo como se estivesse pensando alto: 

-  Está quase pronta. Mais alguns ajustes e minha máquina do tempo estará concluída. Em breve poderei viajar através das épocas e, sobretudo, conhecer pessoas importantes de nossa história. Já pensou? Irei conhecer pessoalmente os meus autores preferidos...

Por um bom tempo, ele continua trabalhando, até que soam doze badaladas de um relógio. Sérgio, olhando para o relógio em seu pulso, diz:

- Já são meia-noite. Vou dormir, pois amanhã será o grande dia. Brevemente irei concluir a minha grande invenção.

Ele larga as ferramentas e vai para seu quarto. À sala, a máquina tem um curto-circuito, começa a fazer sons, funcionando sozinha. De repente, um estouro e começa a sair de dentro dela Lima Barreto, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade. Todos vão fazendo gestos de assustados, olhando uns para os outros, mudos e se posicionando pela sala.

- O que está acontecendo aqui? - Vai acender a luz no interruptor e ao vê-los se assusta: - Quem são vocês!? – Questiona Sérgio, entrando à sala.

- Só sei que chegamos até aqui através daquilo ali – responde Lima Barreto, apontando para a máquina.

Sérgio vai até a máquina e após examiná-la, diz:

- Meu Deus! Acho que não desliguei a máquina direito e ela ficou funcionando por conta própria. – Faz uma pausa: - Mas espera aí, a máquina era preparada para me levar até o passado. - Continua a examiná-la: - Já sei, houve um aquecimento muito grande e ela se autorreprogramou, trazendo os senhores até aqui. - Larga a máquina e se vira para eles: - Mas a final, quem são vocês?

- Sou Lima Barreto.

- Sem falsa modéstia, sou o modernista Oswald de Andrade.

- Bem, após tanta gente famosa, só me resta dizer que sou Manuel Bandeira.

Sérgio surpreso com brilho nos olhos:

- São famosos escritores do passado...

- Exatamente... Porém, meu chapa, pode nos explicar o que está acontecendo?

- E por que o senhor disse famosos escritores do passado? – Questiona Manuel Bandeira.

- Calma, posso explicar. Sou um inventor e estamos no ano de 1997. Criei uma máquina do tempo na intenção de eu ir até o passado conhecer todos os senhores. Todavia, o processo entrou em curto e em vez de eu ir, os senhores vieram para minha época.

Oswald de Andrade dá uma gargalhada: 

- Então o senhor quer nos convencer que entramos nessa máquina e viajamos no tempo? Prove...

Neste momento, a máquina começa a funcionar e sai de dentro dela outra pessoa. Todos exclamam em coro:

- Machado de Assis!!!

O velho escritor, tirando a poeira do corpo, responde-lhes: 

- Em pessoa. Algum dos senhores pode me dizer o que está acontecendo?

- Alguém, por favor, explique a ele, pois preciso pôr a minha cabeça em dia... – pede Sérgio confuso.

Lima Barreto toma a palavra, apontando para Sérgio: 

- Esse maluco aqui inventou uma tal máquina do tempo e nos trouxe até 1997.

- Não...! – Exclama Assis espantado.

- Sim...! – Responde todos em coro.

- Tá, tá, tá bom. Digamos que tudo isso seja verdade. A realidade é que precisamos voltar para onde viemos... – Observa Oswald de Andrade.

- Mas tudo isso é verdade, senhor Oswald – diz Sérgio: - Agora só preciso da compreensão e paciência dos senhores até eu consertar a minha máquina e enviar todos de volta.

- E o que ficaremos fazendo enquanto isso?

- Que tal um uísque, Bandeira? – Sugeri Oswald.

- Tem ali na estante – aponta o inventor.

Oswald De Andrade vai se servir. 

- Acho que vou lhe acompanhar, meu camarada – fala Barreto que vai até Oswald: - Acredito já que vamos passar algumas horas juntos, posso lhe chamar assim, pois não!?

- Sim, por favor, meu caro, fique à vontade...

- Por favor, acomodem-se... – Diz o dono da casa. Todos se sentam pelos sofás, menos Sérgio, que pensa um pouco. Ele pega o telefone na mesa de centro, ligando para alguém:

- Alô, Luíza, olha, estou precisando de um favor urgente de sua parte. Não, eu não posso lhe explicar por telefone... Por favor, venha pra cá. É urgente. Tá, tá bom, estou esperando. – Desliga: - Pronto, tem uma pessoa a caminho que irá nos ajudar. Ela mora aqui no apartamento ao lado.

Minutos depois toca a campanhia e Lima Barreto se assusta:

-  O que é isso?

- Calma, é só a campanhia avisando que chegou alguém - responde Sérgio, caminhando até a porta: - Já vai. Já estou indo.

Entra Luíza. Professora de literatura brasileira, ela faz o gênero da moderna moça intelectual. Cabelo chanel, óculos, roupas simples, mas que a deixa sempre bem à vontade e charmosa. Comunicativa e bem-informada, a moça caminha até o centro da sala, questionando:

- O que é isso, Sérgio?

Sérgio apontando a todos: 

- Veja você mesma...

- Uau, você não me disse que iria dar uma festa a fantasia... – diz Luiza, sorrindo.

- Isso não é uma festa, Luíza. Lembra-se daquele meu projeto da máquina do tempo?

- Sim, lembro-me...

- Pois é, de certo modo, ela deu certo.

Luiza dá uma gargalhada: 

- Tá bom, você quer que eu acredite nisso, Sérgio...?

Oswald De Andrade aproxima-se: 

- Pode acreditar, senhorita. O que o seu amigo está dizendo é verdade. Nós mesmos já estamos acreditando nisso...

- Bem Luíza, não importa se você acredite ou não – diz o inventor: - O que preciso de sua parte, é que você faça companhia a eles enquanto conserto a minha máquina para enviá-los de volta.

- Tudo bem... – A moça se senta em uma poltrona entre eles: - Eu aceito a brincadeira.

Sérgio caminha até a máquina e começa a consertá-la. Luiza olha para todos eles com curiosidade e fixa olhar em Machado de Assis: 

-Então o senhor acredita ser Machado de Assis...?

- Desculpe-me senhorita, mas eu realmente sou Machado de Assis.

- Conte-nos um pouco de sua vida, grande mestre – sugere Oswald: - Quem sabe assim ela acredita em nós.

- Grande mestre é bondade de sua parte, senhor...?

- Oswald de Andrade...

-Sim, senhor Oswald... Mas como eu ia começar a contar, minha vida é simples, isso que atualmente todos estão escrevendo nos jornais quando querem falar de minha pessoa. Nasci pobre no Livramento aqui no Rio de Janeiro. Moleque de morro, simples, moreno, franzino e doentio. Meu pai era mulato, Francisco José de Assis, pintor de parede. Minha mãe era portuguesa, Maria Leopoldina. Infelizmente, fiquei órfão muito cedo. Meu pai casou-se novamente.

- Então o senhor foi criado por uma madrasta? – Questiona a moça.

- Sim, mas contrariando toda as lendas com relação as madrastas, tive uma imensa sorte. Maria Inês, substituiu com cuidados e carinhos a minha mãe verdadeira, mesmo com a partida de meu pai logo em seguida ao segundo casamento. Cresci ao seu lado. Ela era lavadeira e doceira, cujas balas e doces eu vendia na porta dos colégios que não pude frequentar.

Manuel Bandeira pergunta em um sorriso: 

-E quando realmente começou o interesse do senhor pela literatura?

- Até os meus dezesseis anos, quando consegui publicar meu primeiro trabalho, a vida, posso dizer, passou em brancas nuvens.

-Ou melhor dizendo, no mundo, cinzento e amargo, de um menino pobre que cedo decidiu ser escritor...

- Exato... Mas como a senhorita sabe disso?

- É que sou professora de Literatura Brasileira e estudei a sua vida. Por favor, continue o seu relato. Este papo está começando a ficar interessante.

- Então, como eu ia relatando, aos dezesseis anos consegui uma espécie de padrinho, coisa que não tive na infância. Paula Brito, era dono de uma tipografia e livraria e decidiu publicar um de meus sonetos na Marmota Fluminense. Não era um dos meus melhores poemas, mas se chamava Ela. Após dois anos ele me contratou para trabalhar em sua loja. Se me permitem - se levanta e começa a caminhar lentamente pela sala: - Eu corrigia originais, fazia revisão de texto e, nas horas vagas, trabalhava como caixeiro, vendendo livros.

Sérgio trabalhando na máquina:

- Desculpe eu interromper a conversa dos senhores, mas segundo consta, o senhor também frequentou várias rodas de intelectuais.

- É verdade, meu jovem. A minha presença naquela livraria facilitou-me alguns contatos úteis com gente importante. E foram essas pessoas, por sua vez, que me abriram novas portas, dando-me a oportunidade de continuar publicando os meus escritos em diversos jornais e revistas. Bastou-me a dedicação, muita leitura para ir aperfeiçoando meus escritos e acertando o passo.

- E quanto ao seu casamento? Esse é um bonito trecho de sua vida...

- A senhorita tem razão – alegra-se Machado: - Casei-me em 1869. No começo foi difícil. Não era mais um joão-ninguém, trabalhava em jornais, frequentava rodas de intelectuais e já tinha meu emprego público. Mas era mulato, pormenor imperdoável para a família de Carolina, - com um pouco de raiva - aqueles portugueses preconceituosos. Ela era irmã do poeta português Faustino Xavier, que viera ao Brasil em uma viagem cultural, mas decidiu ficar por aqui e trazer a sua irmã. Apaixonamo-nos. Tive que lutar muito contra essa oposição de sua família, mas o amor venceu e tivemos uma feliz união que durou trinta e cinco anos, exceto com a ausência de filhos, até que - abaixa a cabeça e senta-se - ela faleceu à pouco.

- Perdoe-me insistir, mas nos fale mais sobre Carolina – pede Barreto.

- Posso lhes afirmar que o meu casamento não modificou os meus hábitos. Pelo contrário, reforçou o meu espírito caseiro, sempre tive horror a agitações. Minha casa era simples, bem-organizada por Carolina. Solícita, em tudo me auxiliava, desde costurar as minhas roupas, até servir-me de secretária, passando a limpo meus originais, sugerindo aqui, ali, uma mudança de palavras, uma correção gramatical. Carolina e eu podemos dizer que pertencíamos àquela espécie rara de casais felizes, daquela felicidade que poucos de meus personagens tiveram. 

Machado entristece e Manuel Bandeira faz a seguinte consideração:

- Porém tudo tem a sua recompensa. Aquele menino pobre do morro do Livramento, alcançou a glória da Academia Brasileira de Letras, a qual ajudou a fundá-la e foi aclamado presidente perpétuo. Hoje, uma grande estátua de bronze do senhor, guarda a nova sede da Academia que, em sua homenagem, chama-se Casa de Machado de Assis.

- Verdade...? – Alegra-se Machado: -Gostaria de conhecê-la.

Luiza se oferece:

- Se os senhores quiserem, poderemos ir até lá. É aqui perto a Academia...

- Não, não, é melhor ninguém sair daqui – grita Sérgio, indo até eles já calmo: - Continue o papo dos senhores, que está bem interessante.

O inventor volta para a máquina. Machado observa algo, apontando para Lima Barreto com calma:

- Tudo bem, meu rapaz. Mas só eu é que estou falando. E o senhor, também teve um feliz casamento?

Barreto lhe responde em um sorriso sem graça:

- Não senhor Machado. Não tive um feliz casamento. Nem se quer, um grande amor. Passei da idade de tê-lo, fugindo dele para que não me criasse sofrimentos e não prejudicasse a minha ambição de glória.

- Então o senhor também é um artista?

- Um escritor, como o colega. Claro que não tão bom como o mestre, mas faço a minha parte.

- Modesta de sua parte, Lima – interrompe Oswald: - Suas obras são o marco de uma literatura de transição entre os séculos XIX e XX. Consta que o senhor também viveu o Simbolismo.

- Bondade de sua parte, Oswald. Minha história se confunde um pouco com a do senhor Machado. Nasci de família humilde, mulato. Meu pai, João Henrique, também mulato, foi tipógrafo e sempre sonhou em melhorar as condições de nossas origens. Mamãe, Amália Augusta, também mulata, era professora. Nasci no célebre ano de 1881, no qual o senhor Machado, aqui presente, publicou o seu grande clássico Memórias Póstumas de Brás Cubas e Aluíso de Azevedo publicou O Mulato - marcos de uma nova época literária, o Realismo/Naturalismo.

- Pelo o que ouço, o senhor é uma pessoa de bom nível cultural.

- Sim, meu caro Machado. Mas a minha formação acadêmica não foi nada fácil. Apesar de meus esforços, deparei-me com o preconceito racial que imperava na escola. Isolado, retraído e até mesmo excluído do convívio dos demais colegas, meu único consolo foram as longas tardes que eu passava lendo na Biblioteca Nacional e as visitas ao Apostolado Positivista.

- É... O velho problema do racismo... – Lamenta Bandeira.

- Em 1902, quando ainda estudava na faculdade, comecei a colaborar em A Lanterna, o órgão oficioso da mocidade das escolas superiores. – Barreto faz uma pequena pausa, levanta-se caminhando pela sala: - Foi difícil e até mesmo impossível continuar estudando, devido as perseguições de um certo professor chamado Licínio Cardoso. Sofri constantes reprovações, injustiça e experimentei de fronte a discriminação racial. - Aumenta sua tristeza: - Tudo isso começou, durante algum tempo, a aguçar o meu sentido de revolta, minhas atitudes de inferioridade.  Fora isso, meu pai também teve problemas mentais, enlouquecendo. A necessidade de sustentar meus irmãos e cuidar da saúde de meu pai, fizeram-me abandonar a faculdade de medicina e a ingressar como amanuense na Secretaria de Guerra, em outubro de 1903. 

Lima Barreto volta a se sentar, sendo questionado por Sérgio trabalhando na máquina:

- E sua vida literária, quando começou para valer?

- Frustrado, precisei começar a exercer outra atividade pela qual não tinha a menor vocação. Esse fato, levou-me também a começar a beber, coisa que não tenho vergonha de confessar. Mas por outro lado também, comecei a frequentar cafés, redações de jornais e livrarias aqui do Rio de Janeiro. Era o fim do período áureo da boêmia literária, e os encontros nos cafés Java e Papagaio foram para mim uma espécie de batismo intelectual sacralizado, ao lado de muitos nomes conhecidos da época.

- A história também registra que o senhor foi um grande jornalista.

Lima responde com um pequeno sorriso à Luiza:

- Não diria um grande, mas fui um jornalista. Meu ingresso no jornalismo profissional foi em 1905 com uma série de reportagens publicadas no Correio da Manhã, atividade que dividi com a militância política, participando pouco depois, do comitê do Partido Operário Independente, do meu amigo Pausílipo da Fonseca. Começava a minha intensa vida literária, até que em 1907, fundei a Revista Floreal, visando combater os mandarinatos literários e o formulário de regras de toda a sorte que impediam a projeção dos novos talentos.

- Inclusive, você conseguiu transformar o ambiente das redações de jornais numa de suas mais belas obras: Recordações do Escrivão Isaías Caminha – Considerou Bandeira.

- Exato. Dois anos depois publiquei em Lisboa o meu romance de estreia, Recordações do Escrivão Isaias Caminha. A partir dali, a minha vida literária e jornalística estavam consagradas e tudo desenvolveu naturalmente... Até que tentei o reconhecimento da Academia Brasileira de Letras, candidatando-me primeiro para a vaga de Emílio Meneses e, depois, a de João do Rio, mas não consegui ser eleito.

- Interessante história, meu rapaz. Acredito que só pela sua garra e luta, o senhor teve o reconhecimento que lhe é de direito, mesmo não sendo um acadêmico – declarou Machado de Assis.

- Suas obras, senhor Lima, são lidas e recomendadas até hoje. Melhor mesmo que muitos que atualmente usam a Academia como status social, cujos nomes nunca ouvimos falar.

- Uaú, que bela observação, senhoria...!

Disse Oswald de Andrade. Luiza levanta-se e finge segurar a saia, abaixando a cabeça num gesto de agradecimento. Todos riem. Bandeira fala:

-  Permitam-me uma observação... O Monteiro Lobato não conseguiu entrar para a Academia. E nem por isso, deixou de ser o maior escritor infantojuvenil de todos os tempos.

- Obrigado a todos. Se os senhores me derem permissão, preciso ir ao banheiro.

Sérgio, largando a máquina e caminhando até ele, o leva lá pra dentro. Luiza aproveita para comentar: 

-Eu não quis tocar no assunto, mas consta na história que ele foi completamente tomado pelo álcool, vício que nunca deixou por completo. Durante uma época, passou a perambular pelas ruas.

- Desculpe-me entrar de sopetão na conversa dos senhores – pede o inventor voltando sozinho à sala: - Certa vez, Monteiro Lobato, que havia vindo ao Rio visitar o até então amigo Lima Barreto, encontrou-o embriagado numa mesa de bar. Constrangido, evitou apresentar-se, para não fazê-lo sofrer. E tiveram também outros episódios tristes em sua biografia.

- Mas isso não vem ao caso agora – considera Oswald: - O importante é que ele seja lembrado como o grande escritor, que mesmo enfrentando todas as dificuldades, soube superar e construir a sua obra...

Lima voltando do banheiro e entrando à sala:

- Posso saber do que os senhores estavam conversando?

- Nada... – Desconversou a moça: - Estávamos esperando o senhor voltar, para o Manuel Bandeira começar a contar a vida dele.

- Eu, senhorita Luiza!?

- Sim, o senhor...

Manuel Bandeira brinca, apontando Oswald: 

- O Andrade está na fila...

- Eu lhe sedo a minha vez, mestre Bandeira.

- Tudo bem. É melhor eu ir na frente mesmo, pois só de casamentos para contar, o Oswald tem cinco!

  Todos riem. Bandeira começa:

- Pois bem. Nasci em abril de 1886. Sou natural do Recife, mas na verdade nasci para a vida consciente em Petrópolis, pois dessa cidade datam as minhas mais velhas reminicências.  O que há de especial nessas reminicências, e em outras dos anos seguintes, reminicências do Rio e se São Paulo, até 1892, quando voltei a Pernambuco, onde fiquei até os dez anos, é que, não obstante serem tão vagas, encerram para mim um conteúdo inesgotável de emoção.

- Nossa que discurso intelectual – Luiza brincando: - Os senhores estão muito bem-informados com relação aos personagens que estão incorporando.

- Ela ainda não acredita que somos verdadeiros. Vamos fazer o quê? – Lamenta Machado.

- Por favor, senhor Bandeira, continue...

- Sim, senhor Barreto. A história de minha adolescência é a história de minha doença. Adoeci aos dezoito anos quando estava fazendo o curso de engenheiro arquiteto da Escola Politêcnica de São Paulo. A moléstia não me chegou sorrateiramente, com emagrecimento, febrinha, um pouco de tosse, não caiu sobre mim de supetã e com toda a violência, como uma machadada do Brucutu. Durante meses, fiquei entre a vida e a morte. Tive de abandonar para sempre os estudos. Como consegui com os anos levantar-me desse abismo de padecimentos e tristezas é coisa que me parece, à mim e aos que me conheceram, então, um verdadeiro milagre.

- Acredito nisso...

Acentuou Lima Barreto. Bandeira vira-se para Machado de Assis:

-  Antes de continuar, gostaria de relembrar algo. Quando pequeno tomei gosto pelos clássicos portugueses, decorando os episódios principais de OS Lusíadas. Não sei se o senhor se lembra, mas certa vez, viajando de bonde em vossa companhia, conversamos sobre Camões e eu, na condição de um jovem colegial, tive o orgulho de lhe recitar uma oitava de Os Lusíadas de qual o senhor queria lembrar-se e cujas palavras exatas haviam se apagado em sua memória.

Machado pensa um pouco e sorrir: 

- Sim, agora estou me recordando.

- E quando começou a sua carreira literária?

- Senhorita Luiza, ainda pequeno começou a florar a minha sensibilidade... Foi com meu pai que tive a primeira noção dessa ideia que a poesia está em tudo, tanto nos amores como nos chinelos, tanto nas coisas lógicas como nas disparadas. Aos trinta e um anos, ao editar o meu primeiro livro de versos, A cinza das Horas, era praticamente um inválido. Publicando-o, não tinha de todo a intenção de iniciar uma carreira literária. Aquilo era antes o meu testamento - pequeno desânimo - o testamento da minha adolescência. - Volta a sorrir: - Os estímulos que recebi fizeram-me persistir nessa atividade poética, que eu exercia mais como um simples desabafo dos meus desgostos íntimos, da minha forçada ociosidade. Hoje vivo admirado de ver que essa minha obra de poeta menor, de poeta rigorosamente menor, tenha podido suscitar tantas simpatias.

Sérgio, trabalhando na máquina: 

- Mas uma vez me desculpe interromper, mas eu gostaria de saber quando o senhor escreveu aquele seu célebre poema Vou-me Embora pra Pasárcada!?

- Pasárgada é o nome da cidade onde veraneava o imperador Ciro, o antigo. A palavra significa campo dos persas ou tesouro dos persas. Ao ler esse nome num autor grego, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, de mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: Vou-me embora pra Pasárgada!.

- Perdoe-me a minha curiosidade aguçada, senhor Bandeira. Mas gostaria de saber como foi essa doença que o senhor declarou ter sido vítima?

- Quando caí doente em 1904, fiquei certo de morrer dentro de pouco tempo. A tuberculose era ainda a moléstia que não perdoava. Mas fui vivendo, morre-não-morre, e em 1914 o doutor Bodmer, médico-chefe do sanatório de Cladevel, tendo-lhe perguntado quantos anos me restariam de vida, me respondeu assim: O senhor tem lesões teoricamente incompatível com a vida, no entanto, está sem bacilos, come bem, dorme bem, não apresenta em sua ficha nenhum sintoma alarmante. Pode viver cinco, dez, quinze anos... Quem poderá dizer? Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente.

- O senhor também enfrentou uma barra, não...?

- Sim, Barreto. Sem falsa modesta, hoje conto estas coisas porque a minha dura experiência implica uma lição de otimismo e confiança. Ninguém desanime por grande que seja a pedra no caminho. A do meu parecia intransponível. No entanto saltei-a. Milagre? Pois então isso prova que ainda há milagres.

Oswald de Andrade comenta:

- Lembro-me que em 1940, li que o senhor foi convidado para concorrer à Academia Brasileira de Letras. Depois de um primeiro momento de hesitação acaba por aceitar e, eleito, ocupa a cadeira de um poeta que conhecia pouco, Luís Guimarães Filho, cujo patrono era Júlio Ribeiro. Para fazer seu discurso de posse, o senhor reviu a obra dos dois.

Manuel Bandeira balança a cabeça positivamente.

- E além disso, a partir de 1943, passou a lecionar Literatura Hispano-Americana na Faculdade Nacional de Filosofia – lembra Luiza.

- Exato. Tudo isso são partes de minha história – diz Bandeira e vira-se para Oswald de Andrade: - Agora senhor Oswald, a palavra é toda sua...

- Permitam-me antes senhores, eu gostaria, não desmerecendo os demais, fazer eu mesma a apresentação do senhor Oswald. – Pede Luiza, que se levanta, vai até ao fundo na estante de livros pegando uma apostila voltando com ela aberta nas mãos: - Isso que tenho em mãos, é um trabalho que escrevi na época de faculdade e que gostaria de ler um trecho para os senhores. Certa vez em uma carta dirigida ao intelectual Antônio Cândido, seu filho Rudá de Andrade dizia: “Creio que a obra de Oswald não pode ser estudada desvinculada de sua vida”. Pegando uma carona nisso, em 1980 Jorge Schwartz, escrevendo a sua biografia começou assim...

Luiza começa a ler este trecho:

-  De fato, poucos autores mantiveram um vínculo tão estreito entre sua vida e sua produção literária como Oswald de Andrade: permanece na memória de sua lendária personalidade o retrato de alguém que agia como se fosse personagem, ao mesmo tempo que suas personagens literárias sempre tiveram como fonte de inspiração a vida intensa e contorvertida de Oswald de Andrade. Rememorá-lo obriga qualquer crítico a usar adjetivos como gênio inventivo, sarcástico, irreverente, de humor corrosivo, libidinoso, mordaz e outros.

Luíza fecha o livro e se senta novamente.

- Poxa, que apresentação... – pensa alto Lima Barreto.

- É verdade mesmo essa história dos seus cinco casamentos?

Questiona Machado e Oswald responde:

- Sim, é. Nasci em 11 de janeiro de 1890, em São Paulo, e na opinião de muitos, sob o signo da controvérsia. Porém antes de meus casamentos, alguns acontecimentos marcaram-me pelo resto de minha vida. O primeiro deles foi uma sexualidade precoce. A mais longínqua lembrança que tenho da vida pessoal, destacada do cálido forno materno quer me envolveu até os 20 anos, foi de caráter físico sexual, evidentemente precoce. Está ela ligada à casa em que morávamos na rua Barão de Itapetininga, de jardizinho ao lado. Sentando-me à porta da entrada e apertando as pernas, senti um prazer estranho que vinha das virilhas. Que idade teria? Três ou quatro anos no máximo.

- E quando ocorreu realmente o seu primeiro casamento?

- Senhor Sérgio, aos 22 anos de idade, fiz a minha primeira viagem à Europa, ficando fascinado com Landa Kosbach, uma criança loira e linda que não teria onze anos e dançava como uma profissional. Mas, na realidade, voltei de París com Kamiá, ex-rainha de estudantes de Montmartre. Dessa relação, em 1914, nasceu o meu primeiro filho, Nonê. Nessa mesma época, voltou da Europa, Landa já com 16 anos, que posteriormente me inspirou minhas primeiras peças de teatro, escritas em francês, junto com Guilherme de Almeida.

- Também houve um caso uma certa Maria de Lourdes Olzani, mais conhecida por Deise, se não me falhe a memória...

- Foi isto mesmo, Bandeira. Foi a minha relação mais intensa. Eu e Miss Cíclone, como a apelidei, passamos a conviver numa famosa garçonniere, alugada em 1917, na rua Líbero Badaró, no centro de São Paulo. Orgulho-me em dizer que o meu apartamento era frequentado por celebridades, como Monteiro Lobato, Manotti del Picchia, Guilherme de Almeida, dentre outros. Foi nesse mesmo local que escrevi um diário denominado O Perfeito Cozinheiro das Almas Deste Mundo, tendo Deise como personagem principal. – Entristece: - Infelizmente, a minha Miss Cícione morreu tragicamente de um aborto, mas casei-me com ela in-extremis. 

Luiza toma a palavra:

- Bem, seu Oswald, enquanto o senhor se reestabelece dessa triste recordação, permita-me contar a eles que anos mais tarde, já no auge do movimento modernista, o qual o senhor foi um dos precursores, ajuntou-se com Tarsíla do Amaral, com quem se casa em 1926. Os dois mudaram o panorama da arte contemporânea no Brasil.

- Interrompendo a senhoria, o casal até recebeu carinhosamente da parte de Mário de Andrade, o apelido de Tarsiwald. Junto fundaram, na literatura e na pintura, o Movimento Antropófago – recorda-se Bandeira.

- Nossa, que honra vê os senhores conhecendo a minha vida. Mas continuando o que os senhores começaram, nessa época Tarsília e eu fizemos várias viagens a París, entrando em contato com os grandes nomes da vanguarda europeia. Ainda em París, lancei em 1925, o meu primeiro livro de poemas, Pau-Brasil, ilustrado pela Tarsíla.

Sérgio, trabalhando na máquina:

-  Mas houve dificuldades...

-Correto, com a crise internacional de 1929, sofri um profundo abalo financeiro. No início da década de 30, separei de Tarsíla, me filiando ao Partido Comunista onde conheci Patrícia Galvão, a minha Pagu. Juntos tivemos atividades de ordem política e fundamos o jornal O Homem do Povo. Com Pagu tive o meu segundo filho, Rudá. Minha história romântica não termina por aí. - Dá uma pequena risada: - Em 1936, casei-me com a poetisa Julieta Bárbara e, em 1944, conheci Maria Antonieta dAlkmin, com quem tive mais dois filhos: Antonieta Marília e Paulo Marcos.  Essa foi a minha relação mais duradoura.

O inventor deixa a máquina e caminha até eles: 

- No sentido profissional, alguns especialistas dizem que suas viagens à Europa lhe provocaram, à distância, uma espécie de redescoberta do Brasil e uma consciência das próprias raízes. Aspectos fundamentais para a formulação e expressão de sua estética de vanguarda.

- Não somente isto, meu rapaz. Tive o privilégio de ser na infância o testemunho vivo de uma era transição. Haviamos dobrado a esquina de um século. Estávamos em 1900. Passei a vivenciar uma São Paulo ainda escravocrata, despertando para o seu processo de industrialização. Eu estava no meio de duas forças: a do patriarcalismo agrário, já passada, e a do início da tecnologia urbana. Anunciou-se que São Paulo ia ter bondes elétricos. Os tímidos veículos puxados a burros, que cortavam a morna cidade provinciana, iam desaparecer para sempre. Uma febre de curiosidade tomou as famílias, as casas, os grupos. Como seriam os novos bondes que andavam magicamente, sem impulso exterior? A cidade tomou um aspecto de revolução. Todos se locomoviam, procuravam ver. E os mais afoitos que riam de tudo, mas pagavam passe só para andar de bonde elétrico.

- Permita-me companheiro Oswald, realizar mais alguns comentários com relação a sua vida de artista – pede Bandeira: - O impacto causado pela descoberta da maravilha mecânica teve repercussões profundas em toda sua obra. Os meios de comunicação de massa como o cinema, o rádio, a linguagem da propaganda, foram rapidamente assimilados pelo poeta. Nota-se nitidamente isso em seus textos.

A moça destaca:

- Deve ser por isso, que em sua obra, a ironia, o humor e a dimensão paródica representam uma interpretação carnavalesca da vida, que pode ter sido inspirada nessa descoberta inicial e que teria gerado a possibilidade de entender o mundo através do gesto circense.

- Pode ter sido. Das minhas recordações da infância, o circo foi um deslumbrado céu aberto na secura de emoções que me cercava. Não só a banda de música, ginastas, cavalos e feras. Mas era o espetáculo em si que subvertia a monotonia do meu cotidiano.

- Nota-se em seus textos, sua alta admiração pelas novas descobertas e novidades – diz Manuel Bandeira dando uma risadinha: - Hoje comenta-se nas rodas literárias, que um exemplo vivo desta sua fascinação pelo moderno foi o famoso Cadillac verde que o senhor possuía nessa época...

Oswald de Andrade também dá risada: 

- Verdade. Que saudade do meu Cadillac...

Machado de Assis dirige-se para Sérgio:

- Por falar em tempo, meu rapaz, como vai o conserto de sua máquina? Precisamos voltar para os nossos lugares de origens.

- Ah sim, seu Machado, está quase tudo pronto. 

- Bem, essa é uma parte de sua história, seu Oswald – relembra Luiza: - Que com seu espírito irrequieto, foi uma das figuras mais dinâmicas do movimento modernista. A famosa semana de 22...!

- Mas afinal, o que foi esse movimento modernista que vocês comentam tanto? – Pergunta Machado.

- Quem explica a ele?

Pergunta Bandeira e Luiza tem uma ideia:

- Tenho uma ideia melhor. Que tal um café antes. Passemos todos para copa, que prepararei lanches para os senhores. Posso não é, Sérgio?

- Sim, claro. A casa é toda de vocês...

Luiza levanta-se e puxa a fila para a cozinha:

- Senhores, acompanhem-me. É por aqui.

Todos a acompanham saindo da sala, menos Machado de Assis que fica por último, perguntando a Sérgio:

- O senhor também não vem tomar um café? Acho que essa máquina pode esperar um pouco.

Sérgio larga as ferramentas e juntos vão se unir ao grupo.

Tempos depois, ao voltarem se sentam nos mesmos lugares. O inventor continua no conserto da máquina. Bandeira retoma o assunto:

- O senhor Machado de Assis perguntava-nos sobre o que foi a Semana de Arte Moderna de 22.

- Assim, vamos lá. Quem começa a falar? – Questiona Luiza.

- Nossa, ela perguntou como uma verdadeira professora em uma sala de aula – brinca Bandeira.

Todos riem e Oswald toma a palavra:

- Pode deixar comigo, professora. Bem, senhor Machado... No início das primeiras duas décadas deste século, o mundo estava passando por uma verdadeira revolução tecnológica. Conquistas técnico-científicas abalavam as estruturas da humanidade com o aparecimento de grandes aviões e dos transatlânticos, o descobrimento da radiofonia e do telégrafo, o surgimento do cinema, etc. Tudo estava mudando e "de pernas para o ar". Foi quando se chegou à conclusão de que toda aquela movimentação não poderia ser registrada numa linguagem convencional. Era preciso se criar um novo estilo literário que expressasse tudo isso. Algo que servisse como intérprete do homem moderno e suas angústias, inquietação e seu comportamento. Então o pintor Di Cavalcanti teve a ideia de se realizar uma semana de artes, cuja intenção inicial era uma pequena e modesta exposição na livraria e editora. O Livro, em São Paulo, onde já nos reuníamos para palestras, declamações e mostras de trabalhos. Foi quando por intermédio dos escritos Graça Aranha, Cavalcanti conheceu Paulo Padro, um homem culto, muito rico, de formação europeia e bom gosto artístico, que logo se animou com a ideia do pintor.

Sérgio trabalhando: 

- Já existia a ideia de se chocar o público?

- Sim, a partir da conversa entre o pintor e Prado, o projeto tomou corpo, ampliando-se com a adesão de muitas pessoas de destaques da alta sociedade paulistana que, após ampla divulgação na imprensa, resolveram prestigiá-lo. Camarotes foram colocados à venda. – Oswald vira-se para Manuel: - Lembra-se dessa história, Bandeira?

- Sim, lembro-me. Houve uma grande expectativa, até que chegou a esperada oportunidade para a manifestação coletiva das ideias e intenções dos senhores modernistas. O primeiro movimento para conquistar essa liberdade de expressão e, sobretudo, criar uma arte inteiramente brasileira, aconteceu, senhor Machado, em fevereiro de 1922, com a Semana da Arte Moderna. Realizada no Teatro Municipal de São Paulo, os artistas exibiram a prosa, o verso, a música e a dança de vanguarda, além de uma exposição de artes plásticas que expressava as modernas tendências de pintura, escultura e arquitetura. Era a primeira vez que todas essas artes se reuniam ao mesmo tempo, pois a tentativa de transformar o país em um grande campo cultural e a ideia dos intelectuais fascinados em colocar o Brasil em dia com o chamado "mundo civilizado", estava começando a dar resultados.

Luiza, levantando-se e caminhando até a escrivaninha onde está o computador, enquanto fala: 

- Mais aquela nova arte e expressão, causou um choque ao público, com direito a muitos protestos e vaias. Porém, aquela elite conservadora, que ia ao teatro com motoristas particulares, madames com leques, tudo muito fino, não sabiam realmente o que estava acontecendo. Só que aqueles intelectuais não faziam aquilo por ignorância, e sim por genialidade. A nova linguagem que estava surgindo com aquele movimento não tinha como negar a inteligência dos artistas. - Senta-se e começa a digitar: - Aqui tem um trecho de um trabalho que escrevi na época de faculdade.

Os escritores se levantam e vão até ela surpresos. 

- O que é essa máquina aí com letras brilhando!? – Questiona Lima Barreto, apontando o computador.

- Isto é um computador...

- E o que é um computador? – Machado espanta-se.

Sérgio vai até eles:

- Digamos que seja uma máquina de escrever elétrica e sofisticada do nosso atual tempo. - Dirige-se à Luíza: - É melhor não aprofundarmos muito nas explicações. 

O inventor volta a trabalhar na máquina. Luiza fala olhando à tela:

- Tudo bem, Sérgio. Mas como eu ia dizendo, a Semana de 22 contou com muitos discursos em sua defesa, como este trecho que irei ler de Graça Aranha: “Cada homem é um pensamento independente, cada artista exprimirá livremente, sem compromisso, a sua interpretação da vida, a emoção estética que lhe vem dos seus contatos com a natureza”.  Ou como Minotti del Pecchia manifestou: “Queremos exprimir nossas mais livres espontaneidades dentro da mais espontânea liberdade. Ser, como somos, sinceros, sem artificialismos, sem cotorcionismos, sem escolas. Nada de postiço; queremos escrever com sangue - que é humanidade; com eletricidade - que é movimento, expressão dinâmica do século; violência, que é energia bandeirante”.

- É, havia-se a intenção de se atualizar a nossa arte, colocando-a em sintonia com o que se estava fazendo na Europa, principalmente na França – relembra Oswald de Andrade: - Foi esse o motivo que reuniu os vários participantes do movimento, dando a ele matrizes internacionais. Mas por não sermos entendidos de início, recebemos, por parte de muitos conservadores, a pichação de moda importada. Isso porque, pela primeira vez na história cultural brasileira, ocorreu uma sintonia imediata com os centros de vanguarda, o que incomodou os até então considerados donos da arte brasileira.

Eles voltam para seus lugares, enquanto Luíza continua no computador:

- Voltando um pouco na história, o primeiro passo para esse movimento mesmo, foi em 1917, quando Anita Malfatti fez uma exposição de pintura com tendência cubista. Simbolizando o primeiro confronto entre o velho e o novo, o escritor Monteiro Lobato escreveu um artigo intitulado “Paranoia ou manifestação?”, onde ele reagiu violentamente à obra de Anita. Um trecho dizia. - E começa a ler na tela: - ”Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência fazem arte pura. A outra espécie é formada dos que veem anormalmente a natureza e a interpretam à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência; são frutos de fim de estação, bichados ao nascedouro. Estrelas cadentes brilham um instante, as mais das vezes com a luz do escândalo, e somem-se logo nas trevas do esquecimento”.

- Poxa, os senhores foram fundo mesmo, não? – Comenta Machado de Assis.

-  É, mas também enfrentamos muitas críticas negativas.

Luiza mexendo no computador: 

- Com certeza, Oswald. Têm algumas delas aqui neste trabalho, como por exemplo, da Folha da Noite do dia 16 de fevereiro de 1922: “Foi, como se esperava, um notável fracasso a recita de ontem na pomposa Semana de Arte Moderna, que melhor e mais acertadamente deveria chamar-se Semana de Mal - às Artes”. Escreveu o Jornal do Commercio de 18 de fevereiro de 1922: “A Semana de Arte Moderna está para acabar. É pena, porque, com franqueza, se do ponto de vista artístico aquilo representa o definitivo fracasso da escola futurista, como divertimento foi insuperável”. Porém radicalismo foi mesmo do jornal O Estado de São Paulo que chegou a anunciar: “As colunas da secção livre deste jornal estão à disposição de todos aqueles que, atacando a Semana de Arte Moderna, defendem o nosso patrimônio artístico”.

- É. Por não sermos entendidos de início, recebemos, por parte de muitos conservadores, a pichação da moda importada. Isso porque, pela primeira vez na história cultural brasileira, ocorreu uma sintonia imediata com os centros de vanguarda, o que incomodou, os até então, considerados donos da arte brasileira.

- Por outro lado, o que também animou a união dos jovens modernistas nesse movimento, foi a consciência da necessidade de lutar contra obstáculos comuns, como o espírito conservador, o obscurantismo e o provincianismo cultural imperante na época.

Diz Manuel Bandeira. Sérgio interrompe o trabalho e vai até o grupo: 

- Desculpe-me a minha curiosidade senhor Bandeira. Mas apesar de senhor estar bem-informado, pelo que consta, o senhor não chegou a tomar parte nesse acontecimento.

- É, realmente. Cheguei a enviar alguns textos para serem lidos na Semana, mas preferi ficar um pouco à distância, pois não me sentia a vontade para, de repente, passar a atacar, como os jovens modernistas, os parnasianos e simbolistas que sempre preservei e muitos tiveram influência em minha obra. Só que foi através desses mesmos modernistas, que entrei em contato com a arte de vanguarda europeia.

- Uma curiosidade minha. Por que São Paulo foi escolhido para ser palco desse movimento?

- Porque lá a industrialização avançava a passos largos, tanto no sentido econômico quanto tecnológico – responde Andrade à Luiza: - São Paulo encontrava-se sintonizada mais com o resto do mundo do que as outras cidades do país. Teria portanto, mais receptividade ao entusiasmo pela inovação, pelo progresso, ao êxtase pela vida vibrante dos grandes aglomerados urbanos, características do Modernismo em os padrões internacionais de várias partes do mundo. Seu reduto mais propício para esse movimento só poderia ser a nossa Paulicéia Desvairada.

Luiza ainda no computador: 

- Explicando melhor o que o senhor Oswald de Andrade acaba de dizer, aqui tem um trecho de um texto de Horoldo de Campos que diz: - Lê na tela: – “Se procurarmos a explicação do porquê o fenômeno modernista se processou em São Paulo e não em qualquer outra parte do Brasil, veremos que ele foi uma consequência da nossa mentalidade industrial. São Paulo era de há muito batido por todos os ventos da cultura. Não só a econômica cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com a sua ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso, fazia com que a competição invadisse todos os campos de atividade”.

- Foi isso mesmo... – Concorda Oswald.

- Olha, os senhores estão de parabéns. Além de ótimos atores, são muito bem-informados com relação aos seus personagens.

- Ela ainda não assimilou que tudo isso é verdade. Bem, deixe-me voltar para minha máquina. 

- Eu na condição de professora da área, posso lhes contar que as ideias desse movimento partiram de São Paulo e do Rio de Janeiro, caminhando e gerando polêmicas e contribuições para a formação de diversos grupos de vanguarda, espalhando o processo de renovação estética. A exemplo, na cidade de Belo Horizonte, em 1925, formou-se um grupo em torno da publicação A Revista, incluindo alguns intelectuais que seriam, mais tarde, nomes importantes do Modernismo, tais como Carlos Drummond de Andrade, Emílio Moura, João Alphonsus e Pedro Nava. Já na região do Nordeste, em 1926, aconteceu o Manifesto Regionalista do Recife, permitindo aos escritores da década de 30 terem a oportunidade de entrar em contato com essas mesmas inovações estéticas do modernismo, propiciando a elaboração de importantes obras de cunho regional.

Lima Barreto toma a palavra:

- Bem, desculpe-me minha sinceridade senhores, fiquei quieto até agora, mas eu gostaria de fazer uma ressalva. Muito já se falou que essa tal de Semana de Arte Moderna deu origem ao Modernismo brasileiro e até alguns intelectuais se vangloriam com isso. Mas na realidade todo esse movimento, antes de 22, já ocorria na cidade do Rio de Janeiro.

Todos se espantam. Oswald fala irritado: 

- O que o senhor está tentando dizer com isto?

- É isso mesmo e eu posso provar – afirma Barreto: - No começo do século nós também estávamos passando por um período de transformações e inovações tecnológicas, quando surgiu o telégrafo sem fio, o cinematógrafo, a fotografia, o telefone, o avião, o automóvel. Tudo isso modificava radicalmente a percepção e a sensibilidade urbana. Isso porque ao se iniciar a República, o Rio de Janeiro já tinha a característica de uma cidade pré-industrial. As tarefas declaradas domésticas, incluindo biscateiros, camelôs e diaristas, já ocupavam, digamos, 50 por cento da nossa população. Por outro lado, o fim da escravidão, liberou uma mão-de-obra muito grande formada por ex-excravos, que não foi absorvida, pois a preferência eram os imigrantes europeus. Excluídos, esses ex-escravos viviam entre as fronteiras da legalidade e da ilegalidade.

- E onde entra a modernidade dos intelectuais nisto? – Questiona Andrade.

- Esse sentimento de exclusão e tantos outros problemas que surgiram, também eram vivenciado por um grande número de intelectuais cariocas. Eles, dos quais eu também fazia parte, recusávamos a construir uma imagem europeizada da cidade, obedecendo os padrões internacionais, consequente de todos os ventos da cultura. Não só a econômica cafeeira promovia os recursos, mas a indústria com a sua ansiedade do novo, a sua estimulação do progresso, fazia com que a competição invadisse todos os campos de atividade. Então, através de nossos escritos, procurávamos outras saídas fora desse controle institucional. Acredita-se que a nossa relação orgânica com o Rio foi de fundamental importância, uma vez que na vida social carioca, as ruas se tornaram área de confronto, o local dos trabalhadores ambulantes, do convívio social, da troca de informações e ajuda mútuas. Graças a isso, às camadas populares construíram seus canais de participação e organização. Isso se tornou uma grande fonte de inspiração para a literatura carioca. Cronistas como João do Rio, Benjamim Costallat, Orestes Barbosa e eu, buscávamos nossos personagens no cotidiano das ruas e na vida anônima da população. Também tínhamos alguns caricaturistas que esboçavam os tipos e cenas desse cotidiano, tais como Raul Pederneiras, J. Carlos e Calixto.

Bandeira observa: 

- Se me permitem uma parte, o que o senhor Lima está dizendo é verdade. Eu mesmo resgatei algumas dessas importantes figuras da cidade. Entre eles José do Patrocínio Filho, com sua capacidade inesgotável de improvisação, invenção e boemia. Kalixto, com sua elegância e senso apurado de humor e o músico Donga.

- Falando sobre livro de poemas senhor Bandeira, o seu Libertinagem também é considerado uma obra expressiva do Modernismo.

- Tudo bem senhorita, mas eu não o teria escrito se não fosse a minha convivência diária com esse círculo de amigos boêmios.

- Então o senhor também conviveu com o modernismo carioca?

- Convivi de certa forma senhor Machado, mas também li muito sobre eles. Conta-nos a história que desde o governo de Floriano Peixoto na última década passada, abriu-se um grande buraco se assim, podemos dizer, entre o universo político e os intelectuais. Sentindo-se marginalizados da vida social, esses escritores e poetas precisaram criar o seu próprio espaço de atuação, criando a “República das Letras”, uma espécie de entidade. Funcionando de acordo com os valores e símbolos desses intelectuais, ela passou a tomar forma por meio de cafés, das livrarias, das confeitarias, das revistas e dos salões da Rua Ouvidor e da Academia Brasileira de Letras.

- O senhor Bandeira tem razão – concorda Barreto: - Por que haveríamos de viver longe uns dos outros, quando sabemos que a verdadeira força da nossa triste humanidade está na sociabilidade, na troca mútua de ideias? Esses lugares eram frequentados por artistas, jovens, independentes, inventores ou pessoas de conduta suspeita, além dos atributos dos boêmios, todos já tomando parte de uma vida moderna. Enquanto isso, nós escritores lutávamos pela delimitação de um campo intelectual, buscando no contexto social temas e espaços para exprimir o espírito da modernidade, transformando a vida em arte através da criatividade, intensidade, brevidade, dedicação e pacto de fidelidade.

E Manuel Bandeira completa:

- Hoje podemos dizer que esse contato com a cultura popular e com a vida cotidiana do Rio de Janeiro, constituiu-se numa das características mais marcante desse grupo. Por volta de 1910, nomes como Bastos Tigre, Emílio Menezes, Hermes Fontes e Afonso Arinos de Mello Franco, frequentavam a república onde moravam os compositores Donga, Pixinguinha e Heitor dos Prazeres, além de todos sempre participarem de musicais na Praça da Cruz Vermelha, depois num bar da Gomes Freire. Era uma troca mútua. Enquanto literatos apreciavam músicas, os músicos apreciavam poesias. Entre 1907 e 1910, nós nos reuníamos na Café Papagaio. Aí pelas três horas, lá estávamos a palestrar, discutir coisas graves e insolúveis. Como havia entre nós uns quatro amanuenses, o grupo foi chamado Esplendor dos Amanuenses, na intenção de mais justamente destacar àquelas horas de felicidade, de liberdade em oposição às de inércia nas secretarias e repartições, quando, acorrentados à galé dos protocolos e registros, remávamos sob o chicote da vida. E voltando um pouco, foi em um desses cafés que recebi o convite de Bastos Tigre para colaborar nas revistas O Diabo e Quinzena Alegre e posteriormente na revista Tagarela.

- Eram comuns esses encontros dos senhores?

Quer saber Oswald, sendo respondido por Bandeira:

- Se me permite responder, certa vez li que outro ponto também muito frequentado por esses intelectuais era a Confeitaria Colombo. Lá, Emilio Menezes escreveu vários de seus sonetos que se tornaram bastante populares. Neles, brincava com os amigos, mandava recados, respondia desafios, declarava guerras aos inimigos. Ele mesmo batizou a sua mesa como “gabinete de trabalho”, dentre outros apelidos. - Dá uma risada: - Inclusive, em um deles intitulado “Hino à detenta”, Emílio apresentou a Colombo como sucursal da Academia Brasileira de Letras, e Lebrão, seu proprietário, como mecenas dos intelectuais.

Lima Barreto rindo:

-  Por outro lado, a Colombo também era frequentada por políticos, altos funcionários, empresários e capitalistas, que geralmente pagavam as contas desses boêmios. Também havia nesses lugares, os “jornais falados”, verdadeiras conferências humorísticas ilustradas, nas quais os intelectuais considerados atores teatravam chistosamente para a plateia seu papel de indivíduos presentes.

- Podemos dizer que no relato desses locais citados pelos senhores, Café Papaguaio, Colombo e tantos outros cafés, encontraremos impressas as histórias de vanguardas artísticas e intelectuais das mais variadas nacionalidades. Seriam núcleos de sociabilidade, permitindo aos historiadores atuais reconstituir a percepção e a sensibilidade que foram típicas da época dos senhores.

- Bonita observação, minha jovem... – Diz Machado de Assis.

Bandeira continua:

- As conferências literárias também se tornaram modismo, onde eram lotadas as plateias do Instituto Nacional de Música, além de outros lugares sofisticados. Se não me falhe a memória, em agosto de 1905, as conferências de Coelho Neto, Olavo Bilac e Medeiros de Albuquerque deram início à série. Só que infelizmente eram espetáculos pagos, o que excluía grande parte da população, ficando restrita apenas a um grupo elitizado.

- Também no contexto de todas as nossas publicações, uma merece ser lembrada – acentua Lima Barreto: - A Revista D. Quixote, fundada em 1917, com o propósito memorialístico, no sentido de reconstituir a memória da intelectualidade boêmia, da cidade do Rio de Janeiro e do próprio humor e da caricatura. A sua linha editorial retomava uma questão de fundamental importância, sendo o papel marginal das artes na vida nacional, destacando claramente o papel do artista na modernidade. O nosso grupo de intelectuais que escreviam a revista, questionavam, sobretudo, a ideia dessa mesma modernidade associada a todo o seu corolário de valores, como progresso, aperfeiçoamento, tecnologia desenvolvimento e bem-estar-social.

Manuel Bandeira recorda-se:

- Também cheguei a conhecer alguns números de D. Quixote. A revista caricaturava a ideia do patrimônio histórico, incluindo no contexto de seus textos e charges, o carnaval, a política, os monumentos urbanos e os artistas de teatro de revista. A civilização carioca vivia entre contraste, onde as luzes elétricas eram o oposto das escuridões cinematográficas. Os automóveis de luxo desfilavam pelas avenidas em meio a batedores de carteiras, ruas esburacadas e avenidas de asfalto e os pregões dos camelôs. Quando o pessoal da D. Quixote assumiu a atitude na linha de sua publicação, não estavam propriamente se furtando ao moderno. Pelo contrário, estavam mostrando-os seus aspectos contraditórios, paradoxais e também tragicômicos. Tudo era produzido através de uma narrativa humorística, tirando a aura simboliística dos objetos para se tornarem simplesmente risíveis, banais, integrados à esfera cotidiana, além de fontes inspiradas em atitudes de comportamentos.

Lima Barreto dando risada:

- É verdade. Nessa linha de contestação, lembro-me até de uma frase da revista que dizia: “A história não é de fato o que sucedeu-se, mas o que os historiadores declaram nos livros ter sucedido”.

- Só completando uma informação que o senhor Lima contou-nos com relação a fundação da revista, a D. Quixote circulou durante dez anos. Eu mesmo, através do meu personagem Gonzaga Sá, várias vezes critiquei a postura do historiador, sempre baseado na documentação, sugerindo caminhos memorialísticos, baseado na sensibilidade e na percepção artística e intuitiva.

Completou Manuel Bandeira e a professora comenta:

- Bem, se os senhores me permitem fazer as minhas observações, essa atual redescoberta quebra o monopólio modernista de São Paulo. Escolhendo a sociabilidade das ruas, eles criavam canais de integração com a marginalidade da capital federal, procurando articular as culturas eruditas e populares, o que não se fez na Semana de 22. Além de textos e poesias, eles usavam charges, que registravam o impacto da modernidade sobre a cidade, tinha-se e foi preservado para a posteridade um retrato da essência da vida cotidiana carioca, e da Imperial República Brasileira, como os modernos apelidavam o novo sistema permeado pelos vícios do passado monárquico e ligeiro na criação de outros.

-Mas nem por isto, podemos tirar os méritos da Semana de 22. – Acentua Oswald de Andrade.

- Não, muito pelo contrário. O Movimento carioca assumiu modalidades distintas em função do contexto que lhe deu origem. O Movimento de 22 teve o seu grande marco em nossa história. Mas também ocorreram outras modalidades e dinâmicas. Enfim, houveram outros sinais de modernidade no conjunto da sociedade brasileira até mesmo antes de 22, como por exemplo, o Modernismo carioca. E, certamente, podem ter ocorrido diferentes manifestações modernistas em outras cidades e capitais do país. Então concluo. Será que já não é ora de revermos e reescrevermos a verdadeira história do Modernismo brasileiro? – Questiona a professora.

- É, pode ser... – Sussurra Oswald descontente.

Sérgio volta alegre até eles: 

- Pronto, já terminei o conserto de minha máquina. Os senhores já podem partir.

-  Até que fim...! – Machado de Assis levanta os braços.

Todos começam a se levantar e caminhar em direção à máquina. Luíza se posiciona em um canto da sala de braços cruzados e começa a achar graça em tudo aquilo.

-  É por aqui – aponta o inventor que caminha até os seus comandos para reajustá-la: - Ah!, todos os senhores voltarão para os lugares e atividades tais quais estavam participando no momento em que foram sugados pela máquina. Só que tem um detalhe. Por ter sido uma fatalidade do destino, esse fato será apagado de suas memórias e nunca se lembrarão que um dia estiveram aqui. Podem entrar e tenham uma boa viagem.

Machado estende a mão direita a Sérgio: 

- Foi um prazer lhe conhecer, meu jovem.

- O prazer foi todo meu, mestre!

Machado de Assis entra na máquina. Lima Barreto aperta a mão de Sérgio:

-  Até à próxima, companheiro.

- Até... E vê se quando o senhor estiver no Café Papagaio, tome uma por mim.

- Deixa comigo – diz Barreto partindo.

- Se eu pudesse meu amigo Sérgio, pegava essa sua máquina e iria embora pra Passárgada.

- Quem sabe no futuro, damos um jeito nisso, senhor Bandeira.

Manuel Bandeira entra na máquina. Oswald de Andrade segurando a mão do inventor: 

-  Meu chapa, faço-lhe um último pedido. Dê um jeito nas opiniões revolucionárias de sua amiga.

Sérgio sorrindo: 

- Pode deixar...

Oswald de Andrade parte. Luiza deixa de achar graça e espantada caminha até a máquina: 

- Cadê eles?

- Foram-se, minha amiga!

Não acreditando e apontando a máquina, ela questiona espantada:

-  Então quer dizer que era tudo de verdade!?

- Sim, era Luiza...

- E eu nem pedi um autógrafo... Acho que vou... - E desmaia, caindo nos braços de Sérgio.

FIM

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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