13 - EU PRECISO DIZER QUE TE AMO...

Almir está em sua mesa de sempre no Bar 50! que já é cativa dele. Os frequentadores do local mudaram. Aquele pessoal melancólico e solitário já não mais bate ponto lá. O estabelecimento temático passou a ser frequentado por um pessoal de melhor classe. Até mesmo pelos valores de suas bebidas e refeições preparadas por um chefe de cozinha especializado em menus de época.

Adriana chega, passa pelo balcão, guarda sua bolsa e conversa alguns detalhes com Elias. Vai até a mesa do amigo, cumprimenta-lhe com um beijo na face. Senta-se um pouco.

- Senti sua falta esses dias, Adriana.

- É que sou uma mãe coruja, Almir. Só saio de casa para vir tocar quando meus filhos vão para casa do pai. Coisas da tal guarda compartilhada.

- Sabe que lhe admiro muito. Você é uma mulher incrível. A executiva bem-sucedida que comanda uma filial de uma multinacional. Investidora no mercado imobiliário. A mãe amorosa que faz questão de estar presente em todo o tempo na vida dos filhos. E ainda arruma tempo para tocar piano em um boteco.

Dão gargalhadas. Ela confessa:

- Almir, eu não sou forte o tempo todo. Assim como qualquer ser humano, tenho altos e baixos, mas é principalmente aí que você vê que ter um time bem preparado é essencial, e eu tenho. Quando um está mais para baixo, ou outro está com mais energia, isso vai equilibrando e fazendo passar. Mas é um dia após o outro.

Olham-se por alguns instantes em silêncio. Ela rompe o momento de ternura, confessando-lhe:

- Fico feliz em saber que você me admira. Quer saber? Vou lar ao piano tocar uma música para você...

E Adriana toca a canção francesa “She”.

* * *

Já é madrugada quando Almir chega em casa. Ainda sem sono, liga o rádio no volume baixo, pega a saideira na geladeira e se senta no sofá a meia luz. Adriana vem a sua mente. Embora ele não queira admitir, aquele convívio está mexendo consigo. Ainda mais depois daquele encontro com Regineide, acerto com o passado, seu coração se sente realmente liberado para uma nova história. E conviver, estar ao lado dela está lhe fazendo tão bem!

O rádio começa a tocar uma canção de Cazuza: “Eu preciso dizer que te amo, te ganhar ou perder por engano...”  

Ele sente que precisa contar à ela. Só que, ao mesmo tempo, vem um autopreconceito: “Imagina se uma mulher fina e na posição dela vai querer se envolver com um vendedor de móveis?”

Muitas pessoas têm tanta dificuldade para dizerem a alguém uma coisa tão importante e sublime à condição humana: “Eu te amo!”. Aliás, nós humanos somos a única raça que consegue expressar seus sentimentos em palavras.

Fato é que ninguém passa por essa vida sem ter gostado de alguém pelo menos uma vez. Acontece nos momentos mais inusitados. No ambiente de trabalho, nos estudos, na nossa rua, círculos de amizades. Principalmente nas amizades. Como são comuns as histórias de amor nascerem entre amigos. Depois de nossos familiares, são elas as pessoas mais próximas de nós. Bate-papos descontraídos, confissões, compartilhar os mesmos gostos e objetivos que vão se revelando naturalmente como personalidade, caráter e essência humana.

Quando a gente percebe: Pá! Estamos gostando mais do que deveria do outro. Amiúde, estamos pensando mais do que deveria naquela pessoa. Ela parece se tornar parte importante de nossa existência que não pode mais continuar sem sua presença. Mesmo sem ela ainda saber. Começamos a imaginar como serão seus beijos, suas carícias, palavras trocadas. Planos de ficar juntos, passeios, namoro, casamento, constituição de uma família. Ela é a pessoa com quem sempre sonhamos, o grande e eterno amor de nossa vida (pelo menos naquele momento!). Sem se falar ainda da parte fisiológica: a aproximação da pessoa nos faz tremer, suar, rir sem motivo, falar coisas ou ter comportamentos infantis de uma criança feliz. Como surgem grandes castelos imaginários na felicidade onde tudo é perfeito e lindo.

Mas se tudo está perfeito, o castelo já foi edificado e decorado com tantos sonhos e desejos de realizações junto à outra pessoa, porque então é tão difícil chegar nela e dizer: “Olha, eu estou gostando de você. E já lhe inclui nos meus projetos de vida e de felicidade…”.

Almir sempre foi um Essencialista, acreditando que todas as coisas já estão pré-determinadas, que nascemos com uma essência que não vai mudar; o que tiver que ser, será e com isso nos acomodamos diante da vida, sem se arriscar, usando essa postura comodista. No amor, espera um contos-de-fadas, fazendo da timidez, armaduras contra as frustrações.

Agora ele precisa criar hábitos de um Existencialista, acreditando que nossa essência é construída com a possibilidade de ser; pessoas que correm atrás de seus objetivos e sonhos; buscam oportunidades, não temem em se arriscar nas mais diversas ocasiões; fazem das frustrações acúmulos de experiências para não errarem nas próximas tentativas; fazem das vitórias motivações para sempre progredir. 

Certamente, os Existencialistas dizem mais vezes: “Eu te amo!”

PRÓXIMO CAPÍTULO

Emílio Figueira - Escritor

Por causa de uma asfixia durante o parto, Emílio Figueira adquiriu paralisia cerebral em 1969, ficando com sequelas na fala e movimentos. Nunca se deixou abater por sua deficiência motora e vive intensamente inúmeras possibilidades. Nas artes, no jornalismo, autor de uma vasta produção científica, é psicólogo, psicanalista, teólogo independente. Como escritor é dono de uma variada obra em livros impressos e digitais, passando de noventa títulos lançados. Hoje com cinco graduações e dois doutorados, Figueira foi professor e conferencista de pós-graduação, principalmente de temas que envolvem a Educação Inclusiva. Atualmente dedica-se a Escrever Literatura e Roteiros e projetos audiovisuais.

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